Em vésperas do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, a realidade destas pessoas em Portugal está ainda longe do ratificado na Convenção Internacional, que determina que os países devem assegurar que as pessoas com deficiência escolhem como, onde e com quem vivem, bem como os serviços e os apoios de que precisam.
Da conversa com vários interessados no tema, a conclusão é a de que as pessoas com deficiência em Portugal não têm como ser autónomas e estão obrigadas ou a viver no seio da família, caso esta tenha as condições económicas necessárias, ou a recorrer à institucionalização, muitas vezes em lares de idosos.
Em declarações à agência Lusa, o professor e investigador Fernando Fontes, autor do ensaio “Pessoas com Deficiência em Portugal”, explicou que estas são atualmente as únicas duas opções, já que a “grande aposta em Portugal, e sobretudo desde 2010, tem sido os lares residenciais e não as residências autónomas”.
Entendemos que estas pessoas não devem ser obrigadas a esta situação só porque é a única solução que existe”, defende, por seu lado, a Associação Portuguesa de Deficientes, segundo a qual “ainda não se criaram as condições para que as pessoas com grandes incapacidades possam ter uma vida autónoma”.
Situação pela qual passou e está a passar Eduardo Jorge, ativista por uma Vida Independente, mas sobretudo pela liberdade de escolha e por poder decidir como quer viver, sem estar limitado às decisões que os outros tomam por si.
Tal como explicou à Lusa, é tetraplégico desde os 28 anos, devido a uma lesão na medula, tendo 90% de incapacidade, o que faz com que precise de “apoio para quase tudo”, como seja vestir-se e despir-se, posicionar-se na cama, fazer a higiene diária ou transferir-se da cama para a cadeira de rodas. Sendo um dos rostos mais visíveis da luta por uma filosofia de Vida Independente, e “contra a institucionalização compulsiva levada a cabo” em Portugal, viu-se obrigado a ir viver num lar de idosos por não ter condições financeiras para pagar a cuidadores.
Admite que teve a sorte de ser colocado num “lar exemplar”, onde inclusivamente lhe arranjaram trabalho como assistente social, mas não consegue esconder que tem sido uma adaptação muito difícil, num local criado “para ser a última morada de quem o procura”, obrigado a conviver com “demências graves e a deterioração humana”.
“No lugar de continuar a institucionalizar-nos compulsivamente e pagar valores altos por isso às instituições, o Estado atribuía-nos esse valor permitindo-nos contratar assistentes pessoais ou o serviço de apoio domiciliário que vá ao encontro das nossas necessidades”, reclama.
Apoios públicos são reduzidos
Na opinião do investigador Fernando Fontes, os valores dos apoios sociais pagos pelo Estado às pessoas com deficiência “são ridículos” quando comparados com as comparticipações pagas às instituições sociais. Segundo fonte oficial da Segurança Social, o Estado paga 984,25 euros por cada pessoa com deficiência que está num lar residencial ou 499,03 euros por cada utente que frequenta um Centro de Atividades Ocupacionais.
Já os valores médios mensais em 2015 dos apoios sociais variam entre 131,11 euros do complemento de dependência ou 189 euros do subsídio mensal vitalício, ao qual acresce o complemento extraordinário de solidariedade cujo valor médio mensal foi de 84 euros. Valores que, embora baixos, Eduardo Jorge não recebe porque tem um ordenado superior a 600 euros mensais, apesar de 75% desse ordenado ser para pagar o lar de idosos onde vive.
Para Fernando Fontes, há uma explicação para que os valores das comparticipações pagos às instituições sejam muito superiores aos valores dos apoios sociais pagos às pessoas com deficiência ou às suas famílias: “Creio que o lobby das instituições em Portugal é muito grande”.
O Estado sempre delegou muito na sociedade civil e prefere pagar às instituições os serviços e não os pagar diretamente. Isso fez com que o número de instituições tenha crescido imenso e logo o lobby é muito grande”, defendeu o investigador.
Para a presidente da Associação Portuguesa de Deficientes, Ana Sesudo, é necessário que as pessoas com deficiência possam “ter acesso [à educação] em igualdade com outros cidadãos, ter acesso a informação e a integrar o mercado de trabalho de forma a ter acesso a um ordenado que pudesse possibilitar uma independência económica e fazer face às despesas da sua vida”.
Para dar a tão pedida independência, surgiu em Lisboa um projeto-piloto de Vida Independente, a funcionar desde março de 2015, com cinco participantes com deficiência e quatro assistentes pessoais. Entretanto, esperam pela conclusão das obras das casas municipais que estão a ser adaptadas para pessoas com deficiência.
Para Diogo Martins, presidente da associação que gere o projeto-piloto, a filosofia da Vida Independente traz liberdade em relação à família, mas também a conquista do poder de decisão, conseguindo autonomia na gestão do dia-a-dia. Eduardo Jorge não têm dúvidas em afirmar que este é o melhor modelo, apontando que “é a diferença entre o decidir onde, como, e com quem viver, ou continuar a ser enclausurado”.
É o poder decidir algo tão básico, como por exemplo a que horas quero levantar, deitar, tomar banho? e para isso basta ter alguém que seja os meus braços e as minhas pernas”, apontou.
Fonte: Observador
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