sábado, 6 de outubro de 2018

"Um tetraplégico é um cérebro sem corpo". Livro "Cartas do Inferno" de Ramón Sampedro

Após ter visto o filme “Mar Adentro”, sobre a vida do tetraplégico Ramón Sampedro, e a sua luta obcecada pela sua morte assistida, fiquei com muita curiosidade em ler o livro da sua autoria “Cartas do Inferno”, onde nos explica como é viver o seu inferno, mas como tem estado fora de circulação, só agora o consegui encontrar e ler.
Os seus dramas, são na maioria também os meus. Revejo-me quase na totalidade no que escreve. Mostra-nos uma vida dramática e cruel, e a sua luta pelo direito a ter uma “boa morte”, como tantas vezes assinala, foi o que o moveu durante anos. Felizmente consegui-o, a ele agradeço a coragem, o testemunho que nos deixou e o modo claro como o fez.

Destaco algumas das frases do livro que mais me impressionaram:

1. “A falta de liberdade e de movimento é como estar morto e ter consciência do facto.”

2. “O meu sofrimento é a falta de liberdade, e a liberdade não é substituível por coisas ou por histórias.”

3. “Um tetraplégico é um cérebro sem corpo”.

4. “Sobreviver em circunstâncias em que é preciso procurar forças fora de si próprio é sintoma de debilidade mais do que de força. A força ou os recursos psicológicos devemos achá-los sempre dentro de nós próprios.”

5. “Para voar são precisas asas. E para andar, um corpo que nos leve onde os sonhos querem chegar”.

6. “Não posso exprimir o amor à mulher como deseja o meu cérebro. Ela diz que com a minha boca lhe basta. Que lhe basta a minha forma de ser para se sentir plena e satisfeita. Contudo, sinto que tem saudades do meu sexo, da forma que ele tinha, da minha maneira de interpretá-lo e de vivê-lo com outras mulheres, que ela diz continuar a imaginar. Assegura-me que a minha ternura lhe basta para se sentir mulher. Mas a mim, não. Sentimos como mulheres e homens através dos nossos corpos. Muitos não entendem o que significa não entender nada sexualmente.”

7. “Os humanos andam há tanto tempo escravizados que já perderam a dignidade. Entregaram a consciência aos heróis, aos deuses aos chicos espertos. Esqueceram-se que cada um deles é um herói, um deus, um soberano. Quando lhes pergunta se querem ser donos de si próprios, a maioria diz que sim, mas fazem-no a medo. Não se põem de pé para reclamar tal direito. Ficam eternamente ajoelhados. Não se atrevem a pensar, como lhes aconselham os verdadeiros mestres.”

8. “A vida tem de ter um sentido. E tem sentido enquanto esperamos alguma coisa . Quase nunca, ou nunca, sabemos o quê, mas enquanto dispomos de um corpo sensível e vivo que nos possibilita desfrutar do sentido da liberdade que nos dá o seu movimento, teremos sempre a sensação de poder ir de um horizonte ao outro, em busca dessa coisa indefinida é maravilhosa que nos libertará da rotina e do monótono cansaço de lutar para viver de uma maneira normal.”

Assim como o Ramón Sampedro, também eu tenho as minhas cartas escritas na memória sobre o meu inferno, assim como o Ramón, detesto esta vida incompleta, mas ao contrário do Ramón, não desisti da procura de uma vida em pleno. Tudo tenho feito ao meu alcance para a conseguir.

Se não conseguir essa vida digna, assim como o Ramón, vou tentar conseguir a minha “morte boa”. Ou se vive, ou não se vive. Fazer de conta que se vive é morrer todos os dias.

Eduardo Jorge

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