domingo, 6 de agosto de 2017

Os loucos

Os loucos, não os quero ver. Não tenho nada a ver com eles. Ponham-nos num mundo á parte, para que não nos venham chatear, com médicos se quiserem mas só para eles, um mundo fechado, bem murado, bem hermético, um OUTRO MUNDO.

Que a gente os possa esquecer. É exatamente o que pretende fazer o asilo, é a esse desejo que ele responde: constituir um outro mundo estanque aonde a loucura fique isolada.
Livro
No exterior, no mundo normal, apenas razão, apenas bom senso. No asilo, nada de sensato. O asilo purga, decanta, purifica, recolhe entre os seus muros toda a loucura do mundo. As grades do asilo separam, demarcam: lá fora o normal, no interior o patalógico.

Hoje já se suspeita que uma distinção tão marcada deve ter por vezes alguma coisa de abusivo, que nem tudo é assim tão certo nas pessoas "do exterior", e que os que estão "dentro" talvez nem sempre sejam completamente malucos, que talvez haja, como dizem os americanos, que não se preocupam tanto com os conceitos, "partes sãs na sua personalidade.

É provável que essa dúvida sempre tenha existido, mas o homem tem necessidade de certezas, sentimo-nos melhor quando as coisas são nítidas. Por isso o sistema asilar não regateou despesas, e a psiquiatria entregou-se entusiasmada á tarefa de fabricar sintomas e de provar que se um tipo está internado é porque realmente não regula bem. (...)

Pensar que o hospital psiquiátrico é feito para tratar é o maior dos logros: isso é a fachada, a montra, a razão social. Na realidade, o hospital psiquiátrico é feito para desembaraçar as pessoas de um certo número de problemas chatos, que não vale a pena tentar resolver ou que a sociedade não está organizado para resolver.

Por exemplo os velhos. Toda a gente sabe o que se deveria fazer por eles: adaptar a vida social de forma a que eles possam conservar o seu lugar, um lugar verdadeiro, com o direito á palavra é o de continuarem a fazer a sua vida como entenderem.

Mas parece que isso é extremamente difícil de conseguir, os meios não existem e além disso os velhos ficam caros e não rendem nada, sem contar que cheiram mal, que escarram é que são difíceis de aturar. Por isso continua-se a amontoá-los e lares, a manipulá-los como coisas, e a dizer-lhes aguenta velhote, já te ouvimos que chegue, cada um tem a sua vez de falar.

Em livro "Os Muros do Asilo" de Roger Gentis - Oferta do querido amigo Miguel Ribeiro

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