O treino, por enquanto, ainda mantém os miúdos longe da pista de atletismo. Nem dentro do estádio estão. Numa manhã fria, com sol escondido atrás de nuvens cerradas, estão sete crianças num mini-circuito de escadas, pontes e redes, suportado por árvores, no meio do Parque de Jogos 1.º de Maio, em Lisboa. Correm, saltam, falam, riem-se e, sobretudo, sorriem. Mas, ali mesmo ao lado, em pé, há quem sorria mais e faça questão de estar bem perto dos exercícios que os mais novos vão executando. Jorge Pina não o consegue evitar.
Porque a felicidade das crianças que ali estão, garante, é também a sua. “As reações são sempre boas. Noto uma felicidade enorme, talvez porque não estavam habituados a fazerem estas atividades fora da escola”, diz o atleta paralímpico, invisual, já depois de o treino passar para a pista de tartã à qual, para fechar a sessão, os miúdos dão umas voltas em corrida.
No dia em que Observador vai espreitar e assistir a um treino só lá estão sete. Mas nesta escola de atletismo adaptado — a primeira no país dirigida a crianças com deficiência, que foi esta quinta-feira oficialmente inaugurada –, estão inscritas “já perto de 170”. Chegar às duas centenas é o objetivo até ao final do ano.
Mas há outros, e mais importantes, explica Jorge Pina, de 39 anos. “Aqui têm uma oportunidade de experimentarem algo que, se calhar, nunca tinham experimentado. Há muito poucos jovens portadores de deficiência a praticarem atletismo”, lamenta, sem abrandar para apontar que, além do desporto, a escola também os quer ver a “crescer como pessoas” e a “descobrirem-se mais a eles próprios”. Tudo com a ajuda de três treinadores da Associação Jorge Pina.
A competição acabará por aparecer, sublinha, embora as medalhas e os troféus não estejam no topo da escada das prioridades. “Queremos dar-lhes formação para serem campeões na vida e em casa. Se conseguirmos formar atletas olímpicos e paralímpicos também é bom, mas primeiro temos de formar aqui homens para, lá fora, poderem ser campeões”, defende, sem hesitar por um segundo. Foi esta convicção, e “sonho”, que deixou vincada numa reunião com a Rexona, na qual convenceu os responsáveis da marca a juntarem-se ao antigo pugilista e, hoje, maratonista invisual.
Deste “casamento”, como Jorge lhe chama, e que já existia, nasceu a escola em maio de 2014. “A ideia foi do Jorge, não nossa. Nós sempre nos revimos completamente no projeto”, garante Francisco Leitão de Sousa, da Rexona, ao revelar que, por ano, a escola representa um investimento a rondar os 100 mil euros, suportados na totalidade pela empresa. “Vamos chegar a um ponto em que nos vão faltar mais pólos. Só estamos neste momento em Lisboa, mas a ambição é partirmos para outros pontos do país, claramente”, indica.
Aos poucos, acredita Jorge Pina, antigo pugilista e maratonista invisual — participou nos Jogos Paralímpicos de 2012, em Londres — o projeto vai chegar a mais crianças. Além de algumas parcerias que já existem com escolas, o objetivo “também é ir aos centros de reabilitação, onde chegam pessoas com deficiência”. A “lacuna” que ainda existe, admite, é o transporte e as rodas que levam “os miúdos” à escola, ou a escola até aos miúdos.
Este ano, o primeiro, “será de aprendizagem” e de perseguição ao cenário que Jorge Pina deseja, em breve, ter a rodeá-lo: “Termos isto cheio de crianças a correrem e nós sem espaço para podermos andar.”
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