Rita e Inês, com paralisia cerebral, aguardam a aplicação do Modelo de Apoio à Vida Independente, aprovado há um ano. Os contratos com os centros que vão gerir a medida estão agora a ser assinados. Para já vão beneficiar 722 pessoas.
Rita chegou ao segundo ano da faculdade com muito trabalho, empenho e motivação. Sempre andou em escolas regulares. Ela e a irmã Inês entraram para o jardim-de-infância aos três anos e meio. "Teve uma boa integração", conta a mãe, Helena Lagartinho. "Andaram na Quinta dos Girassóis, tudo foi adaptado para elas estarem e interagirem com as outras crianças. Eram sempre convidadas para todas as festas de anos, mesmo que fossem em insufláveis. Elas iam e brincavam, valeu-me a ajuda da minha filha mais velha, mas sempre fui com elas a todo a lado, nunca houve da parte dos amigos qualquer reação negativa, ajudaram-nos sempre a seguir o caminho que pretendíamos, quebrar paradigmas e barreiras, lutar pela integração."
Foi assim que Rita continuou a lutar na escola primária e na secundária de Massamá, zona onde ainda hoje reside. Aí encontrou professores que ficavam aflitos quando viam uma aluna de cadeira de rodas, mas que "depois lhes passava, porque a Rita e a Inês foram sempre das melhores alunas".
Rita recorda o tempo em que apanhou um diretor de escola que a quis obrigar a ir às aulas de Educação Física, "ficávamos a olhar durante 50 minutos ou os 90. Para quê? Os professores dispensavam-nos disso, mas ele achou que tinha de ser assim". Até o desafio de superar o chumbo à disciplina com trabalhos para compensar as faltas, Rita e Inês aceitaram. "Tínhamos de fazer trabalhos escritos. Fazíamos sobre modalidades", conta, e a sorrir comenta: "Até me dava gozo, eu gostava da matéria."
Foi sempre o desporto que a motivou, à irmã Inês eram as letras, frequenta também o segundo ano de Estudos Portugueses, na faculdade de Letras. Mas tudo contribuiu para que hoje esteja onde está, com muita ajuda, mas agora quer caminhar para outra vida. Aquela com que tem sonhado até aqui e que a mãe e os amigos a fizeram sempre acreditar que é possível. "Ser independente, ter a minha casa, o meu trabalho, no fundo ser eu, pessoa, ativa e independente."
Tem direito à Prestação Social para a Inclusão (PSI), de 260 euros, até aos 18 anos teve direito ao abono de família de cem euros, por ser pessoa com deficiência. A partir de agora, espera ter direito a um assistente pessoal. Até porque caminha para o final do curso, "são três anos, no final, temos de fazer um estágio e não queria chegar ao ponto de ter de ir com a minha mãe para o estágio ou para o trabalho", argumenta.
A mãe, Helena, diz mesmo que tal não será possível, porque em vez de uma ela tem duas a precisarem da mesma ajuda, e ela não se pode desdobrar. "Ou trabalha uma ou outra, andar com as duas para todo o lado não vai ser possível", remata.
Hoje, aos 22 anos, continua a lutar, pela integração, pela vida independente. Como diz, "está na hora, estou a crescer e quero viver de outra forma. É claro que nunca irei cortar o cordão umbilical com a minha mãe, mas está na hora de ela ser só mãe, e não mãe cuidadora. Foi assim que funcionou com as outras filhas, é assim que quero que seja comigo".
A tirar Ciências da Comunicação na Faculdade de Letras de Lisboa, Rita aguarda que o Modelo de Apoio à Vida Independente (MAVI), medida legislativa aprovada em outubro do ano passado pelo governo, seja posto em prática. Ela e a irmã Inês, também com paralisia cerebral, uma situação que a mãe diz ter surgido no parto, por lhes terem retirado o ventilador antes do tempo, aguardam o dia em que poderão ter para elas a autonomia e a independência que qualquer jovem da idade delas anseia. Ou até que a outra irmã, Carolina, a última deste grupo de trigémeas, que não sofreu nesta situação por ter tido sempre o ventilador, já tem.
Modelo de vida independente avança em 30 instituiçõesO
Decreto-Lei 129-2017 estabelece o programa MAVI, que assenta na disponibilização de uma assistência pessoal às pessoas com deficiência, procurando inverter, segundo fundamenta o próprio governo, "a tendência de institucionalização e de dependência familiar", fomentando "o primado do direito à autodeterminação" por parte destas pessoas.
Depois de muita discussão de como concretizar a medida, o governo chegou à conclusão de que a melhor forma seria através dos Centros de Apoio à Vida Independente (CAVI). São estes que vão ser financiados para gerirem a medida, o recrutamento, distribuição e gestão de cada assistente pessoal.
Segundo o decreto, estes centros são "as entidades responsáveis para a operacionalização das respostas aos projetos-piloto aprovados no âmbito dos Fundos Comunitários Estruturais e de Investimento". Aos CAVI compete "estabelecer regras, criar e organizar o funcionamento desta medida, definindo os respetivos destinatários e as condições de elegibilidade".
A secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes, disse ao DN que sempre batalhou por esta medida, mesmo antes de estar no governo, mas admitiu também "não estar a inventar nada. É um modelo que já existe em vários países, Inglaterra, Suécia, Noruega, etc., não estamos a inventar a pólvora". Nestes países, sublinha, os modelos de aplicação da medida é que também são diferentes, "alguns optaram por incentivar as próprias pessoas a constituírem-se como cooperativas e a gerirem elas o serviço de assistente pessoal".
Em Portugal, serão os CAVI, e na semana passada foram já aprovadas 30 candidaturas para desenvolver este projeto nas regiões norte, centro e Alentejo. Destas 30, 21 já foram notificadas e os contratos serão assinados nas próximas semanas, informou o gabinete da secretária de Estado da Inclusão. À partida, o valor global de apoio a estas candidaturas é de 27 milhões de euros, o que representa apoio a 722 beneficiários e 592 assistentes pessoais. Mas o DN não conseguiu saber quantas pessoas terão necessidade de usufruir desta medida.
A opção pelos CAVI, estando a maioria a ser desenvolvida por instituições que já antes prestavam outros cuidados, foi para ter a certeza de que esta função tem de ser encarada como "um desempenho profissional, quem o assumir vai ter de fazer muita formação e perceber quais são os seus limites, porque também não poderá entrar pela vida das pessoas".
Por outro lado, quem beneficiar da medida também "vai ter de perceber que a pessoa que lá está, é para a ajudar nas tarefas básicas que não consegue realizar. A assistência pessoal será para ajudar quem não tem autonomia na higiene pessoal, no banho, pentear, vestir, transportar. As necessidades variam de pessoa para pessoa, um cego não precisa de ninguém que lhe dê banho, mas precisa de alguém que o ajude ao nível da organização das suas coisas", explica a secretária de Estado.
Ana Sofia Antunes argumenta ainda que esta medida vem resolver uma situação que desde sempre é assumida pela família ou ainda pela versão de empregada doméstica. Ela própria assume ter uma pessoa assim consigo há anos nesta versão. E o que se pretende agora é que seja uma "função profissional, com muita sensibilização e formação para não haver abusos. É dizermos às pessoas, tens de ter um apoio para a tua autonomia, mas é preciso que essa função esteja regulamentada. Nalguns casos, o assistente pessoal não está lá em casa para cozinhar com regularidade, obviamente que o fará se a pessoa tiver absoluta incapacidade para isso, mas se calhar estará lá para o transportar, para o ajudar na sua higiene, etc".
Para a governante esta foi uma das medidas que faziam parte das suas prioridades e que diz conseguir concretizar três anos após o início do mandato. Vai ser uma medida com apoios comunitários e um projeto-piloto por três anos, vamos ver como funciona. Para a governante, os prazos foram os possíveis, para a pessoa com deficiência com esta necessidade "já devia estar a ser aplicada, não se admite tanto tempo", defendeu ao DN a mãe de Rita e Inês.
Fonte: DN