Comecei a jogar basquetebol em 1970. No início limitava-me a atirar a bola ao cesto, não para ganhar um qualquer campeonato, mas para fazer exercícios aos braços. Foi assim mesmo que comecei: a fazer exercícios aos braços. Entretanto, a ‘coisa’ foi evoluindo… Juntou-se um, juntaram-se dois, juntaram-se vários – e formámos uma equipa. Mas ninguém sabia nada de basquetebol.” E muito menos de basquetebol em cadeira de rodas.
António Botelho estava então no Centro de Reabilitação de Alcoitão, no Estoril. Ele e os outros, os que se lhe juntaram, tinham sido para lá empurrados pelas mais variadas doenças e acidentes. Muitos, como ele, tinham estado na Guerra Colonial. “Aos 19 ou 20 anos entrei nos paraquedistas operacionais da Força Aérea. Adorava aquela vida, aquela adrenalina, aquela farda azul clarinha e a boina verde…”, recorda, aos 73 anos, com um sorriso saudosista no rosto. “Acabei no Ultramar. Janeiro de 63, Angola. O nosso quartel era em Luanda, mas fazíamos incursões no mato a partir daí. Ficávamos sempre numa grande adrenalina à espera da próxima missão.”
Foram dois anos neste vaivém, para depois regressar à metrópole. Depois do acidente. Numa dessas incursões, o piloto do helicóptero onde ia foi atingido por um tiro e António, com medo que este se despenhasse, saltou de paraquedas. “Caí mal”, limita-se a dizer. Foi operado várias vezes, mas nunca recuperaria completamente da coluna e das pernas.
Assim foi parar a Alcoitão. Ele e outros, acompanhados por Ângelo Lucas, essa “grande besta”, como gosta de chamar ao amigo e treinador da equipa. “Ele também não percebia nada de basquetebol, era campeão de culturismo. Mas ficou a treinar a equipa... E sabe o que ele fazia? Dava 50 minutos de preparação física e dez minutos de basquete! Depois de uma preparação tão intensiva, quando íamos jogar parecia que voávamos nas cadeiras. Saíamos disparados da defesa, diretos ao cesto do adversário, e lançávamos a bola com tanta força que batia na tabela e voltava para o meio-campo.” A aprendizagem fazia-se então minuto a minuto, dentro dos limites do campo e até nos próprios jogos.
DA REABILITAÇÃO À COMPETIÇÃO
Antes do 25 de abril de 1974, o desporto para pessoas com deficiência em Portugal centrava-se apenas na terapia e reabilitação. Não existiam estruturas organizativas, nem um quadro competitivo específico. “Nessa altura, os deficientes viviam fechados. Em Alcoitão quase nos proibiam de sair à rua, não queriam mostrar as pessoas com deficiência.” Foi por isso que a surpresa foi grande quando surgiu “do nada” a oportunidade de Portugal se estrear nos Jogos Paralímpicos.
António esteve lá, a representar o seu país em Heiderlberg, na Alemanha (1972), e também no ano seguinte, nos Jogos Internacionais de Stoke Mandeville, em Inglaterra. “Aconteceu tudo tão rápido que nem sei bem como surgiu a oportunidade… Quando soubemos que íamos, não tínhamos cadeiras de competição, nem equipamentos, ainda jogávamos nas cadeiras de rodas normais, naquelas que serviam para transportar doentes em Alcoitão. Até que uma senhora, Pitta e Cunha, presidente do voluntariado do centro de reabilitação (uma grande senhora, pode escrever isso!) nos arranjou tudo o que precisávamos.” Esse foi talvez o momento mais marcante dos vários anos em que praticou basquetebol em cadeira de rodas: “Quando cheguei à Alemanha e a Inglaterra, se eu tinha alguns complexos perdi-os todos! Eram só pessoas com deficiências, tão diferentes umas das outras! Todos olhavam sem pudor uns para os outros, ninguém se importava com isso. Aprendi muito com aqueles”.
Desde essa altura já muito mudou no desporto adaptado. Houve um interregno na participação portuguesa nos Paralímpicos (até 1984), mas foram sendo criadas associações ligadas aos vários tipos de deficiências, intensificaram-se as participações nos campeonatos do Mundo, Europa e outras competições internacionais. E foi fundada a Federação Portuguesa de Desporto para Pessoas com Deficiência (FPDD), em 1988, e em 2008 o Comité Paralímpico Português (CPP).
Mas ainda há muitas mudanças por terminar. “A falta de apoios financeiros tem sido o maior desafio e dificuldade ao longo das décadas”, explica a investigadora da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto Ana Sousa. E esta torna-se uma realidade ainda mais complexa quando olhamos para os atletas que o praticam: maioritariamente homens, de idade avançada e muitos deles com graves dificuldades financeiras.
Olhando para os números, é possível ver que desde 2006 o financiamento público à FPDD tem vindo a diminuir – de €575.836 para €353.000 em 2014 –, uma tendência que antecede a diminuição da disponibilidade de financiamento público total. Ou seja, só a partir de 2009 é que o financiamento público disponível para todas as federações começou a diminuir, de quase 46 milhões para cerca de 30 milhões em 2014.
Antes do 25 de abril de 1974, o desporto para pessoas com deficiência em Portugal centrava-se apenas na terapia e reabilitação. Não existiam estruturas organizativas, nem um quadro competitivo específico. “Nessa altura, os deficientes viviam fechados. Em Alcoitão quase nos proibiam de sair à rua, não queriam mostrar as pessoas com deficiência.” Foi por isso que a surpresa foi grande quando surgiu “do nada” a oportunidade de Portugal se estrear nos Jogos Paralímpicos.
António esteve lá, a representar o seu país em Heiderlberg, na Alemanha (1972), e também no ano seguinte, nos Jogos Internacionais de Stoke Mandeville, em Inglaterra. “Aconteceu tudo tão rápido que nem sei bem como surgiu a oportunidade… Quando soubemos que íamos, não tínhamos cadeiras de competição, nem equipamentos, ainda jogávamos nas cadeiras de rodas normais, naquelas que serviam para transportar doentes em Alcoitão. Até que uma senhora, Pitta e Cunha, presidente do voluntariado do centro de reabilitação (uma grande senhora, pode escrever isso!) nos arranjou tudo o que precisávamos.” Esse foi talvez o momento mais marcante dos vários anos em que praticou basquetebol em cadeira de rodas: “Quando cheguei à Alemanha e a Inglaterra, se eu tinha alguns complexos perdi-os todos! Eram só pessoas com deficiências, tão diferentes umas das outras! Todos olhavam sem pudor uns para os outros, ninguém se importava com isso. Aprendi muito com aqueles”.
Desde essa altura já muito mudou no desporto adaptado. Houve um interregno na participação portuguesa nos Paralímpicos (até 1984), mas foram sendo criadas associações ligadas aos vários tipos de deficiências, intensificaram-se as participações nos campeonatos do Mundo, Europa e outras competições internacionais. E foi fundada a Federação Portuguesa de Desporto para Pessoas com Deficiência (FPDD), em 1988, e em 2008 o Comité Paralímpico Português (CPP).
Mas ainda há muitas mudanças por terminar. “A falta de apoios financeiros tem sido o maior desafio e dificuldade ao longo das décadas”, explica a investigadora da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto Ana Sousa. E esta torna-se uma realidade ainda mais complexa quando olhamos para os atletas que o praticam: maioritariamente homens, de idade avançada e muitos deles com graves dificuldades financeiras.
Olhando para os números, é possível ver que desde 2006 o financiamento público à FPDD tem vindo a diminuir – de €575.836 para €353.000 em 2014 –, uma tendência que antecede a diminuição da disponibilidade de financiamento público total. Ou seja, só a partir de 2009 é que o financiamento público disponível para todas as federações começou a diminuir, de quase 46 milhões para cerca de 30 milhões em 2014.
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