É assim que o Sérgio Lopes, na sua página no facebook inicia o relato de mais uma discriminação das que todos nós sofremos habitualmente. Desta vez, não a aceitou e disse BASTA. Obrigado pela coragem. Assim deveríamos todos nós agir. Se o fizéssemos de certeza que pensariam duas vezes antes de nos ignorar como cidadãos com direitos e deveres como os demais.
Saí do Terreiro do Paço e dirigi-me à Praça do Martim Moniz, para a paragem onde passaria o 208, que garante o serviço noturno, de hora em hora. Começou a espera de 50 minutos.
O autocarro chegou às 2h40 e a rampa estava avariada. A temperatura era de cerca de nove graus e a primeira coisa que o motorista disse, pela janela, depois de ter tentado acionar umas seis vezes o dispositivo, foi “vai ter que esperar pelo próximo.” Este é o discurso habitual.
Um pouco antes do autocarro parar, enviei sms para saber dali a quanto tempo seria o próximo e tinha a informação de que seriam 112 minutos.
Eu não estava sozinho e a Carmen já estava à frente do autocarro, informando os passageiros de que se não fôssemos todos, não iria ninguém. Neste momento, o motorista foi tentar abrir a rampa em modo manual, mas não conseguiu. Perguntei-lhe qual a alternativa que a Carris me daria e ele insistiu que eu teria que “esperar pelo próximo”.
Os passageiros foram informados, por nós, do motivo do bloqueio, da descriminação que a Carris promove diariamente, do descaso com que são tratadas as pessoas com mobilidade reduzida. Um dos passageiros que mais apoiou a nossa decisão, chamou a PSP.
O motorista, sem alternativa, entra em contato com a central. Do outro lado oiço alguém (dizem eles que “é um chefe”): “_Então, se não funciona, o passageiro tem de esperar pelo próximo autocarro”. Com esta tranquilidade.
Carris – Espere pelo próximo! Esta deveria ser a frase assinatura da empresa.
Perguntei qual a garantia que me davam de que o próximo autocarro teria a rampa a funcionar. A resposta foi: “Esteja descansado que a central vai entrar em contacto com o colega e ele vai ver se a rampa funciona”. Conhecendo a Carris, e não de hoje, isto não é garantia nenhuma, mas sim um “fique a aguardar e depois logo se vê”. Been there! Seen that!
Não confio na Carris, muito menos numa madrugada com temperaturas abaixo dos 10 graus.
Entretanto, com autocarro impedido de avançar, tenho todo o tempo para descrever a situação aos agentes da PSP. Reforço que a situação é constante e, naquele contexto, tudo se torna ainda mais grave. Expliquei que tenho o mesmo direito que todos os passageiros a viajar naquele autocarro, que tenho passe, que a Carris incumpre a Lei 46/2006, que proíbe e pune a discriminação em razão da deficiência e da existência de risco agravado de saúde, e que a alternativa que a Carris me estava a dar era um autocarro mais de 1h30 depois, sem garantias de ter uma rampa funcional.
Os agentes identificaram-nos e depois foram conversar com o motorista para perceber como a Carris pretendia resolver a minha situação. O motorista, sem meios de se justificar pela empresa, passou-lhes mesmo o telemóvel para falarem diretamente com o “chefe” que exigia que a PSP identificasse as pessoas que não deixavam o autocarro seguir a viagem. Ficamos assim a saber que a Carris pensa que dá ordens à PSP.
O motorista continuava a tentar seguir viagem, mas connosco e alguns passageiros em frente ao autocarro, era impossível.
Pelo mesmo motorista chega então a informação de que a Carris já teria um autocarro a caminho, reservado, apenas para me deixar em casa. Ou seja, não efetuaria quaisquer paragens para tomada ou largada de passageiros. Seria uma forma de me “compensar pela situação”, disseram.
Logo que o autocarro “reservado” chegou, o motorista do primeiro queria ir embora, os agentes tentaram dissuadir-nos, mas, mais uma vez, por falta de confiança na Carris, foi impedido de ir até que a rampa fosse testada. A rampa estava… avariada, caros amigos.
O segundo motorista, visivelmente incomodado, garantiu que testara a rampa à frente do chefe e “estava boa.”
O primeiro motorista continuava a ligação com o “chefe” da Carris. Apercebo-me que todos os passageiros estavam a sair do primeiro autocarro, por ordem da empresa, e que o tal autocarro “reservado”, iria continuar a carreira do primeiro.
Parece-me claro que o “chefe” queria tentar libertar um autocarro, mas não aconteceu. E doravante não mais acontecerá. Ficaremos todos retidos: nós, os passageiros, os motoristas e os carros que forem enviados. Interpreto, este momento, a esta distância, como prova do foco errado da Carris, em relação ao que ali estava a ocorrer.
O motorista do segundo autocarro, sentindo-se inseguro, porque, por esta altura, os primeiros ânimos começavam a exaltar-se entre alguns passageiros, pergunta aos agentes da PSP o que deveria fazer e se seria seguro fazer aquela viagem.
Entretanto, a rampa deste último conseguiu ser aberta manualmente e entrei.
Os polícias, mais uma vez, pelo telefone, questionam o chefe da Carris acerca da situação. O “chefe” foi perentório – o primeiro autocarro seguiria fora de serviço e o segundo seguiria com toooodos os passageiros que se juntaram ali ao longo de mais de uma hora. E não éramos poucos. A resposta do senhor agente àquela decisão da Carris foi “vocês é que sabem a imagem que querem dar da empresa”.
Aqui parece tudo resolvido, mas acreditem que vem a pior parte. Já comigo dentro do autocarro, entram os restantes passageiros e nem todos estavam “do meu lado”. Tive que ouvir “só tinha era que esperar por um que viesse a funcionar”, “eu também tenho problemas e sofro com frio”, etc.
O meu relato já vai longo e faltam imensos detalhes, mas não queria terminar sem algumas observações.
Isto é obviamente uma prática discriminatória da Carris mas não se circunscreve a esta empresa. STCP, Rodoviária, Vimeca, Metro de Lisboa, etc., contribuem diariamente para uma situação insustentável. Uma situação que não deixa prever nada de bom, porque não há legislação compulsória e punitiva.
Não somos cidadãos de segunda. Não deixarei que me tratem como se fosse.
Não sou o primeiro a fazer este tipo de ação, mas não podemos deixar que situações como esta se repitam, a cada hora, sem fazermos nada.
Agradeço ao grupo de passageiros que se juntou a mim. Agradeço aos agentes da PSP que, desde o início, disserem que não nos iam deter pela validade da nossa posição ali.
NA ALTURA, ESTAVA ACOMPANHADO PELA NOSSA QUERIDA
Carmen Sofia Figueira que como sempre o faz, tomou também esta, como sua causa, e mostrou a sua indignação na sua página do facebook, com um video acompanhado do seguinte texto:
POSSO IR PRESA POR IMPEDIR A CIRCULAÇÃO DE UM TRANSPORTE PÚBLICO? POSSO. E VOU. FELIZ. SEMPRE PENSEI QUE HÁ EXCELENTES MOTIVOS PARA SER PRESO.
A CARRIS É UMA EMPRESA CRIMINOSA.
A CARRIS TEM AUTOCARROS A CIRCULAR COM RAMPAS AVARIADAS.
A CARRIS DESCRIMINA PESSOAS COM MOBILIDADE REDUZIDA.
A CARRIS ESTÁ ACIMA DA LEI? SIM, PORQUE NÃO É PUNIDA.
A CARRIS TERÁ OS SEUS AUTOCARROS BLOQUEADOS POR MIM SEMPRE QUE ESTA SITUAÇÃO ACONTECER.
Às 3h00 da madrugada, do dia 1 de janeiro de 2020, a carris coloca a circular, no centro de Lisboa, autocarros com a rampa - que permite o embarque de pessoas com mobilidade reduzida - avariada.
Temperatura abaixo dos 10 graus e esta empresa arroga-se o direito de deixar um passageiro em cadeira de rodas, por duas horas, na rua.
HOJE, CORREU MAL, MAS A TODOS.
"NÃO VAI UM PASSAGEIRO, NÃO VAI NINGUÉM!"
ao invés do célebre e encapotado:
"SE ANDAS DE CADEIRA DE RODAS, PROBLEMA TEU"
(Mais tarde, com paciência, e depois de termos descansado, conto como terminou - mais - esta situação.)
Obrigada aos passageiros que, incansavelmente, ficaram do lado certo, o lado do direito à cidadania, do mais elementar direito humano a não ser descriminado.
Obrigada aos agentes da PSP do Rato e aos motoristas dos autocarros envolvidos.
Um voto de pesar pelo "chefe" da Carris, que teve em mãos esta "ocorrência" e que, como habitualmente, mostrou ser (mais) um incapaz, inútil, inoperante, criminoso.
Ah! Bom Ano a todos e a todas.
Feliz 2020 para todos aqueles que partilharam, em 2019, o maravilhoso prémio de turismo, em matéria de acessibilidade. Agora podem partilhar também esta publicação.
ENTRETANTO A CARRIS MOSTROU MAIS UMA VEZ A SUA INCOMPETÊNCIA E DESRESPEITO. VEJAM A INFELIZ RESPOSTA
NA SUA PÁGINA DO FACEBOOK.
Na sequência do que tem vindo a ser comunicado referente a uma avaria da rampa de acesso a passageiros de mobilidade reduzida da carreira 208, na madrugada de dia 1 de janeiro, informamos:
A CARRIS tem como procedimento, nestes casos de avaria da rampa, mobilizar imediatamente outros meios para transportar os clientes em cadeira de rodas que assim o necessitem. Foi o que aconteceu na madrugada do passado dia 1, tendo sido enviada para o local outra viatura, que chegou 45 minutos após a comunicação da avaria. O maior tempo de espera na reposição do autocarro deveu-se ao facto de os meios disponíveis na rede de madrugada serem mais limitados. O funcionamento das rampas é testado com regularidade e tinha sido testado previamente.
A empresa é extremamente sensível a esta questão e tem investido no sentido de poder servir cada vez melhor os passageiros de mobilidade reduzida. Todos os novos autocarros foram adquiridos com instalação de rampa. Além disso a CARRIS disponibiliza um serviço especial a pedido, de transporte de mobilidade reduzida, em carrinhas mais pequenas, cuja frota será aumentada este primeiro semestre com mais duas viaturas.
A CARRIS, em 2019, transportou mensalmente uma média de 1570 pessoas em cadeira de rodas. Estas situações de avaria no local são pontuais.
Lamentamos a situação ocorrida e o constrangimento causado a todos os clientes. Estamos a estudar alternativas para, em períodos como este da rede da madrugada, podermos ter os meios disponíveis de uma forma mais célere.
A CARRIS está disponível para esclarecer qualquer questão através do seu Centro de Atendimento, por email (atendimento@carris.pt) ou por mensagem privada.
O ASSUNTO JÁ É NOTICIA NA IMPRENSA. ABAIXO ALGUNS EXEMPLOS:
- Jornal de Noticias:
Homem em cadeira de rodas impedido de andar em autocarro atravessou-se à frente do veículo