quarta-feira, 27 de junho de 2018

Respostas de alívio ao cuidador

Numa sociedade cada vez mais envelhecida e dependente, os cuidadores informais assumem um papel cada vez mais relevante. Sabemos, contudo, que a tarefa de cuidar é exigente e são muitos os seus potenciais impactos negativos, o que faz aumentar a preocupação com o acompanhamento e o apoio aos cuidadores familiares e à pessoa idosa dependente.


De acordo com o relatório “Medidas de Intervenção junto dos Cuidadores Informais”, publicado em 2017, e que envolveu representantes da Saúde, da Administração Central do Sistema de Saúde, Instituto de Segurança Social, Direção-Geral da Segurança Social e do Instituto Nacional para a Reabilitação, existe no nosso país uma escassez de respostas de apoio aos cuidadores, nomeadamente o direito ao descanso. Nesse sentido, o Estatuto do Cuidador Informal, recentemente objeto de discussão parlamentar, propõe que os “cuidadores informais tenham direito a quatro dias de descanso mensais e a onze dias seguidos de férias, sendo reconhecidos e integrados na Rede Nacional de Cuidados Integrados”. O projeto prevê, também, a “prestação de apoio domiciliário durante as folgas do cuidador ou, em alternativa, a estadia de curta duração em unidades de internamento”.

O que são “Serviços de Alívio ao Cuidador”?
Os serviços de alívio ao cuidador (Respite Care) visam proporcionar uma pausa efetiva e temporária da responsabilidade de cuidar, para que o cuidador descanse e/ou possa realizar outras atividades ou obrigações de carácter pessoal. Entre as várias tipologias que abarcam, destaca-se os Serviços de Acolhimento Temporário (SAT), que oferecem serviços em contexto institucional de carácter social ou de saúde, e que permitem um descanso prolongado do cuidador através do internamento do recetor de cuidados, durante vários dias consecutivos.

Em quase todos os países da OCDE, as políticas para cuidadores incluem o descanso do cuidador, embora o direito legal a estes serviços seja muito variável. Na Irlanda, por exemplo, um subsídio anual para cuidados de descanso pode ser usado durante todo o ano; na Áustria um subsídio específico está disponível para pagar por cuidados temporários por até quatro semanas; no Canadá estão disponíveis incentivos financeiros na forma de créditos fiscais para famílias que pagam por serviços de assistência temporária, e na vizinha Espanha são os municípios que organizam estes serviços. Em 2014, um estudo que procurou mapear as políticas de suporte para cuidadores informais na UE-27 verificou que os serviços de descanso eram providenciados em 21 países europeus, ainda que nos casos da Irlanda, França e Portugal, a evidência disponível apontava para um acesso difícil a estes serviços.

Os serviços de alívio ao cuidador em Portugal
Em Portugal, os serviços de alívio ao cuidador são um tipo de resposta relativamente recente. No sector social existem algumas soluções de SAT a nível privado, que partem da iniciativa das próprias instituições. No sector da saúde, em 2006, foi criada a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), que contempla uma solução específica para o alívio do cuidador, a modalidade do descanso temporário ao cuidador nas Unidades de Longa Duração e Manutenção (ULDM), que pode ser utilizada por um período máximo de 90 dias por ano. Contudo, o acesso à RNCCI está sujeito a limitações funcionais, critérios de fragilidade, incapacidade severa e/ou doença grave do utente; além disso, a lista de espera é comum a todos os casos que necessitem de ingressar na rede, o que normalmente faz com que o processo seja muito moroso. Dados do primeiro semestre de 2017 apontavam para a existência de 8122 camas em funcionamento na RNCCI e, destas, 4703 estavam em funcionamento nas ULDM, sendo nesse período o descanso do cuidador indicado como motivo de referenciação em 39% das admissões ocorridas.

No âmbito do projeto de intervenção comunitária “Cuidar de quem Cuida”, desenvolvido na Região de Entre Douro e Vouga, procurou-se conhecer a estruturação e funcionamento dos serviços de Descanso ao Cuidador existentes na região, bem como o potencial de utilização de SAT e os fatores que podem condicionar a sua utilização numa amostra de cuidadores informais2. Os resultados revelaram a existência de uma reduzida oferta do serviço na região, mas um grande potencial de utilização, ainda que esta tenda a ocorrer apenas em situações extremas (e.g. problemas de saúde do cuidador ou agudização do estado clínico do receptor de cuidados). Estes resultados fazem depreender, numa primeira instância, a necessidade de se apostar no crescimento deste tipo de resposta para fazer face às necessidades dos cuidadores informais, pois a falta de compatibilidade entre procura e oferta decorrente do limitado número de camas disponíveis pode traduzir-se na indisponibilidade da resposta aquando do pedido, comprometendo alguns dos benefícios potenciais da utilização desta resposta. Outro fator a ter em conta é a existência de vários motivos que podem concorrer para uma reduzida ou até não utilização deste e outros recursos formais, como sejam os sentimentos de dever e culpa, o escrutínio social de vizinhos e amigos menos sensíveis à necessidade de autocuidado dos cuidadores, os custos elevados do serviço e/ou a incerteza quanto à qualidade dos mesmos, nomeadamente se disponibilizados pelo sector social.
É necessário e urgente que as políticas locais e nacionais assegurem proximidade geográfica e um acesso fácil aos serviços de descanso do cuidador, por exemplo, através de apoio financeiro para a utilização destes serviços, e que se desenvolvam processos de acompanhamento e avaliação da melhoria contínua pelas entidades competentes. Trata-se de uma medida de extrema importância para a saúde física e mental dos cuidadores informais que se querem manter nesse papel.

Referências
Courtin, E., Jemiai, N., & Mossialos, E. (2014). “Mapping support policies for informal carers across the European Union”.

Brandão, D., Ribeiro, O., & Martín, I. (2016). “Underuse and Unawareness of Residential Respite Care Services in Dementia Caregiving: Constraining the Need for Relief”. Health & Social Work, 41(4), 254-262.

Gerontóloga, investigadora do CINTESIS.UP e membro da equipa do Centro de Atendimento 50+ (CA50+)

Fonte: Público

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