quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Deficiência e amizade

No Vida Mais Livre, desta vez escrevi sobre amizade. Veja:

Antes do meu acidente, tinha alguns amigos. Saiamos, tínhamos aventuras juntos, socializávamos, partilhávamos bons e maus momentos, viajávamos...

Após ter ficado na cadeira de rodas, tudo mudou. Pouco a pouco foram desaparecendo. Aceitar e entender essa mudança foi difícil. Tentava ligar e cobrar a velha amizade, mas só ouvia promessas e pedidos de desculpa. Conversa era a de sempre. Nada mudou, a amizade persiste, não sais do meu pensamento, estás no meu coração, mas tenho falta de tempo. A partir de agora isso não vai mais acontecer. Mas tudo voltava ao de sempre. Um ou dois telefonemas ao ano e ponto final.

Chorei, questionei-me, culpei-me e sofri muito. Nunca consegui entender porque estas pessoas com quem tantas coisas partilhei, que tantas provas de amizade me deram, e cumplicidades mantivemos, de repente só porque fui parar em uma cadeira de rodas, e quando mais precisei delas, desapareceram. Foram todos. Não sobrou nenhum.

Noto que isto se passa com a maioria das pessoas na minha situação. Ditos amigos desaparecem todos ou poucos ficam. Sinceramente não consigo entender este procedimento. Dizem-me que é porque não eram nossos amigos a sério. Que amigos não agem assim. Eu não sei o que pensar. Sei que assim não procederia. Mas talvez o fato de darmos trabalho, ficarmos limitados e não termos a mesma mobilidade e possibilidade de deslocamento, pese na decisão de nos abandonarem, e se for assim, não os recrimino. Deveriam era em respeito a nossa velha amizade, explicar-nos que não querem mais um amigo nestas circunstâncias. Assim ficaríamos resolvidos e nada mais esperaríamos.

Com alguns, ainda continuo a troca de telefonemas e e-mails uma ou duas vezes ao ano. Até uma visita anual, outros nem isso. Desculpa continua a ser a falta de tempo. Mas segundo eles, amizade continua intacta. Costumo dizer que tempo todos arranjamos. É uma questão de prioridades. Neste momento convivo bem com esta realidade. Se aparecem são bem-vindos, se não vêm, nada de dramas.

Em compensação após o acidente novas amizades surgiram. E essas costumo dizer que são das boas e sinceras. Aos atuais, muito obrigado por me aceitarem como sou, aos do passado obrigado pelos belos momentos passados juntos. Afinal, ninguém é de ninguém.

10 comentários:

  1. Amigo, sei tão bem o que é isso, pois também passei pelo mesmo...acho que todos passámos...mas onde se fecha uma porta, abre-se uma janela. Ficámos a saber com quem contar de facto...

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  2. Mas no inicio dói muito...
    É verdade, Manuela! Todos passamos por isso.
    Fica bem

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  3. Amigo Eduardo,

    Na tetraplegia como no cancro.

    Partilho integralmente tudo o que refere.

    Acrescentaria somente, no meu caso, que a revolta que senti me fez enfrentar esses pretensos "amigos". Não consegui ficar calado nem quieto! Tive de transmitir-lhes frontalmente a "repulsa" que inicialmente passei a sentir e deixar de recordar essa gente, sem dor... para quem não "presta" não podemos deixar-nos magoar.

    Um Abraço.

    Alberto

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  4. Amigo Jorge, sabes que sou das tuas "amizades" recentes e sabes que mais..."Há males que vem por bem!!".
    Nem sempre os amigos que estão fisicamente presentes, são os mais sinceros e verdadeiros.
    Às vezes basta-nos uma palavra dita no momento certo e o dia ganha uma nova Luz...
    Acredita nos afectos das pessoas que te rodeiam, porque eu tb sinto que às vezes o tempo voa, mas nas verdadeiras Amizades "não há longe nem distância" :)
    Um forte abraço de Luz e Amor
    Isa

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  5. Viva Eduardo,
    É realmente muito interessante e uma questão de estudo o fenómeno social em torno da afectividade no antes e após aquisição de deficiência. A amizade faz parte do peso da balança que permite também o equilíbrio afectivo bem como a manutenção de níveis de auto-estima que são proporcionados pela partilha, pela aceitação, pelo diálogo, pela preocupação pelo outro...é que um amigo às vezes faz toda a diferença para a solidão...e quem não gostaria de manter os amigos pela vida fora, mesmo com "acidentes" de percurso?! Todos, não é?
    Enfim…, penso uma forma excelente de se encarar a saudade dos amigos "ausentes" é compararmo-nos a um autocarro em que cada amigo entra já com um destino traçado e sai para continuar o seu próprio caminho, mas que entretanto no percurso que tivemos em conjunto partilhamos algo, recebemos e demos em troca e isso não se esquece...entretanto à mais paragens e entram mais amigos como tu dizes!
    Abraço amigo!
    Sininho

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  6. Alberto, porque será que agem assim? Até hoje não consegui entender.
    Boa a sua maneira de resolver situação enfrentando-os.
    Fique bem

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  7. Isa, dou muita importância ao estar em pessoa. Quando gosto das pessoas gosto de as sentir, cheirar, abraçar...
    Fica bem

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  8. Sininho, não me refiro a esses amigos. Refiro-me àqueles que estão de tal maneira dentro de nós, e que jamais esperaria que apanhassem o "autocarro" e me deixassem só.
    Bonito teu ponto de vista.
    Fica bem

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  9. Olá Eduardo!!!
    Estou entrando neste mundo virtual dos mal acabados, como diz nosso amigo Jairo, há pouco tempo. Confesso que só tem me ajudado...e muito.
    Vejo que o que está acontecendo comigo passa à ser normal neste nosso mundo.
    Faz 4 anos que soube de um tumor intramedular na cervical e neste ano os sintomas tem se agravado muito. Estou ficando à cada dia mais tetra.
    E alem dos amigos, nossos amores tbem nos abandonam, deixando um vazio enorme no coração.

    Forte abraço

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  10. Sandra, bem-vinda ao TETRAPLÉGICOS. Aqui nunca será ignorada.

    Infelizmente é normal, realmente sermos deixados pelos ditos amigos.
    Nos amores também acontece com muita frequência. Principalmente o homem. Mulher costuma ficar com o companheiro.
    Fique bem e disponha

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