Fará 27 anos no último dia 20 de fevereiro que sofri o acidente
que mudou a minha vida por completo (estou a escrever esta crónica no dia 17).
Datas não é comigo. Também esta só me lembrei dela por acaso. Para mim sempre
foi um dia como outro qualquer. Desta vez, a data surgiu-me na memória e tem-se
mantido. Acho que é desta vez que me lembrarei do meu acidente no dia 20, e se
fosse caso para comemorar, desta vez não aconteceria por falta de lembrança.
Sinceramente não me faz grande diferença lembrar-me ou não da
data. Assim como não me faz confusão relatar o meu acidente, ou passar no local
onde ele aconteceu. É perto da minha casa e passo por lá muitas vezes e não me
perturba absolutamente nada.
Algo que também não aconteceu comigo foi o passar pelas fases
que a maioria dos meus colegas relatam passar após trauma. Fases da negação,
revolta, luto, aceitação. Comigo a grande preocupação foi tornar-me dependente
fisicamente, e tentar encontrar uma maneira de continuar a ser independente
financeiramente, e uma grande angústia por fazer sofrer a minha mãe.
A ilusão de vir a voltar a andar também nunca a alimentei. Fui
sempre muito prático e objetivo. Viver o momento. Não sofrer por antecedência.
O que tiver de ser será. Nada de dramas. Ainda funciono assim nos dias de hoje.
Procurar culpados também não foi comigo. Nunca me questionei ou
preocupei em saber as causas do acidente. Foi um acidente de carro e ponto
final. Ia a conduzir um Renault 5 GTL, pelas 15h do dia 20, na localidade de
Alvega, a poucos quilómetros do local onde trabalhava, Restaurante Nova Nora,
em Ribeira do Fernando. Conduzia sem cinto de segurança (na altura não era
obrigatório o seu uso dentro das localidades), repentinamente o veículo foge-me
para a faixa contrária, embate contra um muro, dá várias cambalhotas e sou
cuspido por uma das portas que entretanto abriram, e sou projetado para um
terreno agrícola com valas com alguma profundidade. Caí de costas, pescoço
bateu numa das lombas da vala, e não mais me consegui mexer.
De imediato surgiram moradores da localidade, chamaram o INEM
que até hoje não sei se demorou muito ou pouco a socorrer-me. Fui levado para o
hospital mais próximo, que era o de Abrantes, nele colocaram-me tração cervical
com 13 kg, e fui de seguida transferido para o Hospital de São José em Lisboa,
com o diagnóstico de lesão cervical C4, C5 e C6, traumática completa.
Por lá, e por outros mais hospitais e clínicas, fiquei quase um
ano internado. Em dezembro de 1991 vi a casa de uma irmã pela primeira vez. Ver
a família reunida soube bem, mas sinceramente o desconforto era tanto, que
estava desejoso para voltar ao centro de reabilitação onde me sentia seguro, e
rodeado de outras pessoas como eu.
O olhar da minha mãe era o que mais me fazia sofrer. Vê-la
sofrer por mim era e sempre foi muito doloroso. Custava-me muito mais que a
minha situação. Era muito religiosa (6 anos após meu acidente faleceu) e sempre
se orgulhou de eu ter nascido numa 5ª feira santa. Dizia-me com frequência:
“Filho, nasceste num dia tão bonito e tens sofrido tanto”. O seu olhar era amor
puro. Só ela o sabia dar daquela maneira. sabia tão bem…
O acidente é esquecido com frequência, mas há algo que nunca
esqueceria, se através do meu acidente tivesse magoado alguém. Felizmente
viajava sozinho. Só de pensar nessa possibilidade chego a gelar. Nunca me
perdoaria.
Quanto a mim, o acidente é mais um acidente de percurso, faz
parte do estar vivo. A deficiência nunca foi o meu problema, mas sim o que me
rodeia. Os obstáculos que sempre encontrei no meu dia-a-dia por ser um cidadão
com deficiência. Isso sim, é um grande problema para mim.
Eduardo Jorge
Sem comentários:
Enviar um comentário