quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

“João Sobre Rodas” está a quebrar barreiras, um vídeo de cada vez

Chama-se João Batalha e apresenta-se como o primeiro youtuber português com paralisia cerebral. No canal “João Sobre Rodas”, com mais de 600 subscritores, o jovem partilha críticas sobre a acessibilidade de espaços — e comida.

A aventura começou a 21 de Outubro de 2017. João Batalha, de 29 anos, lançou o primeiro vídeo no YouTube — um pequeno prólogo do que viria a ser o “João Sobre Rodas”. Com conversas sobre as dificuldades que enfrenta no dia-a-dia, restaurantes que visitou ou propostas enviadas pelos mais de 600 subscritores, tudo é pretexto para criar mais um vídeo.

João nasceu com paralisia cerebral. O problema não afectou “nem os movimentos nem os sentidos, mas apenas o equilíbrio” e desde então tem-no acompanhado a cadeira de rodas. Segundo filho de uma família de três, que sempre tratou “todos de forma igual”, João diz que os pais sempre se guiaram por uma regra. “É para recompensar, é para recompensar; é para castigar, é para castigar: não existem distinções”, conta, a rir-se. “Na escola também fazia muitas asneiras, tal como toda a gente, e era posto de castigo muitas vezes.”

Foi no tempo passado na escola que João melhor se sentiu. Apesar de não esconder o desagrado por ter de estar com a cabeça nos livros, o agora youtuber conta que a escola era “extremamente bacana por permitir que tivesse uma vida social”. Não que não a tivesse fora dela — sempre gostou de falar com toda a gente —, mas era lá, onde todos o conheciam e conhecia todos, que se sentia bem. “Sempre fui uma pessoa muito extrovertida.”

“Nunca gostei muito do estudo, estudava porque diziam que era nele que estava o futuro e o trabalho”, conta. “E como queria ganhar dinheiro, queria acabar o estudo.” E assim o fez: João terminou o 12.º ano e seis meses depois, após uma paragem, voltou à escola. O curso técnico financiado pelo Estado, contudo, não o fazia feliz.

Passou então ao objectivo seguinte: entrar no mercado de trabalho. Numa primeira experiência, no apoio ao cliente de uma empresa de telecomunicações, apercebeu-se de que o ganho era pouco superior ao gasto em transportes e, por isso, decidiu sair. Posteriormente, mudou-se para o Centro de Atendimento Geral do IKEA, com uma melhor localização, mas após um ano e meio foi dispensado. O que se seguiu? Casa.  

Ficou a tomar conta do irmão mais novo, uma ajuda que diz ter sido fundamental para os pais. “Quando se fica em casa, no primeiro mês é giro, no segundo é engraçado, no terceiro já não presta.” E foi assim que surgiu a ideia do canal de YouTube.

“O João Sem Rodas é alguém sem filtro”
Incentivado pela família e por amigos, João lançou-se às câmaras. No primeiro vídeo, o nervosismo é evidente. Culpa da câmara? “Estamos sempre à frente de câmaras”, sejam elas de vigilância, dos telemóveis ou dos computadores. “Sabia muito bem qual a mensagem que queria passar e tinha decorado tudo”, assegura o youtuber. A verdade é que logo no primeiro dia obteve 80 visualizações — e isto foi incentivo suficiente para que João se atirasse para a corrida. “O João é uma pessoa e o João Sem Rodas é alguém sem filtro”, explica, mas “sem desrespeitar ninguém”.

Num dos vídeos mais recentes, por exemplo, João demonstra o quão difícil é percorrer as ruas (ou, melhor dizendo, os passeios) de Alfragide, onde vive. Para quem quer tomar café com os amigos, para pessoas com carrinhos de bebé ou para alguém com "um tipo de dificuldade diferente", João mostra que os passeios mais altos podem ser um desafio e um verdadeiro entrave. Outros vídeos seguem-se no repertório do jovem: para que serve (e o que é) o MB Way, em que situação se encontram os atletas paralímpicos de Portugal e, num registo mais descontraído, dedica-se a críticas gastronómicas.

Os “vídeos da moda, divertidos, onde há pessoas a fazer parvoíces” nunca cativaram o lisboeta e, por isso, quis tratar de temas mais sérios — não querendo isto dizer que aborde apenas os (seus) problemas. “[Inicialmente] o canal era mais virado para mim, mas agora é principalmente para as pessoas”, continua. “Quero que elas me digam sobre o que falar. Se eu não souber do que se trata, tento que alguém me explique para depois poder abordar o assunto num vídeo.” Todos os contributos são bem-vindos, sublinha.

Ainda assim, é também na Zomato que encontra algum espaço de expressão. João já conheceu a equipa da aplicação e uma parceria entre ambos poderá estar para breve. Além das críticas gastronómicas, o jovem partilha também críticas sobre a acessibilidade dos locais que visita, tendo isto um grande peso na avaliação final. Para já, contudo, João não vai parar de produzir vídeos. Até porque esta tem sido uma “viagem alucinante e gira”.

Fonte: Público

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