Parece que não somos muito eficazes nas predições do futuro e temos assistido a sucessivos e espetaculares falhanços em o adivinhar mesmo a curto prazo. Talvez o nosso presente nos absorva e aculture de forma tão intensa que não conseguimos imaginar o futuro fora desta visão estrita em que vivemos. Podemos imaginá-lo melhor mas não diferente. Perante esta consolidada incapacidade de prever o futuro, cabe-nos, tão só, antecipar os movimentos do futuro mais próximo moldando-o com as medidas que temos de tomar no presente.
Vem tudo isto a propósito de pensarmos as políticas que podem conduzir à construção de um melhor futuro para os alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE). Sabemos que a grande maioria destes alunos são educados em escolas regulares. São educados onde devem ser: na companhia dos seus colegas sem deficiência, ensinando-lhes umas coisas e aprendendo outras. Mas… o que se passa depois do 9.º ano de escolaridade?
O Governo publicou há alguns anos uma legislação imprudente (o conhecido 275 A) que anula esta interação entre alunos com e sem dificuldades e legisla no sentido de os alunos com NEE terem um horário de 25 horas das quais só cinco são para ser assistidas na escola regular (isto é, na escola onde estes alunos fizeram a sua escolaridade).
Não é nunca demais criticar esta medida que anula, com uma penada legislativa, todo o esforço que alunos, escola, famílias e comunidades foram fazendo para que os alunos com condições de deficiência fossem parte de uma comunidade que os conhecesse, aceitasse e valorizasse. Esta legislação ridiculariza os esforços de inclusão no momento mais exigente, isto é, quando a escolaridade se torna mais determinante para influenciar a vida adulta destes jovens. É como se de uma maneira muito “pragmática” se corrigisse um “desvio inclusivo” dizendo: “Agora sim, estes alunos vão para onde sempre deveriam ter estado: para uma escola especial”.
Não temos dúvida que o assunto implica soluções diversas e complexas. Aos erros anteriores, a legislação em vigor acrescenta um outro: quer responder à diversidade com… a homogeneidade. É irrealizável responder à multiplicidade de situações com soluções padronizadas: precisamos de pôr no terreno soluções diversas, personalizadas, flexíveis e sempre, sempre, com a maior possibilidade de os alunos com deficiência se manterem em contato, em interação e em interdependência com as comunidades a que pertencem. Abdicar da inclusão quando ela mais é precisa seria como construir uma casa, equipa-la, mobilá-la mas não construir o telhado.
Pensar o futuro dos jovens com condições de deficiência, pensar quais as formas com que se faz a transição de um meio escolar para um meio pós-escolar e pré-profissional tem de recrutar todos os ganhos que foram conseguidos ao longo da escolaridade. É nesta fase tão sensível e tão difícil (não é só para os jovens com NEE — é para todos…) que é mais importante ter sentido de pertença a uma comunidade que, mesmo que seja por vezes pouco visível, está presente na possibilidade de concretização dos sonhos e no encorajamento da superação que o trabalho em interação implica.
É certo que, como Émile Souvestre, temos dificuldade em imaginar o futuro. Mas temos que nos assegurar no presente que o que estamos a oferecer a estes jovens é digno do esforço que eles, as escolas, as famílias e as comunidades fizeram. Não se pode menosprezar todo o trabalho que, de forma interligada e interdependente, foi feito para que eles possam ter uma vida produtiva e feliz. Por isso é tão importante que sejamos mais perspicazes a imaginar as avenidas por onde caminhará o futuro destes jovens. Vamos “fazer o que já devia ter sido feito”: revogar o 275 A.
Autoria: David Rodrigues Professor universitário e membro do Conselho Consultivo da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação.
Fonte: Público
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