sábado, 25 de março de 2017

Autonomia dos deficientes ainda por garantir

No dia em que Parlamento debate e vota um dos maiores pacotes de propostas na área da deficiência, termina o período da consulta pública dos dois projetos do governo: a Prestação Social para a Inclusão e o Modelo de Apoio à Vida Independente em Portugal - Assistência Pessoal. Propostas positivas, diz a Associação Portuguesa de deficientes, que deixa criticas ao modelo de vida independente que é limitador e não aposta na desinstitucionalização. Opiniões partilhadas pelo BE e o sociólogo Fernando Fontes, que fez um retrato da deficiência em Portugal.


"Este modelo tem muitos constrangimentos. Um deles é o pagamento não ser feito diretamente à pessoa com deficiência e de o contrato não ser feito diretamente entre beneficiário e prestador, mas sim através de centros de apoio criados para o efeito e que irão criar uma bolsa de assistentes a quem darão formação. O limite de 40 horas semanais de assistência pessoal é insuficiente. Os casos em que este modelo fará mais diferença são os mais dependentes, que precisam de apoio 24 horas", diz e acrescenta: "Não está contemplada a desinstitucionalização. Não podemos correr o risco do modelo de vida independente ser confundido com um modelo de apoio domiciliário", diz Ana Luísa Sesudo, presidente da Associação Portuguesa de Deficientes. Sobre a proposta da prestação social de inclusão diz que "um aumento de 200 euros [valores de apoios atuais] para 260 euros é positivo, mas continuamos a considerar que é insuficiente".

O BE tem promovido debates sobre a propostas de vida independente do governo. "A filosofia da vida independente é luta pela emancipação e pelo direito a ter direitos. Este modelo não corresponde a essa necessidade", aponta o deputado Jorge Falcato, dando o exemplo do atestado de incapacidade de 60% como critério de elegibilidade dos beneficiários, que deixa de fora quem precisa de assistente mas não tem esta taxa. Também as horas de apoio são uma limitação.

"É perpetuação do Estado delegar nas famílias a responsabilidade. Depois das oito horas de apoio diário, a pessoa não deixa de ser deficiente. Teria de pagar um assistente pessoal, o que para nós é inaceitável. Saudamos a intenção de instaurar a vida independente, mas não podemos aceitar que nasça torta", diz, referindo que "nunca se falou tanto no Parlamento de deficiência como agora. Mas falta discutir a sério uma estratégia. É o momento de começar o debate".

Até às 14 horas de ontem, refere o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS), as duas propostas tinham recebido 312 contributos. A mesma fonte lembra que as propostas ainda estão consulta pública, prazo que foi alargado e que termina hoje às 23.59 e que também hoje realizam-se mais duas sessões para esclarecimento, no Porto e em Coimbra. Quanto à questão do pagamento ser feito aos centros de apoio, explica que deriva do facto de o financiamento ser feito através de fundos comunitários (15 milhões de euros).

Fernando Fontes, sociólogo que fez um retrato sobre a vida das pessoas com deficiência, refere que este "é um momento histórico com novas políticas para a deficiência", mas "há questões que devem ser limadas". "Os centros de apoio continuam muito centrados nos cuidados e não na autonomia, o pagamento devia ser feito diretamente à pessoa e há pessoas que precisam de apoio 24 horas. São projetos-piloto e deviam ser deixados em aberto para perceber as necessidades reais", diz, salientando a forma positiva como promove a pessoa com deficiência tornar-se ativa. "A taxa de desemprego é muito superior às restantes pessoas. A grande dificuldade tem a ver com o preconceito face à deficiência, a ideia que a pessoa não é capaz de desenvolver uma atividade."

Segundo o MTSSS, em 2016 92 mil beneficiários recebiam bonificação por deficiência, 13 mil subsidio mensal vitalício, 238 mil pensões de invalidez. Segundo o Eurostat (dados de 2011), a taxa de emprego emprego das pessoas com deficiência era de 44% quando na população geral era de 70%. Ainda sim, melhor que a média europeia.

Hoje o Parlamento debate e vota 31 propostas para a área da deficiência, apresentadas pelo do CDS (que tem 19), PCP, BE, Verdes e PAN e que vão desde a mobilidade, educação, aos apoios sociais e formação. "Há umas para resolução de problemas concretos, de maior simplicidade, como o documento único de certificação de deficiência, e depois propostas da maior importância como a vida independente, com um projeto de resolução para a definição de critérios para o assistente pessoal, e capacitação profissional, como a formação. Há um terceiro vetor que tem a ver com o futuro das pessoas com deficiência, para que haja uma alteração para que as famílias gastarem parte da herança a favorecer a pessoa nesta situação", diz o deputado Filipe Anacoreta Correia.

Propostas

Licença Parental: Existem três projetos de lei (CDS, BE e PCP) que propõem o alargamento da licença de parentalidade no caso do nascimento de um bebé com deficiência ou doença rara e ainda em situações de prematuridade. O CDS aumenta a licença em 8 semanas, período que tanto pode ser gozado pelo pai como pela mãe. No caso do BE majora a licença em 60 dias e aumenta o período de direito de redução de horário de trabalho até a criança ter três anos

Língua gestual: O PAN apresenta um projeto-resolução para a criação de uma bolsa de intérpretes de língua gestual a quem os serviços com atendimentos ao público possam recorrer para que as pessoas com deficiência auditiva possam ter atendidas nos serviços no imediato em vez de terem de esperar semanas por uma marcação. Salienta a importância de ter um intérprete disponível nos serviços de saúde 24 horas, sobretudo nas urgências

Scooters: Verdes querem que o governo crie uma classificação das scooters de mobilidade, segundo características e dimensões, para que sejam permitidas nos vários transportes públicos e que as barreiras de acesso aos transportes sejam eliminadas

Escola inclusiva: BE e CDS tem projetos-resolução onde pedem ao governo que estabeleça e diferencie medidas educativas temporárias para responder a necessidades especiais transitórias, que garanta a certificação pedagógica do percurso escolar realizado pelas crianças, que haja um reforço em número e variedade de técnicos, que haja um maior envolvimento do SNS na identificação da necessidade de apoio terapêutico

Documento único: CDS recomenda que seja criado um documento único comprovativo do grau de incapacidade e deficiência que seja aceite em todos os serviços públicos

Intervenção precoce: CDS pede que o sistema nacional de intervenção precoce na infância seja alargado até aos 10 anos. PCP pede que sejam tomadas medidas para a contratação dos meios necessários.

Fonte: DN

Sem comentários:

Enviar um comentário