segunda-feira, 8 de agosto de 2011

2ª parte da minha história: Internamento após acidente

Lembram-se? Hoje continuo aqui e no Vida Mais Livre, a contar a minha história.

Não me lembro da minha entrada no Hospital de São José. Só sei que foi de madrugada. Acordei cheio de dores, principalmente no pescoço e cabeça, numa cama muito esquisita e com muita gente à minha volta. Estava deitado numa cama que davam o nome de “Stryker”. (O que mais parecido encontrei no Google com essa cama é a imagem que tenho abaixo).

Era uma cama mecânica que mais parecia uma “grelha” - aquelas em que pomos os alimentos para grelhar. Ali estava eu sem um único movimento no corpo. Aquelas camas serviam para nos virarem sem nos tocarem. Acho que com o pé e mão, acionam um comando e cama virava num só movimento. Era uma sensação muito esquisita, ainda por cima tendo 13 quilos a puxar-me a cabeça. Só havia duas posições: virado para baixo, ou para cima. O que quer dizer que só via o teto e o chão do Hospital. Nossos companheiros de quarto só conhecíamos por voz. Impensável virar a cabeça. Só tínhamos aquela posição.

Entrei no Hospital na quarta-feira de madrugada. Quinta-feira acordo naquela cama esquisita, exatamente do tamanho do meu corpo e ali estou eu imóvel. Primeira fralda usada e mudada, uns panos molhados e gestos esquisitos pelo meu estranho corpo, significou meu banho da manhã, a seguir a alimentação. Engasgava-me. Foi complicado aprender a mastigar naquela posição. Tudo passava por mim sem eu esboçar um gesto. Deixava acontecer. Sinto-me em movimento, vejo outros tetos e ouço outros sons. Ia a ser levado pra fazer uma Ressonância Magnética ou TAC (não me recordo), noutro piso do Hospital. O exame não aconteceu. Sei que só segunda-feira a seguir foi feito. Porquê não sei.

Uns dias depois fui operado. 9 horas no bloco operatório. Segundo os médicos, tudo correu bem. Reconstruíram-me algumas vértebras cervicais, usando placas e parafusos (acho que de titânio). Cirurgiões alcançaram a minha coluna através de uma incisão feita no meu lado esquerdo do pescoço. Fiquei com muitas dificuldades em engolir e limitações para abrir boca. Nem imaginam o quanto foi doloroso. Como dores se tornaram insuportáveis e nem engolir saliva conseguia, optaram por deixar a cama Stryker virada para baixo, a maioria do tempo. Se cama virava, meu corpo no seu interior também. Assim ficava com um recipiente por baixo da minha boca e saliva escorria sozinha. Como naquela posição, só ficava com olhos e boca fora da estrutura da cama, começou a formar-se uma ferida na testa, que era onde justamente peso da cabeça era suportado.

Começaram a administrar-me morfina para alívio das dores. Ajudou bastante. Mau era quando o efeito desaparecia. O tempo foi passando e a garganta melhorando. Nunca ninguém me dizia o que tinha. Também não me lembro de ter perguntado. Praticamente todos os dias a equipe de médicos nos fazia uma visita matinal, e sempre um dos que me operou, ao passar a mão por cima dos meus pés me desafiava a dar-lhe um chute nas mãos. Aquilo deixava-me confuso, mas muito animado. Se ele tinha aquele procedimento diariamente, por alguma razão era. Eu associava-o a realmente conseguir dar mesmo o chuto, ou pelo menos algum movimento.

Estávamos em março de 1991. Meses foram passando e tudo igual. Até que certo dia, ao virarem a cama Stryker, a parte de cima que ajudava a manter meu corpo seguro soltou-se, e caí no chão. O suporte que segurava 13 quilos e estava fixado, através de pinos, no meu crânio saiu e senti um zumbido e dores tão intensas que desmaiei. Durante uns dias estive muito mal. Estava a livrar-me da morfina, lá voltei a ter que a ter como aliada outra vez.

Melhoras nenhumas. Certo dia, pergunto a um médico que tinha no meu ângulo de visão, quando sairia da cama. Responde: “Ó jovem, tu nunca vais andar e nem sair da cama!” Acho que só nesse momento soube a gravidade do meu problema. Paralisia completa do corpo. Cai na realidade da pior maneira. Acho que fiquei suspenso uns segundos. Tudo parou. Ao abrir os olhos, o médico tinha desaparecido. Até hoje não consigo esquecer aquela crueldade. O que me doeu mais foi soltar aquela “bomba” e virar-me as costas. Aquela indiferença não consigo entender.

Um dia tentaram levar-me para um cadeirão. Desmaios não permitiram. Uns dias depois tentou-se uma cadeira de rodas de encosto alto e reclinável. Conseguimos. Foi um dia muito importante para mim. Aquele serviço era frenético e dormir era impossível. Estava muito magro e cada vez mais abatido. Só morfina em doses elevadas me aliviavam a dor. Sou inscrito no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão e enquanto aguardo vaga, transferem-me para o Hospital da minha região que era Abrantes. Em maio dou entrada neste Hospital para ficar perto da minha família, e tentar estar num ambiente mais calmo.

17 comentários:

  1. tens sofrido muito meu amigo.

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  2. Já passou tudo, Carlos.
    Vida nova.
    Espero que estejas bem, amigo!

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  3. Querido Edu, só hoje consegui acabar de ler este teu testemunho...e nem te sei explicar, mas doí mais quando ouço o sofrimento das pessoas q me estão próximas, do que falar do meu "sofrimento"!!
    Um forte abraço e muito carinho para ajudar a apagar essas recordações.
    Bjs Isa

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  4. Também me acontece o mesmo. Alguém a sangrar traz-me agonia. Em mim não.
    Fica bem

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  5. corajoso!!!!!!!!!!!!!!!!!

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  6. Muito sofrimento !!!!! Filho da mãe do médico!!! Como se pode ser tão insensível e médico ainda por cima???? As pessoas pensam que só acontece aos outros...
    Tem sido um grande homem e exemplo de coragem para todos.
    Parabéns.
    Beijo, Maria

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  7. Felizmente as coisas estão a mudar, Maria. Pouco a pouco vamos lá.
    É muito bom te-la por aqui e parabéns pela sua coragem.
    Fique bem

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  8. Olá! também passei por uma cama dessas e sempre que me viravam só pensava e se caio? Infelizmente contigo aconteceu!
    O que achaste de S.José? Desde que tive o meu acidente que sou seguida lá, quer no UVM com no CPR,este último tive lá 5 longos meses devidos a escaras!

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    1. Estive no São José na altura das obras. UVM era uma confusão. Até urgências ali atendiam. Era habitual acordar de noite depois da morfina fazer efeito e ao abrir os olhos ver grande reboliço em volta de macas. Barulho era infernal também. Estavamos uns 10 doentes em salas separadas por pequenas paredes.
      Pessoal havia de tudo. Dr Paneiro Pinto tratou-me sempre bem. Havia era muita falta de informação e para conseguir falar com um médico era quase impossivel.
      E agora como são as instalações? Não conheço a nova UVM e nem CPR.
      Obrigado pelo comentário.

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  9. enquanto lá estive correu sempre bem, excepto um enfermeiro que naquela altura era super rude e bruto, mas só tratou de mim uma vez porque fiz queixa. O Dr. Paneiro Pinto é o meu médico e adoro!!!! Desde de 2000 quem não vou à UVM, as minhas consultas hoje em dia sõ em S.Lázaro porque o Dr se mudou para lá com toda a ortopedia.
    O CPR, é impecável, enfermeiros,auxiliares médicos excelentes! não me faltou nada e eram super pacientes comigo e na altura passava um mau bocado! Ainda hoje trago amigas de lá no coração e na vida! Continuo a ser seguida lá, antes com o dra Maria José Coelho (reformou-se) hoje com o Dr. Pedro Martins!
    É sem dúvida o meu hospital de eleição, e onde vou sesmpre...independentemente do da minha residência ser O amadora-sintra!

    Ah S.José está sempre em obras =)))

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    1. Interessa é que continuas a ter o acompanhamento devido. Eu neste momento sou seguido pelo CMR Alcoitão.
      Estive no São José em 1991.
      Fica bem e aparece mais vezes.

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  10. Sim, em S. José sempre fui bem tratada! O Dr Paneiro não me "deixa" entrar noutro hospital. lol
    A única vez que me dirigi ao da minha residência, com febres altíssimas, não detectaram a minha infecção urinária e deram-me calmantes. Quando ele soube só lhe apetecia rebentar o hospital. E disse qualquer coisa que tenhas nem que seja uma dor de cabeça, é para cá que vens :)
    Eu para voltar a cmr ainda tenho que digerir a minha mágoa que de lá trouxe! Se bem que agora era diferente porque já não tenho idade para estar na pediatria!

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    1. Eu estive lá pouco tempo. Talvez por isso os laços não sejam tão fortes como os teus. Fiz reabilitação no Curry Cabral.
      Boa sorte

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  11. Boa noite. Também eu estive internado na UVM do Hospital de S. José, durante um mês, em Janeiro de 2000. Fui operado pelo Dr. Bordalo Amado e pelo Dr. Paneiro Pinto. Não sei o que é feito deles. Sabem? As melhoras a todos e muita força.

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  12. O dr Paneiro sei que ainda lá trabalha Paulo.

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  13. Alguém têm alguma foto do Dr paneiro pinto? Fui operado por ele e não me lembro da cara dele. Um grande e forte abraço. Obrigado

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