quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Alda foi com o filho tetraplégico para o politécnico

Alda Serrazina partilha um quarto com o filho numa residência do Politécnico de Leiria. “Muita gente pergunta: ‘O teu filho vai estudar para quê?’ Eu pergunto: ‘Ele vai ficar em casa para quê? Ficamos os dois maluquinhos!’ Ele quis vir. Eu disse: ‘Quer ir, vai.’ O meu marido ainda perguntou: ‘Vai como?’ Eu respondi: ‘Vai como os outros!’ Eu estou cá para o ajudar. Não quero que um dia ele diga: ‘A minha mãe não me deu oportunidade de seguir o que eu queria.’”

Márcio é filho único. Há 14 anos, seguia com a mãe e o padrasto na estrada, houve um acidente. Era um menino. Ainda nem completara 11 anos. “O médico disse: ‘O seu filho está muito mal.’ Eu só pedia a Deus que não o levasse. Tinha ele dois aninhos, fiquei sem o pai dele num acidente.”

Perdeu a voz. Ficou tetraplégico. “Ele reagiu mal. Era um menino tão bem disposto. Falava muito. Tudo. Tentei dar-lhe força. Disse-lhe que não era o único, que a vida dele havia de seguir em frente, que eu estava cá para o ajudar.” Esteve cinco meses no Centro Hospitalar de Coimbra e um ano e meio no Centro de Reabilitação de Alcoitão. Recuperou alguns movimentos.

Findo o secundário, Márcio quis ir para o superior. E lá vieram as perguntas: 'Vais massacrá-lo para quê?’ Têm a ideia que estas pessoas [com deficiência] não precisam de se esforçar. Ele tem de se fazer à vida! De maneira diferente, mas tem.”

Antes de o filho regressar à Benedita, em Alcobaça, Alda mandou alargar as portas da casa, pôr uma rampa no jardim, despediu-se da fábrica. Ele não podia estar sozinho. E tinha de continuar os tratamentos. Matriculou-o na escola. “A dificuldade que elas lá tinham! Propus desempenhar o papel de tarefeira. Estava por ali. Dava-lhe as refeições, levava-o a casa de banho.” Fizeram-lhe um contrato de trabalho.

Quando Márcio entrou no 7.º ano, mudou de escola. Alda ainda conseguiu trabalhar lá um ano. O programa do centro de emprego, através do qual fora colocada, não se pode repetir. Continuou, como voluntária. “Os professores sempre o ajudaram. Eu sempre a dar força.” Findo o secundário, o filho quis ir para o superior. E lá vieram as perguntas de vizinhos, de amigos, até de familiares: “'Vais pôr o teu filho a estudar para quê? Vais massacrá-lo para quê?’ Têm a ideia que estas pessoas [com deficiência] não precisam de se esforçar. Aqui ninguém é coitado nem coitadinho. Ele tem de se fazer à vida! De maneira diferente, mas tem.”

O rapaz, de 25 anos, já concluiu a licenciatura em Gestão. Começou agora o mestrado. Tem aulas à segunda, à terça e à quarta das 19h às 23h30. Ela leva-o e mantém-se perto. Senta-se no carro, costura, lê. Sai do carro, caminha um bocadinho. “Ele quer ir à casa de banho, dá-me um toque e eu vou.”

Márcio continua quase sem voz. No início, ninguém consegue ler-lhe os lábios, como a mãe dele faz. “É muito difícil a gente tentar perceber. Ainda hoje às vezes há coisas que eu não percebo. Ele troca-me as letras”, diz ela. Ele tem de escrever o que quer dizer. E a grande luta de Célia Sousa, do Centro de Recursos para a Inclusão Digital do Instituto Politécnico de Leiria, é convencê-lo a usar software de voz, como o de Stephen Hawking. “Terá de ser, se quiser defender a tese.”

Fonte: Público

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