terça-feira, 1 de novembro de 2016

Carta de despedida para a minha companheira dos últimos 6 anos

A despedida da minha companheira cadeira de rodas dos últimos 6 anos, na minha crónica no jornal Abarca.

Após 6 anos de muitas vivências em comum, no dia 22 de setembro de 2016 a nossa união chegou ao fim. Foi na Travessa do Torel em Lisboa que nos conhecemos. Sinceramente as primeiras impressões que tive de ti não foram as melhores, mas convenceste-me com aquele teu jeitinho muito próprio logo que me sentaram em ti.

Ainda me lembro onde te toquei a primeira vez? Foi nos teus braços. Mostrei-te que numa posição diferente conseguiria te conduzir melhor. Entendeste e mudas-te por mim.

Foi nesse momento que senti que serias minha houvesse o que houvesse. Bem sabes que ainda me apresentaram as tuas amigas, Rumba, F35, Samba…mas mantive-me firme, embora tivesse aceite sentar-me nelas, foste sempre a minha primeira e única escolha.

Depois de todos estes anos continuo a achar que fiz a escolha certa. Foste uma grande companheira. Quero que saibas que não te estou a trocar por outra, mas pela outra. A outra chama-se F5 e foi-me apresentada, na tua presença, por dois amigos Manuel Ribeiro, e António Alberto da Mobilitec em novembro de 2015. Como não existem segredos entre nós, sabes que há muito tempo que me falavam dela. Que me iria fazer muito bem: permitir que me deitasse em cima dela, por-me em pé, que é mais rápida e segura que tu, mas principalmente ficar naquela posição que só ela consegue…

Vês, queria evitar mencionar as virtudes da F5, o que ela tem que tu não tens, podes ficar magoada. Mas já te apercebes-te que essa posição é muito importante para o meu ísquio. Ele está cansado e doente e precisa de ser cuidado e a F5 pode ajudá-lo. Tens sido testemunha do quanto tenho sofrido nos últimos tempos. Sabes que se não fosse esse facto por mim continuaríamos juntos e felizes.

Quero-te pedir desculpa pela maneira como a recebi quando me foi apresentada. Também achei que não precisava de tanto. Uma desconhecida aparece e torna-se o centro das atenções. Teve direito a aparição na TV e tudo. Aconteceu porque a equipa da Sandra Vilarinho do Programa “Linha da Frente” da RTP, veio acompanhar o recém eleito na altura, deputado Jorge Falcato a um encontro comigo. Mas viste que só me sentaram nela uns minutos. Voltei logo para ti.

Interessa é que a nossa relação de carinho e respeito se mantenha. Quero que saibas que continuarás no meu coração e que nunca esquecerei os momentos que passamos juntos. Foste uma amiga de todas as horas.

Juntos choramos:
-Quando aguentamos juntos naquela estrada abandonada, debaixo de chuva, quase a cair no precipício; E quando caímos os 2...; Sofremos também juntos quando te desligavam o fio que ligava o comando á bateria, obrigando-nos a ficar horas parados no mesmo lugar; No funeral da minha mãe...

Também houve sorrimos:
-Quando me levaste a lugares onde nenhuma outra cadeira me conseguiu levar, como por exemplo para ver uma planta mais de perto, ou sentir os cheiros e ouvir os sons da natureza;

Puseste-me a jeito para receber e oferecer abraços muito especiais; Foste a minha companheira inseparável nas lutas travadas pela exigência dos meus direitos; Ainda nos estou a rever a circular pela 1ª vez nos corredores da Assembleia da República, cheios de personalidade, como se esse acto fosse algo comum e habitual para nós; E como esquecer a viagem épica que fizemos juntos até Lisboa em protesto... Nessa viagem vi o quanto tu eras forte e fiel. Aguentaste-te firme e queixas de cansaço não foi contigo; Levaste-me a programas de TV. Aparecemos em todos, ou praticamente todos os órgãos de comunicação social. Fomos protagonistas de um documentário da autoria da Vera Moutinho, jornalista do jornal Público, “O Que é Isso de Vida Independente?” Quem diria que um dia seríamos solicitamos para tal...Partilhamos algo também muito importante para mim que foi a minha licenciatura, etc.

Haveria muito mais a destacar sobre nós, mas termino referindo um dos momentos mais turbulentos da minha vida, que foi a mudança da minha casa para o lar do Centro de Apoio Social da Carregueira, mas mais uma vez transformamos esse episódio em algo bom, que foi ter encontrado uma família fantástica, e possibilitarem-me nesta casa realizar o 1º contrato de trabalho como Assistente Social após adquirir a deficiência.

Sei que embora tenhas deixado de ser a minha 1ª escolha, continuas disponível para me servires. Também sei que caso a F5 me deixe por alguma razão, tu estarás á minha espera sem rancor. Sabia que seria assim. Ainda bem que entendes. Obrigado por continuares a querer ser minha.

Quanto á cadeira de rodas F5 da Permobil, temo-nos estado a dar muito bem e tu tens sido prova disso. Mas fica para a próxima os pormenores.

Eduardo Jorge

2 comentários:

  1. Magnífico post Eduardo.
    Fico feliz por ter contribuído para a sua felicidade, mobilidade e preservação da sua saúde. Estou sempre aqui para o que possa precisar. Felicidades. Abraço

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