quarta-feira, 14 de março de 2012

Minha história - 7ª parte

Mais um capitulo da minha história. Aqui, os anteriores.

Minha História – 7ª Parte

Fui avisado que se encontrava um senhor no centro de reabilitação com uma cadeira de rodas eléctrica para eu experimentar. Sentaram-me nela e disseram para dar uma volta. Que era para mim. Oferta da minha seguradora (meu acidente foi de trabalho). Fiquei encantado. Era a minha independência. Estava acostumado a usar uma manual, emprestada pelo centro. Precisava de ser conduzido pelos outros. Fartei-me de circular por aqueles corredores que até tive enjoos. Enjoei como se enjoa em qualquer veiculo, barco…Mais tarde o mesmo senhor apareceu com uma cadeira do banho, uma escova com um cabo enorme que perguntei para que servia e me responderam que era para esfregar as costas durante o banho (nunca usei), talheres adaptados, adaptador de escova de dentes, de pente e máquina de barbear, tábua adaptada para ajudar a cortar pão e legumes, faca adaptada, tábua de transferência e mais uns equipamentos. Tudo novidades para mim. Nunca pediram a minha opinião ou experimentei o que quer que fosse. Entregaram as coisas, médica assinou e ponto final. Achei que fosse o procedimento certo, normal. Eu realmente não entendia nada daquilo e por mim nem tinha que entender. E se me estavam a dar, deveria agradecer e ficar bem caladinho, não fosse eu meter-me e ficar sem nada. Oferecerem-me aquilo tudo, era o máximo! Agora sei que o dito senhor era o proprietário de uma grande loja de produtos ortopédicos em Lisboa. e que aquelas Ajudas Técnicas foram prescritas pela minha fisiatra e por sua vez a seguradora autorizou que fossem adquiridas para me facilitar o dia-a-dia. Certo era me terem dado a oportunidade de escolher e experimentar, pois ao chegar a casa maioria dos produtos nada tinham de prático e confortável. Sentar-me na cadeira do banho era um martírio e usei-a durante uns 10 anos, mas sobre isso escreverei noutra altura.

Começaram a avisar-me que minha alta definitiva estava para breve. Só precisavam confirmar se conseguiria fazer plano de inclinação ou não. Naquela altura não tínhamos as cadeiras de verticalização. Usavam planos inclinados. Era umas macas onde nos fixavam com cintos de segurança e manualmente iam nos inclinando pouco a pouco, verticalmente. Sempre que me transferiam para o plano inclinado era habitual desmaiar, por isso evitavam arriscar. Iam tentando, mas chegava a um certo grau de inclinação e minha tensão caia a pique. Lá ficava para tentar noutro dia.

Estávamos no inicio de Janeiro de 1992. Meu acidente tinha sido em Fevereiro de 1991. Há quase um ano que vivia em hospitais. Entretanto tinha-me iniciado uns suores absurdos e anormais. Era horrível e muito desconfortável. Transpirava dia e noite sem parar e em quantidades anormais. Tinha que mudar várias vezes de roupa. Durante a noite cada vez que me mudavam de posição, na cama, também tinham que mudar os lençóis porque os encharcava todos de suor. Já andava com uma toalha enrolada ao pescoço e outra estendida costas abaixo. Absorvia um pouco o suor. Sempre que estavam molhadas, substitui-as. Só assim evitava mudar mais vezes de roupa. Foi um período muito desagradável. Pior é que estávamos no Inverno e andar constantemente com a roupa encharcada e suor ao secar no corpo arrefecia-me mais ainda. Tremia o dia todo. Andava também com umas toalhas pequenas para ir limpando o rosto e cabelo. Só transpirava do pescoço para cima. Resto do corpo não. Mas a quantidade era tanta que invadia o corpo todo. Se já vivia com frio, pior ficava. Era um desconforto muito grande. Mas depois apercebi-me que não era o único, outros lesados medulares sofriam do mesmo. Médicos explicavam que era consequência da lesão, mas nada mais. Que teríamos que suportar.

Alta estava a chegar e eu sem saber para onde ir, e o que fazer do meu futuro. Estes pensamentos não me deixavam um minuto. Por mais que pensasse soluções não encontrava. Começava a tornar-se um pesadelo. Estava a ficar nos meus limites. Sentia que não aguentava muito mais tempo sem entrar em desespero. Tudo se agravou com a vinda de um Sr com o nome de Manuel. Tinha as duas pernas amputadas junto à virilha e braços estavam muito deformados. Praticamente não os mexia. Aquele senhor não saia da cama. Se o sentassem numa cadeira escorregava por ela abaixo e caia no chão. Corpo não tinha movimento nenhum. Parecia todo duro. Ouvi dizer que foi o Tétano que o deixou naquele estado. Não tinha família e veio de um lar. Jamais esquecerei este senhor. Estava na cama mesmo em frente à minha. Praticamente não falava. Só o fazia para agradecer. Agradecia tudo com muita gratidão. O rosto dele era angelical. Tinha algo em si que nos dava paz. Era a bondade em pessoa. Não consigo explicar as forças positivas que irradiavam daquele ser. Era impossível alguém ficar-lhe indiferente. Só pedia algo se estivesse mesmo nas últimas. Mas como em todo o lado há sempre uma “ovelha ranhosa”, neste caso também havia. Era um auxiliar péssimo profissional. Ninguém gostava dele. Ninguém o conseguia corrigir. E quando estava de serviço fazia de conta que não ouvia nossos pedidos. Sr Manuel já sabia como ele era e nada pedia. Mas dentro de 8 horas que era quanto durava o turno do auxiliar, tinha que precisar dele inevitavelmente. Então lembro-me de o ver muita vez com a vozinha doce e muito calma a pedir água, ou que lhe desse a arrastadeira, urinol, ajeitasse a almofada…e o estúpido do funcionário a gozar com ele, acabava por desaparecer e nada. Nós todos revoltados, mas com medo de sermos expulsos (tínhamos medo de tudo) pouco ou nada fazíamos, mas o Sr Manuel continuava a sorrir como se nada tivesse acontecido. Nunca lhe vi um gesto de desagrado, uma queixa…só ternura e amor. Mas ver tanta injustiça com alguém que só distribuía amor deixava-me muito deprimido. Era inevitável não sentir tristeza. Machucava o coração. Foi uma altura que me senti muito frágil, indefeso e só.

Mas boas noticias vinham a caminho. Afinal havia uma alternativa para mim. O lar de idosos ou outra instituição, felizmente não seria o meu destino. 

Também no Vida Mais Livre

Continua…


6 comentários:

  1. olá eduardo, me adicione jo.ca.vc@hotmail.com e emersonlealmeira@gmail.com é o emerson o brasileiro. um forte abraço.

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  2. Eduardo, sigo o seu blog e admiro muito a sua força e coragem. Foi-me sugerido por um amigo que é paraplégico e de quem eu gosto...
    mantenha sempre essa coragem e força . Parabéns!!!
    Já agora espero que os estudos lhe estejam a correr bem assim como o trabalho.

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  3. Obrigado pelo seu comentário. É muito bom te-la por aqui.
    Estudos estão a correr muito bem e trabalho também. Estou muito feliz de estar no ativo. É fantástico.
    Fique bem

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  4. Eduuuuuu, a ler parecia ser eu a escrever! Mas não faria melhor! Descreves tudo tal e qual o que senti!!! passei por tudo isso da mesma maneira. Nao me sinto uma E.T agora! beijos!Carol

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    1. Tempos complicados Carol. Passamos muito. Mas tudo já ficou para trás.
      Fica bem e obrigado pelo teu comentário

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