Tal como ele, sofro o fardo de ser tetraplégico. Para quem não sabe, “tetraplégico” é alguém que fratura a medula espinal na zona do pescoço e por isso perde os movimentos das pernas e parte (ou totalmente) dos braços. Não se perde apenas a capacidade de andar, perde-se sim a capacidade de cuidar de si. É preciso que alguém nos levante da cama e volte a deitar, que nos lave, que nos dê de comer, que nos vista, etc., etc. De um momento para o outo perde-se um dos bens mais preciosos que um ser humano pode ter: a independência e a liberdade. Fisicamente somos como bebés adultos e creio que todo sabem os cuidados que um bebé requere. Assim vive um tetraplégico, ou qualquer outra pessoa que tenha uma deficiência igualmente limitadora.
Agora digo-vos algo que não perdemos: a nossa mente! Ao contrário do que dizem os estereótipos, desenvolvemos a capacidade de observação; aprendemos como funciona o mundo; começamos a ter ideias. A nossa mente floresce em contraste com a incapacidade física. Não se trata de arrogância, é um facto. Foi isto que encontrei no Eduardo. Um espelho do meu fado que usa a mente para se afirmar como cidadão, uma peça integrada na sociedade.
Creio que todos que possuem uma deficiência visível já sofreram na pele o estigma, os olhares, as perguntas indiscretas, a discriminação, a redução da sua humanidade quando afirmam com ignorância que o trabalho é um “entretenimento”. Por isso, muitas vezes acomodamo-nos ao nosso mundinho, com as nossas coisinhas, aceitar como esmola o que afinal são direitos, sem procurar retribuir à vida todo o potencial que temos para dar.
Era nesta situação que me encontrava, resignado, sem exigir muito da existência, a esconder as minhas capacidades intelectuais como se estas fossem um atentado à lógica. Mais cedo ou mais tarde sabia que o meu futuro seria a institucionalização, embora não pensasse nisso. Existia uma aceitação dolorosa no meu íntimo.
Conhecer o blog “tetraplégicos” foi um despertar. Uma chamada de atenção para o facto de também eu ser humano como os outros, independentemente das minhas limitações. Tenho muito a oferecer à sociedade. Não quero ficar parado. Quero e posso contribuir para um mundo melhor.
Desde a divulgação de direitos que abrangem todo o tipo de deficiências, ao dar voz às mães e pais que não têm ajudas e são forçado a deixar de trabalhar para cuidar dos seus filhos, à luta por uma vida independente, às acções de rua que foram constantemente ignoradas pelos governantes, à ajuda providenciada gratuitamente a quem o procurava, ao aconchegante saber que não estou sozinho, tudo isto segui com atenção. Apesar de estar longe, sem grande forma de me deslocar às acções levadas a cabo pelo Eduardo, sempre fui um espectador atento ao seu trabalho e de certa forma, um interveniente, pois tudo que possa ser alcançado pelas suas chamadas de atenção e acções de protesto iam me beneficiar. Isto tudo apesar da minha ausência,
Lutar desta forma contra a corrente, colocando até a própria saúde em risco, é extenuante. Ser tetraplégico, é já por si, ser solitário. Mesmo estando rodeados por quem nos cuida e nos quer bem, parece existir sempre uma distancia que nos separa dos outros. Sente-se a falta de companhia, principalmente quando se anda na rua e somos alvo dos olhares indiscretos e da curiosidade imprópria. Não sei ao certo como explicar isso. É algo que se sente e se mistura com um certo cansaço que por vezes toma conta do corpo contra a nossa vontade. Creio que haverá muita gente que percebe este sentimento e se revê nestas palavras. Ao mesmo tempo acredito que possam existir alguns defensores do positivismo e de que a vontade tudo supera, que argumentem de forma contrária. Que seja! A esses apenas tenho a dizer que os invejo e pedir que respeitem a minha realidade.
Sei que o Eduardo já ajudou muita gente. Da mesma forma já sentiu o desaire de não poder contar com quem o devia apoiar. Sim, porque ele emprestou o seu nome a diferentes tipos de luta sem nunca se contentar com o seu próprio conforto. Não sei quanta gente auxiliou na sua demanda. Foram muitos. E por isso estou grato.
Ainda assim o Eduardo não desistiu. Continuou a luta. Sem medo até da morte. Infelizmente ninguém é invencível e chegou o dia em que foi forçado a ser institucionalizado. Um lar de idosos. Por mais atencioso que os funcionários possam ser, por mais condições que existam, o Eduardo foi arrancado de casa para uma espécie de prisão colorida, porque os governantes preferem esta solução desfasada da realidade à implementação da vida independente. Foi um duro golpe, que senti como dado a mim. Ainda por cima torna-se mais revoltante ao saber que a maior parte do salário lhe é retirado para pagar a própria prisão. Além de enclausurado, é-lhe retirada a capacidade financeira remetendo-o à pobreza. Aonde está a justiça disso?
Surgiu agora uma esperança sobre projectos piloto de vida independente. Será mesmo? Três anos para testar uma ideia que insiste em ser contrária e complicada ao que já funciona noutros países. E depois deste tempo? Vai continuar? Vai mudar? E todos os que são condenados à institucionalização? As politicas sobre deficiência em Portugal parecem sempre ser adiadas para amanhã e quando surgem são como gotas de água.
No meio disto tudo questiono-me como posso ajudar, revindicar, explicar, dizer que existo, pois não me posso deslocar para onde se fazem as acções de rua. O Eduardo precisa de saber e sentir que não está sozinho! Como disse o presidente da Republica, Marcelo Rebelo de Sousa, inserido no contexto da tragédia dos fogos: “esta gente não tem a capacidade de se manifestar ou fazer greves”. Essa frase resume na perfeição quem tem uma deficiência limitadora a ponto de necessitar de um auxiliar. Não conseguimos dizer que existimos, nem revindicar direitos, nem sequer paralisar sectores importantes do país.
Senti uma necessidade imensa de ajudar. Para isso recorri à única forma que me é acessível e domino de alguma forma. Escrevi este texto. Não sei quem vai ler, ou se vão mesmo ler, nem tão pouco se vai fazer alguma diferença. Sei que vai apenas cumprir um propósito, dizer ao Eduardo que não está sozinho, são muitos os que o olham, que se identificam com a sua luta, que sofrem na pele os mesmos dilemas. Mesmo que as suas vozes não se façam ouvir, seja por medo, coação, ou simplesmente porque não conseguem.
Não sei se faço sentido, visto que tenho em mim vontade de dizer tanta coisa que as ideias acabam por se emaranhar num disparo de frases amontoadas. Resumo a dois tópicos chave:
- Chamar a atenção para a injustiça da institucionalização.
- Dizer ao Eduardo que não está sozinho!
Este texto, ou melhor, desabafo, tem o nome de “Manifesto pro Eduardo”, embora na realidade o nome possa ser “Manifesto pro vida”, ou “Manifesto pro liberdade”.
É com exemplos que se mostram as injustiças. Hoje manifesto-me sobre a injustiça que recai sobre o Eduardo que, no fundo, é o rosto de tantos outros calados, escondidos e resignados, como eu…
Agradeço do fundo do coração tudo que este homem tem feito!
Bem-haja grande Eduardo!
Agora digo-vos algo que não perdemos: a nossa mente! Ao contrário do que dizem os estereótipos, desenvolvemos a capacidade de observação; aprendemos como funciona o mundo; começamos a ter ideias. A nossa mente floresce em contraste com a incapacidade física. Não se trata de arrogância, é um facto. Foi isto que encontrei no Eduardo. Um espelho do meu fado que usa a mente para se afirmar como cidadão, uma peça integrada na sociedade.
Creio que todos que possuem uma deficiência visível já sofreram na pele o estigma, os olhares, as perguntas indiscretas, a discriminação, a redução da sua humanidade quando afirmam com ignorância que o trabalho é um “entretenimento”. Por isso, muitas vezes acomodamo-nos ao nosso mundinho, com as nossas coisinhas, aceitar como esmola o que afinal são direitos, sem procurar retribuir à vida todo o potencial que temos para dar.
Era nesta situação que me encontrava, resignado, sem exigir muito da existência, a esconder as minhas capacidades intelectuais como se estas fossem um atentado à lógica. Mais cedo ou mais tarde sabia que o meu futuro seria a institucionalização, embora não pensasse nisso. Existia uma aceitação dolorosa no meu íntimo.
Conhecer o blog “tetraplégicos” foi um despertar. Uma chamada de atenção para o facto de também eu ser humano como os outros, independentemente das minhas limitações. Tenho muito a oferecer à sociedade. Não quero ficar parado. Quero e posso contribuir para um mundo melhor.
Desde a divulgação de direitos que abrangem todo o tipo de deficiências, ao dar voz às mães e pais que não têm ajudas e são forçado a deixar de trabalhar para cuidar dos seus filhos, à luta por uma vida independente, às acções de rua que foram constantemente ignoradas pelos governantes, à ajuda providenciada gratuitamente a quem o procurava, ao aconchegante saber que não estou sozinho, tudo isto segui com atenção. Apesar de estar longe, sem grande forma de me deslocar às acções levadas a cabo pelo Eduardo, sempre fui um espectador atento ao seu trabalho e de certa forma, um interveniente, pois tudo que possa ser alcançado pelas suas chamadas de atenção e acções de protesto iam me beneficiar. Isto tudo apesar da minha ausência,
Lutar desta forma contra a corrente, colocando até a própria saúde em risco, é extenuante. Ser tetraplégico, é já por si, ser solitário. Mesmo estando rodeados por quem nos cuida e nos quer bem, parece existir sempre uma distancia que nos separa dos outros. Sente-se a falta de companhia, principalmente quando se anda na rua e somos alvo dos olhares indiscretos e da curiosidade imprópria. Não sei ao certo como explicar isso. É algo que se sente e se mistura com um certo cansaço que por vezes toma conta do corpo contra a nossa vontade. Creio que haverá muita gente que percebe este sentimento e se revê nestas palavras. Ao mesmo tempo acredito que possam existir alguns defensores do positivismo e de que a vontade tudo supera, que argumentem de forma contrária. Que seja! A esses apenas tenho a dizer que os invejo e pedir que respeitem a minha realidade.
Sei que o Eduardo já ajudou muita gente. Da mesma forma já sentiu o desaire de não poder contar com quem o devia apoiar. Sim, porque ele emprestou o seu nome a diferentes tipos de luta sem nunca se contentar com o seu próprio conforto. Não sei quanta gente auxiliou na sua demanda. Foram muitos. E por isso estou grato.
Ainda assim o Eduardo não desistiu. Continuou a luta. Sem medo até da morte. Infelizmente ninguém é invencível e chegou o dia em que foi forçado a ser institucionalizado. Um lar de idosos. Por mais atencioso que os funcionários possam ser, por mais condições que existam, o Eduardo foi arrancado de casa para uma espécie de prisão colorida, porque os governantes preferem esta solução desfasada da realidade à implementação da vida independente. Foi um duro golpe, que senti como dado a mim. Ainda por cima torna-se mais revoltante ao saber que a maior parte do salário lhe é retirado para pagar a própria prisão. Além de enclausurado, é-lhe retirada a capacidade financeira remetendo-o à pobreza. Aonde está a justiça disso?
Surgiu agora uma esperança sobre projectos piloto de vida independente. Será mesmo? Três anos para testar uma ideia que insiste em ser contrária e complicada ao que já funciona noutros países. E depois deste tempo? Vai continuar? Vai mudar? E todos os que são condenados à institucionalização? As politicas sobre deficiência em Portugal parecem sempre ser adiadas para amanhã e quando surgem são como gotas de água.
No meio disto tudo questiono-me como posso ajudar, revindicar, explicar, dizer que existo, pois não me posso deslocar para onde se fazem as acções de rua. O Eduardo precisa de saber e sentir que não está sozinho! Como disse o presidente da Republica, Marcelo Rebelo de Sousa, inserido no contexto da tragédia dos fogos: “esta gente não tem a capacidade de se manifestar ou fazer greves”. Essa frase resume na perfeição quem tem uma deficiência limitadora a ponto de necessitar de um auxiliar. Não conseguimos dizer que existimos, nem revindicar direitos, nem sequer paralisar sectores importantes do país.
Senti uma necessidade imensa de ajudar. Para isso recorri à única forma que me é acessível e domino de alguma forma. Escrevi este texto. Não sei quem vai ler, ou se vão mesmo ler, nem tão pouco se vai fazer alguma diferença. Sei que vai apenas cumprir um propósito, dizer ao Eduardo que não está sozinho, são muitos os que o olham, que se identificam com a sua luta, que sofrem na pele os mesmos dilemas. Mesmo que as suas vozes não se façam ouvir, seja por medo, coação, ou simplesmente porque não conseguem.
Não sei se faço sentido, visto que tenho em mim vontade de dizer tanta coisa que as ideias acabam por se emaranhar num disparo de frases amontoadas. Resumo a dois tópicos chave:
- Chamar a atenção para a injustiça da institucionalização.
- Dizer ao Eduardo que não está sozinho!
Este texto, ou melhor, desabafo, tem o nome de “Manifesto pro Eduardo”, embora na realidade o nome possa ser “Manifesto pro vida”, ou “Manifesto pro liberdade”.
É com exemplos que se mostram as injustiças. Hoje manifesto-me sobre a injustiça que recai sobre o Eduardo que, no fundo, é o rosto de tantos outros calados, escondidos e resignados, como eu…
Agradeço do fundo do coração tudo que este homem tem feito!
Bem-haja grande Eduardo!
Enviado por e-mail
Sem comentários:
Enviar um comentário