sexta-feira, 12 de junho de 2020

Deficientes pedem desconfinamento a juiz

Sete cidadãos deficientes, utentes da Fundação ADFP, em Miranda do Corvo, requereram, esta terça-feira, que seja judicialmente ordenada a sua restituição à liberdade de que estão privados devido à pandemia da covid-19.


Trata-se de subscritores de uma petição de habeas corpus, prevista na Constituição da República Portuguesa contra detenção ou prisão ilegal. Perante o facto de não vigorar estado de emergência e de os demais cidadãos terem direito à sua liberdade, os peticionários (quatro homens e três mulheres), invocando a fase de desconfinamento, rejeitam que lhes seja imposta "restrição de liberdade baseada na doença e deficiência", disse à SÁBADO o presidente da Fundação ADFP.

Jaime Ramos, médico e antigo deputado à Assembleia da República, pediu ao Governo, na semana passada, "análise e discussão, do ponto de vista ético, da distanásia de pessoas condenadas a morrer nas residências transformadas em jazigos para vivos".

Em documento remetido ao Tribunal de Competência Genérica da Lousã, os sete cidadãos alegam encontrar-se em situação de "prisão domiciliária, decretada por manifesto abuso de poder". Para os deficientes, a Fundação - Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional não pode, com base em orientações do Governo, condená-los a permanecerem no domicílio.

À luz do Código de Processo Penal, a ilegalidade da prisão que pode fundamentar a providência de habeas corpus deve resultar da circunstância de a mesma ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente, haver sido motivada por facto pelo qual a lei a não permite ou, ainda, quando se mantiver para além dos prazos legalmente fixados ou por decisão judicial.

Para o médico, a "visão de protecção sanitarista sem cuidar de outras dimensões essenciais da vida humana, em que é essencial a liberdade, assume aspectos de fundamentalismo desumano". O presidente da Fundação ADFP alude às centenas de utentes da instituição como "pessoas para quem evitar um contágio infeccioso" de transmissão da covid-19 "não pode consistir no único objectivo de vida".

"Trata-se de pessoas afastadas da opinião pública, sendo que esta só lhes presta atenção quando algo negativo acontece", opina. "A nossa visão", prossegue Ramos, "de cuidadores que investem em pessoas, com qualidade técnica e bondade, não pode ser transformada numa prática sujeita a orientações que nos colocam como carcereiros".

Neste contexto, o médico sugere ao Governo a "tomada de decisões capazes de tratar os residentes em estruturas colectivas como cidadãos no pleno gozo dos seus direitos legais e constitucionais". Ao assinalar que as pessoas com deficiência ou doença mental continuam confinadas, Jaime Ramos conclui que "viver em reclusão imposta, não sendo vida, consiste em condenação".

Fonte: Sábado