Um indivíduo com faculdades mentais diminuídas pode praticar atos de que não tem consciência. E há quem se aproveite da situação. Por outro lado, em caso de dependência de álcool e drogas, os comportamentos de risco podem prejudicar o próprio e a família. Para preveni-los, é possível pedir junto do tribunal uma declaração de inabilitação ou, em casos mais graves, a interdição.
Interdição para casos graves
Perante uma anomalia psíquica, cegueira ou surdo-mudez, que impeçam o indivíduo de tomar decisões conscientes, é possível pedir a sua interdição junto do tribunal. Esta decisão pode ficar a cargo do cônjuge, do tutor ou curador, de um parente com direitos de sucessão, ou mesmo do Ministério Público, em caso de denúncia de vizinhos, amigos ou familiares. O interdito passa a ter um estatuto semelhante ao dos menores, e é nomeado um tutor com competência para tomar as decisões que lhe estão vedadas. Ou seja, os atos jurídicos realizados pelo doente, como vender um imóvel, são nulos.
O processo de interdição pode ser reversível. Se cessar a causa que levou à interdição, esta pode ser levantada a pedido do interdito ou de quem a requereu, por exemplo.
Por princípio, o juiz só determinará a interdição de pessoas com anomalia psíquica e incapacidade para tomar conta de si e dos seus bens. Por exemplo, confrontado com um pedido para alguém que não conseguia andar, ler, escrever ou fazer contas como antes, o Tribunal da Relação do Porto rejeitou-o, por não ter ficado provado que o seu discernimento se encontrava afetado.
Os tribunais tendem a considerar que só uma anomalia psíquica incapacitante, atual e permanente pode determinar a interdição de um cidadão. Em janeiro de 2003, o Tribunal da Relação de Guimarães interditou uma toxicodependente que apresentava sinais evidentes de diminuição das capacidades intelectuais, traços psicopáticos de personalidade e grande agressividade, que obrigaram a diversos internamentos em instituições psiquiátricas.
Ainda antes de decidir, o juiz pode nomear um tutor provisório para executar ações inadiáveis em nome da pessoa em causa. Também pode decretar a interdição provisória, caso haja urgência em protegê-la ou aos seus bens.
Sempre que possível, o tutor deverá ser o cônjuge, a menos que também seja incapaz, tenha havido separação de bens ou o casal esteja separado de facto. Se não houver cônjuge ou este não puder exercer a tutela, em princípio, a tarefa ficará a cargo dos filhos maiores, a começar no mais velho. No caso dos jovens interditos, a tutela é entregue aos pais. O tribunal só designará outro tutor se nenhuma das soluções anteriores for viável.
O cônjuge, os descendentes e os ascendentes do doente não podem recusar a tutela. Contudo, os descendentes podem pedir a sua substituição ao fim de 5 anos, se houver outros descendentes idóneos.
O tutor deve cuidar de tudo o que diz respeito à pessoa incapaz, em especial, da sua saúde, e permitir a recuperação mental e física. Em caso de necessidade, pode vender ou arrendar os seus bens, mas só com a autorização do tribunal. Este nomeará um conselho de família, do qual farão parte familiares do interdito (ou, eventualmente, amigos e vizinhos) e que terá a função de fiscalizar as ações do tutor.
Inabilitação para alguns atos
Quando a anomalia psíquica, embora permanente, não é tão grave que justifique a interdição, pode pedir-se a inabilitação do doente. O mesmo sucede face a situações de alcoolismo ou toxicodependência, por exemplo.
Em geral, a inabilitação aplica-se apenas a quem, podendo governar com autonomia diferentes aspetos da sua vida, se mostra incapaz de administrar adequadamente os bens. Em vez de ficar proibido de praticar todo e qualquer ato, o juiz dirá em que situações necessitará da assistência de um curador. A sentença deverá indicar os atos que podem ser praticados ou autorizados por ele. O curador pode ficar responsável por uma parte ou pela totalidade do património e deve prestar contas ao conselho de família, composto pelos parentes mais próximos. Se a questão for apresentada aos tribunais, o curador também pode ter de aí prestar contas. As funções do curador são mais reduzidas do que as do tutor: ajuda o inabilitado nas situações indicadas pelo tribunal, mas não é seu representante legal.
Quando a incapacidade é progressiva, o indivíduo pode ser declarado inabilitado numa fase inicial e, mais tarde, alargar os contornos da inabilitação ou até ficar interdito.
Sem provas não há argumentos
Para iniciar o processo em tribunal, deve fazer-se representar por um advogado. Para requerer a interdição ou inabilitação de alguém, é preciso justificar os factos que originam o pedido e indicar quem deve exercer a tutela ou curatela.
Se o juiz concordar, são afixados editais no tribunal e na junta de freguesia da residência do visado, bem como um anúncio num dos jornais da região com maior tiragem. A pessoa que se pretende interditar ou inabilitar tem 30 dias para contestar a ação. Caso não esteja em condições de o fazer, o juiz designará um tutor ou curador provisório (que não seja quem fez o pedido), para contestar a ação como seu representante.
No decorrer da ação, o visado é submetido a um exame pericial. O relatório do exame deve indicar com precisão de que sofre, a extensão e a data provável do início da incapacidade, bem como os tratamentos propostos. Caso os peritos não cheguem a uma conclusão, o doente é ouvido.
Quem tenha iniciado o processo também pode pedir exames numa clínica da especialidade, a expensas suas.
As interdições e inabilitações são registadas no registo civil, à semelhança dos nascimentos, casamentos ou divórcios. Se as capacidades do doente se alterarem, as limitações podem ser levantadas ou agravadas.
Acrescento: Muito perigoso...conheço dois casos de interdição em que os visados não tiveram oportunidade de escolher. Aceitaram o que familiares e tribunais lhe impuseram e ponto final. Se já eram dependentes, mais se tornaram.
Fonte: Jornal de Negócios
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