Durante a Gala anual de entrega de diplomas dos mestrados executivos da minha Escola, tivémos um momento inspirador para todos.
Não se tratou de uma notícia sobre ‘rankings' ou outra distinção mediática, mas um testemunho na primeira pessoa que encarna valores que tanto procuramos disseminar, os de que o esforço, a motivação e o talento podem quebrar barreiras aparentemente intransponíveis. Ouvimos o Miguel Monteiro contar a sua história.
Em 1998 era um bom aluno da licenciatura em gestão do ISCTE quando um trágico acidente na praia o tornou tetraplégico sem qualquer mobilidade. Na sequência do acidente, uma operação que correu mal tirou-lhe também a visão e a dependência que durante algum tempo teve da máquina de ventilação toldou-lhe a voz.
Anos mais tarde, com a saúde mais estabilizada, o Miguel começou a dizer aos pais que queria terminar a sua licenciatura que, entretanto, com a introdução do novo plano de estudos de Bolonha, lhe ficaria a faltar uma cadeira, a de Fiscalidade. Os pais interrogaram-se quanto à utilidade do esforço e sobretudo quanto à amplitude do mesmo, fazer a cadeira sem poder escrever ou ver. Os pedidos do Miguel subiram de tom e insistência e os pais lá acabaram por o ir matricular e depois levá-lo às aulas.
Ao Miguel, custou-lhe no início o regresso à Escola, o confronto das suas limitações com a vida dos demais colegas. Citando-o, recusou-se a desistir antes de sequer tentar. Entre os pais, irmão e amigos montou um esquema de estudo assente na intensa repetição oral, esticando a memória a novos limites, absorvendo lenta mas seguramente as matérias ensinadas. Passou a visualizar mentalmente declarações de impostos, correcções à matéria colectável, casos especiais, ao mesmo tempo que repetição após repetição de leituras que lhe iam fazendo, com pausas para reflexão, começava também a navegar agilmente na legislação fiscal.
No final semestre o seu docente de fiscalidade, Paulo Dias, espantado com a fluidez de conhecimento e capacidade ia a cada aula notando no Miguel, quis que a nota a atribuir não fosse emotivamente enviesada, pelo que o exame, necessariamente oral, foi feito por todos os docentes da cadeira.
O Miguel obteve 18 valores e terminou, aos 34 anos, a sua licenciatura.
Nas suas palavras, se o mundo dá muitas voltas, ele tratou de aprender a girar. Encontrou um foco e redescobriu uma motivação, canalizando a sua energia e vontade para aquele objectivo. Ainda nas suas palavras, o acidente levara-lhe demasiadas coisas boas e ele não estava na disposição que lhe levasse mais nada. Mudou e adaptou-se. O Miguel, concluiu no fim, dizendo que tinha encontrado um caminho, o de transmitir a quem o queira ouvir, o que aprendeu e descobriu sobre mudança e motivação.
No final da sua intervenção, a sentida ovação de pé que o milhar de pessoas presente na sala lhe fez era, creio eu, uma forma simples e reconhecida de lhe agradecer, mais do que uma lição de vida, um sinal sábio de que se relativizarmos as nossas dificuldades e perdas, teremos uma perspectiva mais positiva e combativa sobre o nosso futuro.
Fonte: Económico
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