domingo, 31 de janeiro de 2016

Afetos… ou falta deles

Falar ou escrever sobre afetos e afetividades é, para mim, uma tarefa bastante complexa porque não os tenho, desde muito jovem. Os afetos ou sinais deles são essenciais ao bem estar, ao crescimento e desenvolvimento, à alegria do simples acordar de um ser humano, independentemente da sua condição física e social.

Até me podem considerar um privilegiado por ter um emprego com algum estatuto, uma casa, roupas de marca, cadeira nova, dispositivos Apple e outros bens materiais que, de certo modo, camuflam a minha aparente diferença física resultante de uma paralisia cerebral que data do momento do meu nascimento, contudo, as pessoas que tiveram responsabilidades no meu percurso para ser o tal “alguém na vida” não tiveram a capacidade de procurar caminhos que me dessem uma vida afetiva minimamente resolvida e esse marco antissocial condiciona muito a minha felicidade, que fica muito aquém do que foi, por mim, expectável. O meu crescimento como pessoa foi e é feito sem beijos e abraços, sem toques que ultrapassem os dados num corpo visto como, apenas e só, carente de ser lavado, vestido e alimentado. Existe dignidade mas nada mais. 

Onde está o “Gosto de ti”, o pentear do cabelo, as carícias na face e nas mãos, as massagens nos ombros e tantas outras reações naturalmente presentes no quotidiano da grande parte dos cidadãos das sociedades civilizadas? Por consequência dessas carências afetivas, se uma amiga ou colega tiver a iniciativa de me dar, por exemplo, uma bolacha à boca, fico tenso, tremo por todos os lados! E por que razão isso acontece? Porque, precisamente, não fui preparado para esses momentos mais doces, tendo implicações traumáticas e constante défice de auto estima. Não é um desastre mas é um incómodo vital.

Procuro então afetos onde não existem, verdadeiramente. Com criatividade, crio os meus próprios, os virtuais que me enganam pela necessidade que sinto em me enganar, em fantasiar vivências que me permitem viver intimamente e emocionalmente com uma falsa tranquilidade e equilíbrio. Encontro-os na minha escrita, no meu eterno romantismo, nos livros de Nicholas Sparks e nos filmes baseados em obras do escritor, nas minhas músicas favoritas. Principalmente nos meu sonhos! Continuo a ser um sonhador mas, no entanto, e com o decorrer do tempo a caminhar para uns 40 anos que me fazem refletir sobre como poderei eu introduzir mais afetividades na possível segunda parte da minha vida, interrogo-me: Será que a apatia e falta de expectativas que agora me tenho vindo a incutir serão realmente o passo assertivo para viver um dia de cada vez com menos ansiedade e sofrimento interno, mas também mais só e cético quanto a uma vida social mais ativa, alegre, participativa e com afetos? Como explico às pessoas que não quero continuar a ter um dia-a-dia de recluso VIP, usufruindo somente do lugar de conforto da minha casa de família e do meu emprego? Que armas devo usar para mudar uma vida já aborrecida e até de algum tédio.

O meu aspeto físico conta e muito. A minha personalidade e timidez também. Não consigo dizer-lhe que gosto dela há anos, com receio não sei bem de quê. Sou incapaz de convidar uma amiga a ir ao café, ao cinema, ao teatro, à praia… Não consigo. Sozinho também não vou e acabo por me isolar com os meus próprios fantasmas. Ninguém os leva. Na generalidade, elas até me acham graça, elogiam-me como pessoa, como profissional, como poeta, mas apenas e só isso. Às 18h30 lá vou eu para casa e aos fins-de-semana lá estou eu sozinho ou em família. Não são raras as vezes que afirmo que ninguém gosta de mim. Digo-o em jeito de brincadeira com essa certeza assustadora a pairar-me no peito. Os afetos ou escassez dos mesmos são os únicos culpados da minha não felicidade.

Sexualmente, não me vou alongar muito, até porque foge um pouco do que ambiciono ter. Já procurei insistentemente alguém na internet para estar comigo. Outrora, foi até uma obsessão, mas, com o tempo e suas lições, percebi que não é isso que quero. Seria relativamente fácil comprar uma experiência sexual mas estaria a dar uma machadada na minha dignidade e nos valores que me caracterizam. Adoro mulheres mas não quero um momento comercial ou de compaixão, até porque eu seria esquecido. Ela não. Sexualidade temos todos, seja de que maneira for. Defendo o sexo assistido somente para quem tem total impossibilidade física para explorar o seu corpo.

Grato a quem leu este testemunho.

Manuel Francisco Costa
www.facebook.com/manuel.f.costa

Fonte: Plural&Singular

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