sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

​​Diana Santos é psicóloga, trabalha e tem uma casa adaptada

Um problema neurológico tirou-lhe, aos seis meses, a possibilidade de andar. Sentada numa cadeira de rodas, Diana Santos teve uma infância muito feliz. No mundo mágico criado pela mãe, a menina acreditava fazer parte do universo das sereias, razão para não poder andar.


Era uma criança inteligente, bem-disposta e muito interventiva. Nos grupos de teatro da escola conseguia sempre papéis de destaque. «Transformavam a cadeira num trono», conta. Tinha muitos amigos, que adoravam empurrar a cadeira de rodas. Chegava a cobrar dez ou 20 escudos (o equivalente a cinco ou dez cêntimos) pelo privilégio de conduzirem a cadeira. «Era uma malfeitora», diz, sorrindo. Chegou a querer ser bailarina e quando a professora a aconselhou a pensar noutra coisa respondeu, zangada: «Se não puder ser bailarina quero ser cão!».

O primeiro embate com a realidade deu-se aos nove anos, quando esteve cinco meses internada no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão. Os pais depositaram imensa esperança numa cirurgia que talvez lhe permitisse andar. Não aconteceu. «Nesse momento percebi: “A minha condição vai ser esta”».Na escola não precisava de tratamento especial, apenas de mais 30 minutos para realizar os testes, porque escreve devagar. Ainda assim dependeu da boa vontade e sensibilidade dos outros, numa altura em que os direitos das pessoas com deficiência já estavam consagrados na lei, mas não eram exigidos, como é habitual agora. Habituou-se a enfrentar e superar barreiras físicas e preconceitos. Uma nova cadeira, eléctrica e pesadíssima, não de adaptava tanto às brincadeiras. Nem sempre era fácil acompanhar os amigos no recreio. Muitas vezes os desejos esbarravam nas opções que lhe reservavam. «A deficiência causa estranhezas e medos. Deparei-me com pessoas assustadas, sem saber o que fazer comigo. Porque eu fugia ao padrão comum», conta.


Aos 16 anos, Diana decidiu abandonar a fisioterapia, que lhe ocupava uma hora e meia por dia. «Quero uma vida o mais normal possível e não estar sempre ligada a médicos. Foi uma escolha, mesmo que prejudicial», assume. As mãos perderam alguma funcionalidade. No futuro admite regressar à terapia. A seu favor teve sempre a grande facilidade de relacionamento. «Sei que tenho competências sociais: dou--me com todos, sou afável e conciliadora». A afinidade com as pessoas levou-a a escolher o curso de Psicologia. Entrou à primeira, na Faculdade de Psicologia de Lisboa. Acordava antes das cinco da manhã para enfrentar, com a mãe, a deslocação do Barreiro à Cidade Universitária, em Lisboa. À noite, ainda dava explicações, com que ajudava a economia familiar. Dormia três a quatro horas por noite.


«Penei um bocadinho», reconhece. «É engraçado como o preconceito começa mesmo na idade adulta. No início, os colegas tinham medo de fazer trabalhos de grupo comigo, achavam que ia sobrar mais para eles. E havia o mito urbano de que as pessoas com deficiência entram por quota», conta. Mas os amigos que fez na altura ficaram para a vida.

Diana Santos trabalha há oito anos como psicóloga na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), onde presta apoio aos colaboradores. O constrangimento inicial dos colegas foi rapidamente ultrapassado pela competência e traquejo em desvalorizar certas coisas. «Temos de fazer o nosso percurso e estamos aqui para trabalhar», diz. Hoje sente-se muito bem integrada e realizada profissionalmente. A SCML proporciona-lhe transporte adaptado e o edifício está preparado em termos de acessos. Também exerce psicologia numa clínica privada. Não sente que a cadeira a limite profissionalmente. «Sei que a minha condição física causa curiosidade, por isso compenso adoptando uma postura discreta», explica. 


O activismo entrou na sua vida durante a faculdade. Em 2013 descobriu o Movimento Vida Independente, assente no conceito revolucionário da assistência pessoal: pessoas contratadas para serem «os pés e as mãos» de pessoas com deficiência. Com outros amigos, fundou o Centro de Vida Independente (CVI), gerido apenas por pessoas com deficiência. O CVI participa na selecção dos participantes do projecto-piloto Vida Independente, da Câmara Municipal de Lisboa. Pela primeira vez em Portugal, cinco pessoas têm assistência pessoal suportada pela autarquia. Diana Santos é uma delas.

No dia 25 de Abril de 2016, "engoliu" todos os medos e conquistou a maior vitória da vida. Mudou-se para uma casa adaptada na Bela Vista, em Lisboa. A habitação é ampla, permitindo-lhe circular à vontade com a cadeira de rodas. Os móveis e sanitários estão ajustados às necessidades. A porta da rua, estores e iluminação funcionam automaticamente. «Foi o dia da minha liberdade. Esta casa e o apoio das assistentes pessoais permitem-me uma vida muito autónoma. A vida que eu quero». Duas assistentes pessoais ajudam Diana, de manhã e à noite, na higiene pessoal. Dão apoio a preparar refeições e na manutenção da casa. No emprego, outra assistente ajuda nas idas à casa de banho e tarefas manuais. «Este apoio ajudou-me a perceber como sou enquanto pessoa. Custava-me que os meus pais, amigos ou um namorado tivessem de abdicar das vidas pessoais para me ajudarem. Com uma assistente pessoal já não sinto que é abusivo». Diana Santos adora ir a casa dos pais como visita. «É tão bom ser amada como filha e não ser alvo de cuidados».

Licenciou-se – é psicóloga, trabalha, tem uma casa. Vai ao cinema, teatro e concertos. Adora viajar. A história de Diana Santos não é representativa da maioria das pessoas com deficiência em Portugal, para quem a vida é muito mais difícil. Mas Diana reconhece que muitas conquistas se devem a mérito próprio, sobretudo à resiliência. «Se nos deixamos vencer pelo medo, o fracasso está logo ali à porta. Não podemos deixar que o medo nos "amarre as rodas"».

Diana Santos sempre quis ser mãe. Hoje é um sonho concretizável. Também deseja comprar um automóvel adaptado, que a torne independente dos transportes públicos. Em Janeiro assume a presidência do CVI. «Quero continuar muito activa e lutar para que a assistência pessoal seja um direito de todos e não apenas de um grupo de privilegiados como eu hoje sou».


Fonte: Sauda

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