Muitos reclamam da vida quando tem duas pernas para andar, dois braços para mexer e podem ir a
qualquer lugar a qualquer hora do dia. Mas quando alguém, do nada, simplesmente quase acaba com a vida de uma pessoa, deixando-a praticamente sem todos os movimentos e para o resto da vida em uma cadeira de rodas, se passa a dar mais valor aquilo que se tem. Pessoas como estas, são capazes de dar uma lição de vida e de força de vontade em muita gente.
É o caso de Claudia Nass, hoje com 38 anos de idade e tetraplégica há quase 14. Ela ficou sem poder movimentar nada do pescoço para baixo depois de ser atropelada quando andava de moto em outubro de 1999 aos 25 anos de idade. Na época, ela era professora e voltava da escola, quando um homem ‘cortou sua frente’, atropelando-a. De lá para cá, sua vida nunca mais foi a mesma. Veio a notícia de duas vértebras quebradas e uma lesão na medula por ter sido socorrida indevidamente, sendo colocada no banco traseiro de um automóvel para ser levada ao hospital, ocasionando o que se chama de ‘efeito chicote’, comprimindo a medula. Claudia explica que na época não existia SAMU e não foi chamada uma ambulância. “Me colocaram no banco de trás de um carro. Eu estava consciente durante todo o tempo e até pedi para chamarem uma ambulância, mas me levaram para o hospital assim mesmo”, relatou, durante entrevista a reportagem do JG. Na época do acidente, ela morava em Vista Nova, interior de Crissiumal.
De lá para cá, lidar com a dura realidade passou a fazer parte de sua vida. Aceitar a paralisia foi a coisa mais difícil. As seções de fisioterapia nunca mais se findaram e foi preciso muito esforço para voltar a recuperar pequenos movimentos, como das mãos e dos braços, que ela conseguiu cerca de 6 meses depois do acidente. Claudia passou por vários hospitais, inclusive um deles que é referência na reabilitação de vítimas de politraumatismos - o Sarah Kubitschek de Brasília - mas em nenhum deles ouviu a resposta que mais gostaria de escutar: a de que voltaria a andar. “Os médicos não te dão a certeza, nem dizem que isso é impossível. Explicam que tudo depende muito de cada lesão e da saúde do paciente, sem contar que é preciso muito tratamento e acima de tudo, muita força de vontade e confiança em si”, disse ela.
E quando a jovem acreditava estar tudo perdido em sua vida e seu mundo restringido a uma cadeira de rodas, uma linda história começou a se desenhar. Quase 7 anos após o acidente, uma amizade de infância se resultou numa história de amor. Mesmo sabedor de que a jovem estava impossibilitada de levantar da cadeira de rodas, Ernani Dreher, nove anos mais novo que ela, se apaixonou pelo jeito meigo de Claudia e passaram a namorar. “Sempre conversávamos. Ele começou a vir aos sábados na minha casa e com o passar dos tempos vinha me ver com mais frequência. Pediu se podia continuar vindo e eu disse que sim. Depois começou a mandar mensagens pelo celular e mais tarde o pedido de namoro. Quando meus pais ficaram sabendo, não gostaram da ideia e resistiram um pouco, já que acharam que se tratava de uma brincadeira de mau gosto e que dificilmente alguém se interessaria por mim. Meu pai explicou minha situação para ele e o Ernani disse que mesmo assim queria ficar comigo, por isso digo que ele é mais que um marido e
sim um anjo”, contou em lágrimas. Assim, faz sete anos que Claudia encontrou uma pessoa que a ama e que a dá valor mesmo sabendo de suas limitações físicas.
E como se não bastasse isso, ela venceu limitações e o que parecia impossível aconteceu. Há 14 dias ela deu a luz ao pequeno Vitor Davi, provando que não existe limitações para quem quer algo na vida. Como qualquer mulher, ela sempre sonhou em ser mãe, mas esbarrava na dificuldade de ser tetraplégica, em que são raros os casos de se conceber uma criança. Para a surpresa de todos, sua gravidez foi exemplo e deu um show em muita mamãe normal. Não teve complicações, muito menos alteração na pressão arterial e infecções urinárias, embora tenha ficado 9 meses alterando entre a posição sentada e deitada. Teve uma gravidez perfeita, de causar inveja a muita mulher. Claudia conta que no hospital Sarah Kubitschek, recebeu várias aulas, inclusive de orientação sexual, em que os médicos acenavam a possibilidade de uma mulher tetraplégica ter filhos, mas claro, com menos probabilidades. “Mas sempre tive a esperança de que eu conseguiria. Decidimos ter um filho e parei de tomar anticoncepcionais. Fiz os exames necessár
ios e quatro meses depois estava grávida. Muitos tinham receio que o bebê nasceria com algum problema, mas eu não. Até tive um pouco de receio de que poderia perdê-lo nos primeiros meses, mas depois sempre pensei positivo que tudo daria certo”, contou emocionada. Quando teve a confirmação através de exame laboratorial, veio a emoção. “Quase não acreditei. Me senti mais viva do que nunca. Mas na primeira ecografia é que literalmente caiu a ficha. Vi que ele estava ali, crescendo dentro de mim”, disse.
A partir daí foram suspensas as seções de fisioterapia e o objetivo de Claudia foi só um: cuidar da gravidez, fazendo todo o acompanhamento necessário. A cesárea, marcada para 30 de abril precisou ser antecipada para o dia 24, já que Vitor Davi decidiu vir ao mundo mais cedo. “Até queria parto normal, mas seria muito arriscado, porque não sabíamos até aonde a lesão tinha afetado a musculatura que ajuda a expulsar o bebê. Marcamos para o final do mês, mas a bolsa rompeu antes”, explicou.
Ela chegou a sentir as dores do parto e algumas contrações e dilatação, mas não tão intensas. A cesárea foi feita sem nenhuma complicação e o menino nasceu pesando dois quilos e setecentos e dez gramas, com 46 centímetros de comprimento. Na região, é o primeiro caso de uma mulher tetraplégica que consegue dar a luz a uma criança. “Me sinto realizada demais. Acho que só quem é mãe sabe como isso é maravilhoso. E para mim então, que parecia ser impossível, isso é bom demais. Eu sempre sabia que iria dar tudo certo. Tive muita esperança”.
Com Vitor Davi próximo de seus braços, ela o amamenta e acaricia. Emocionado, o pai Ernani Dreher esbanja sorrisos. “Ele ficou mais louco de alegria do que eu. O resultado do exame ficaria pronto às 16 horas e às 16 horas e 05 minutos ele já me ligou. Acho que ele estava esperando no laboratório”, contou Claudia, sorrindo.
Atualmente, só o pai ajuda a cuidar do bebê. Claudia não tem direito a auxílio maternidade, por ser aposentada, já que o INSS não concede dois benefícios a uma pessoa. “Se o Ernani sair para trabalhar temos que pagar alguém para cuidar de nós dois e isso não compensa. Ele precisa ajudar além do bebê a mim também. Uma mulher talvez não conseguiria me cuidar, porque precisa de força para tirar e colocar na cama. Mas possivelmente no próximo mês vamos ter que arrumar alguém, para que ele possa voltar a trabalhar”, relatou.
Para ajudar os pais, Vitor Davi é um bebê extremamente calmo e dorme muito bem, não exigindo muito de Ernani. “Trocar fralda, pegar no colo, tirar do berço, são coisas simples, mas que eu não consigo fazer”, comenta Claudia. Emocionada, ela diz que Ernai é mais quem um marido e sim um anjo. Apesar de Vitor ser calmo, o pai coruja diz que se precisar levantar 20 vezes durante a noite, ele fará com gosto. “A sensação de ver ele pela primeira vez é única. Escutar o choro dele é inexplicável. É sem dúvidas algo maravilhoso e não me importo com todas as tarefas que tenho que fazer. Sempre digo que tenho dois bebês em casa que precisam de mim. Cuido da Claudia e do bebê. É um esforço que vale a pena. A Claudia amamenta, o resto eu faço tudo com amor”, disse ele.
E as aspirações de Claudia não param por aí. De momento, Vitor é sua prioridade, só que mais tarde, ela quer continuar as fisioterapias e tratamentos para tentar voltar a andar. Ela chegou a questionar a possibilidade de recolher as células tronco do cordão umbilical da criança, mas uma médica disse que isso só vem sendo usado para curar a própria criança de uma doença rara. “Não serve para curar uma lesão medular como a minha. Mas quero tentar um tratamento existente na Bahia, que tem dado bons resultados. Agora a prioridade é meu filho”, concluiu.
Enquanto isso, o casal curte a nova experiência, reforçando ainda mais os laços familiares formado entre pai, mãe e filho.