Este início de abril – e até começou no Dia dos Enganos! – tem sido prolixo em notícias e decisões sobre o quanto uma considerável parte dos portugueses vão poupar nos transportes públicos. Mas é uma parte, urbana. E é uma parte que, lamentavelmente, mais uma vez esquece os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Passada uma década sobre a data em que o Estado Português ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), instrumento legalmente vinculativo no ordenamento jurídico nacional e compromisso assumido por Portugal, perante os seus cidadãos e perante a comunidade internacional, muito – ou cada vez mais! – está por fazer.
A mudança de paradigma que a CDPD deveria promover não passa “só” por estabelecer diretrizes no plano jurídico ou formal, mas também deveria implementar as necessárias transformações a nível da sociedade. No recente Despacho n.º 1234-A/2019 (sobre o Programa de apoio à redução tarifária nos transportes públicos), uma vez mais há “partes” desta nossa sociedade que ficam esquecidas.
Foi assumido em 2016, em Marraquexe, o objetivo de atingir a neutralidade carbónica até ao final da primeira metade deste século como sinal do seu compromisso e empenho no cumprimento do Acordo de Paris. Este compromisso implicará uma alteração dos padrões de mobilidade da população e, para o atingir, ficou recentemente decidido incentivar o uso dos transportes públicos. Acredito que por isso, e não por questões eleitoralistas, foi lançado em 2019 o Programa de Apoio à Redução Tarifária (PART).
A referida medida concretiza-se num apoio financeiro às autoridades de transportes das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e das 21 comunidades intermunicipais (CIM). Acontece que o PART exclui as pessoas com mobilidade reduzida – nomeadamente as pessoas com deficiência –, uma vez que não contempla, no referido Despacho, nenhuma referência à obrigatoriedade de acessibilidades nos transportes contratualizados.
Em que ponto ficamos? A medida é genérica ou, novamente, volta a ser uma decisão parcial, discriminatória e que “empurra” as pessoas com mobilidade reduzida para um patamar de insignificância?
O referido Despacho indica, no ponto 3, a solução de cálculo para a “distribuição do valor previsto pelas áreas metropolitanas e pelas comunidades intermunicipais”, remetendo para uma tabela (em anexo ao documento) e que tem em consideração o volume de pessoas que utiliza transportes públicos, ponderado pelo tempo médio de deslocação, de acordo com os dados apurados nos Censos 2011. Mas o critério distributivo baseado nos dados dos Censos 2011 é falacioso, uma vez que as questões destes Censos relativamente às pessoas com deficiência desvirtuam a realidade.
Recorde-se que o Instituto Nacional de Estatística (INE) tinha decidido retirar as questões relacionadas com as pessoas com deficiência nos Censos 2021. Só no decorrer da Consulta Pública sobre os Censos que se vão realizar, e não fosse o movimento associativo da área da deficiência a contestar energicamente tal decisão do INE, os Censos 2021 iriam traduzir um errado e total desconhecimento da realidade das pessoas com deficiência.
Mas uma decisão como esta, de início de abril, é uma medida estruturante e que traz um grande impacto na vida das pessoas. Mas será, como já referi, um impacto parcial – pois uma grande maioria das pessoas com deficiência não utiliza os transportes públicos porque os mesmos não são acessíveis!
Por isso se insta o Instituto Nacional de Estatística a respeitar o Estado Português (que ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência). E, portanto, que contemple nos Censos 2021 todas as questões relacionadas com esta Convenção.
Só assim, no futuro, a implementação de medidas estruturantes (como esta, dos custos dos transportes públicos) venham a contemplar todos. Caso contrário, no futuro, acontecerá o que aconteceu neste mês de abril... Recordo o que define o Despacho n.º 1234-A/2019:
1) Apoia-se a redução tarifária transversalmente a todos os utentes. – Todos, exceto as pessoas com mobilidade reduzida!
2) Apoia-se a redução tarifária ou a gratuitidade para grupos alvo específicos. – Exceto das pessoas com mobilidade reduzida!
3) Apoia-se a criação de “passes-família”. – Exceto as famílias das pessoas com mobilidade reduzida!
4) Apoiam-se as alterações tarifárias decorrentes do redesenho das redes de transporte e da alteração de sistemas tarifários. – Imagine-se... Exceto das pessoas com mobilidade reduzida!
Reclamam-se medidas adicionais que compensem as pessoas com mobilidade reduzida que não sejam abrangidas pelo PART devido à falta de acessibilidade nos transportes contratualizados. Ou seja, apoio financeiro para deslocações das pessoas com mobilidade reduzida, suportando o Estado o remanescente do custo do passe abrangidas pelo PART.
Só assim se poderá constatar que esta medida é universal e contempla todas/os as/os Portugueses. E, se assim for, será uma oportunidade para Portugal demonstrar à Europa e ao Mundo uma efetiva medida de inovação da inclusão. Caso contrário, e quem sabe se uma vez mais... será uma oportunidade perdida.
Por Abilio Cunha - Presidente da Direcção da Federação das Associações Portuguesas de Paralisia Cerebral.
Fonte: Público
Aprovam as leis mas esquecem-se sempre dos mesmos.
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