domingo, 12 de outubro de 2014

2ª parte: 180 km em cadeira de rodas pelo direito a uma Vida Independente

Dias atrás contei-vos como foi o primeiro dia da minha viagem, desta vez irei fazer-vos um resumo do que aconteceu no segundo dia, no trajeto entre Almeirim e Alverca do Ribatejo.
A noite passada no átrio do edifício da CM em Almeirim, não deu para descansar o suficiente. Após uma higiene “à gato”, seguimos na companhia da Gracinda e Cláudia Constantino durante uns quarteirões, e lá fomos diretos a Benfica do Ribatejo que praticamente não deu pela nossa passagem. Neste segundo dia também se juntou a nós (eu, Cristina e Sr João) o Manuel Feijão no quadriciclo Canta.
Após Almeirim saído do nada surge uma senhora a incentivar-me e a correr ao meu lado. Soube muito bem a sua companhia durante uns metros. As surpresas continuam. Mais á frente uma grande emoção, vejo à beira da estrada o João Ramalho, uma pessoa que admiro, marido de uma pessoa muito especial para mim, e a passar por momentos muito difíceis, e de quem tenho muitas saudades. Foi a segunda vez durante o inicio da viagem em Concavada que parei. Aquele abraço trocado foi muito reconfortante.
Até ali ouvia esporadicamente buzinas dos veículos que se cruzavam connosco a tocar e gritos de incentivo, mas de repente começo também a ouvir com frequência a frase. “Força Eduardo Jorge!”. Foi muito estranho e surpreendente. Pensava para comigo, mas como sabem o meu nome? Ainda estou para o saber, mas que soube muito bem, soube. A juntar ao apoio dos condutores que se iam cruzando connosco, existiam também algumas pessoas paradas junto aos seus veículos a baterem palmas e tirar fotografias, mas se mesmo assim surgisse a solidão lá vinha a incansável Cristina Fernandes começar a cantar ao megafone o “alecrim aos molhos” e por aí fora. Eu acompanhava-a com gestos da cabeça. Era uma animação. Quando já não aguentava mais, levantava o braço esquerdo, encostava a cadeira á berma da estrada e segundos depois lá estava literalmente em cima de mim a Cristina a abraçar-me, beijar-me e preocupadíssima a perguntar se estava bem, o que queria, se era uma barrita de chocolate, água, despejar-me a bexiga…etc. E Sr João, nosso motorista, menos interventivo, mas a cobrir-me com seu olhar meigo e ternurento.
Um desses momentos foi à entrada de Muge. O braço que comandava o joystick da cadeira de rodas mais uma vez estava esgotado, ouvidos doíam sem parar, bexiga idem…mas todo esse desgaste é amenizado porque do nada surge outro banho de amor e solidariedade. Aparece a Fátima Henriques Figueiredo e marido com uma bela sopa para o almoço, uma senhora que nos tinha visto no noticiário da SIC a disponibilizar-nos a sua casa em Benavente para descansarmos, mais alguns carros que pararam e pessoas fizeram questão de me cumprimentar, e também carro de reportagem do CM para me realizar uma entrevista em direto. Antes de voltarmos à estrada combinou-se que desta vez o piquenique/almoço seria em Porto Alto.

Em Benavente foi maravilhoso ver a Mónica Silva, uma amiga tetraplégica que não via há uns anos, como a troca de um abraço ou beijo entre tetras dá uma grande trabalheira, optei por cumprimenta-la através de uns carinhos na sua pernoca sem sensibilidade, mas aquele gesto, tenho a certeza que o sentiu. Em Marinhais/Salvaterra de Magos juntam-se a mim duas moças que faltaram ao trabalho para me acompanharem. Fizeram-no durante vários quilómetros. Iam-se revezando. E uma delas fez o favor de agravar a sua tendinite. Foram momentos muito especiais. Dois seres humanos movidos por causas. Quero muito voltar a vê-las.
Em Porto Alto paragem à beira da estrada para almoço/piquenique. Souberam muito bem as pizzas que sobraram do jantar em Almeirim, a sopa da Fátima e Davide reservou-se para o jantar. Já na saída surge uma amiga a correr ao meu lado com o carrinho da sua filha Carolina recém nascida, graças à paragem obrigatória junto aos agentes policiais que nos aguardavam para apoiar, foi possível conhecê-la. Desde a Chamusca que não tínhamos o apoio da polícia. Mas a sua simpatia e disponibilidade recompensou a ausência dos colegas. Até aquele momento praticamente não existiu interação entre mim e polícias de trânsito, eles limitavam-se a cumprir o seu serviço e eu o meu objetivo, mas com estes agentes tudo mudou. Foi como se mais alguém se juntasse à causa.
Na entrada para a reta do cabo junta-se a mim o Vitor Martins na sua cadeira de rodas. Penso para comigo, “estou em casa”. É muito bom sentir o apoio dos ditos normais, mas dos “coxos” como eu, ainda sabe melhor. Mas por mais que tentássemos ludibriar a Cristina, pondo-nos na cavaqueira, lá surgia ela com megafone em punho, “meninos é muito perigoso”, a pôr-nos literalmente em linha. Mal entro na reta, cadeira de rodas esgotou suas forças e foi complicado trocar de cadeira num lugar tão movimentado, mas o trânsito foi muito bem controlado pelo agentes e tudo correu bem. Lá seguimos, mas estava a ver que nunca mais chegava à ponte de Vila Franca de Xira. Que grande reta…é caso para dizer que valeu a pena esperar. As paisagens vislumbradas a partir da ponte são fantásticas.
Em Vila Franca de Xira, lá estava a Mithós em peso. Vi-os ao longe e comovi-me mais uma vez. Agradeço-lhes de coração aquela calorosa receção. Eram muitos e bons. Seguimos juntos até à porta da CM onde tínhamos a aguardar-nos o seu executivo. Tudo a correr tão bem, até que lá nos aparece uns bons metros daquele piso irregular que de tanta trepidação quase nos saltam as vísceras pela boca. Mas na companhia de tanta gente boa, até se fez bem. Gente boa que nos fez questão de acompanhar até Alverca, onde fomos recebidos maravilhosamente. Como tudo se passou contarei na última crónica sobre a viagem. Até lá.

Continua...
Eduardo Jorge


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