sexta-feira, 23 de novembro de 2018

VIDA INDEPENDENTE: Novo protesto de Eduardo Jorge em frente da Assembleia da República

Eduardo Jorge, tetraplégico e ativista, volta à Assembleia da República, de 01 a 04 de dezembro para “uma ação de sensibilização em favor da Vida Independente”, propondo-se a estar deitado numa cama, e fechado dentro de uma gaiola, que será aberta somente para permitir a entrada do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, do Primeiro Ministro Antónia Costa e do Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva.
São quatro dias de protesto, por ocasião do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência que se assinala a 03 de dezembro, “fechado dentro de uma gaiola, que será aberta somente para permitir a entrada dos governantes convidados. “Qualquer ajuda vinda de outra pessoa será recusada”, garante Eduardo Jorge, tetraplégico dependente de terceiros, com 90% de incapacidade.

“Com este meu desafio espero que consigam entender a importância da Vida Independente nas nossas vidas. Verificarão o quanto somos inúteis sem apoio de um assistente pessoal, e desse modo tentar sensibilizá-los para a urgência de o projeto se tornar uma realidade”, acrescenta o ativista.

Em representação de todas as pessoas com deficiência, Eduardo Jorge alerta para o facto da “prometida Vida Independente”, criada pelo Decreto Lei nº 129/2017 de 9 de outubro, continuar “a não sair do papel”. “Eu, e muitas outras pessoas com deficiência continuamos presos nas nossas casas e em lares de idosos contra a nossa vontade”, lamenta no comunicado enviado à Plural&Singular.

“Por esta demora em iniciar o projeto-piloto Modelo de Apoio à Vida Independente, encontramo-nos profundamente angustiados pela prisão forçada em que nos encontramos, facto que me leva a ser obrigado a tomar esta medida, num derradeiro esforço de mostrar aos nossos governantes a importância da Vida Independente, para cidadãos dependentes como nós”, continua.

Segundo Eduardo Jorge esta ação de protesto foi adiada, já esteve para ser realizada em maio de 2017, mas algumas das alterações solicitadas no Modelo de Apoio à Vida Independente, apresentado na altura foram efetuadas, “e tudo parecia estar no bom caminho para que o projeto iniciasse em breve”. “No entanto, passados 18 meses, nada aconteceu”, constata.

Ao protesto pela demora, Eduardo Jorge aponta ainda dois problemas neste projeto piloto: quem se encontre institucionalizado não poderá beneficiar deste modelo de apoio e os valores de financiamento para os Centros de Apoio à Vida Independente propostos não permitem disponibilizar as horas necessárias de apoio a quem se encontra mais dependente. “Todos sabemos que 2 horas e 30 minutos de apoio diário, não é vida independente. Com este número de horas diárias de assistência, ninguém dependente pode autonomizar-se e viver na sua casa.

Texto integral do Plano de cuidados enviado aos governantes desafiados:
"Exmos Senhores, em maio do ano passado fiz-lhes chegar um desafio, que iniciava assim: O conceito de Vida Independente foi desconhecido para mim durante anos. A partir do momento que o conheci, prometi a mim mesmo que tudo faria para conseguir a sua implementação em Portugal, mas nos moldes em que me foi dado a conhecer, tal como existe noutros países, e não conforme consta na recente proposta apresentada pelo Governo.

Desafio consistia em me entregar aos vossos cuidados, numa cama, em frente à Assembleia da República, durante três dias. Anulei a iniciativa porque foram realizadas algumas das alterações solicitadas no modelo de Vida Independente e tudo parecia estar no bom caminho para que o projeto iniciasse em breve.

Mas 18 meses depois a prometida Vida Independente, criada pelo Decreto Lei nº 129/2017 de 9 de Outubro, continua a não sair do papel, e eu, e muitas outras pessoas com deficiência continuamos presos em lares de idosos, e nas nossas casas contra a nossa vontade.

Na altura referia que pouco valeu a greve de fome que fui obrigado a iniciar em 2013 e a viagem de 180 quilómetros, em cadeira de rodas, durante três dias, em 2014 pelo direito à Vida Independente. Também afirmava que a realidade da vida das pessoas com deficiência, dependentes de outros, como eu, é desconhecida da generalidade das pessoas, assim como as nossas necessidades são normalmente esquecidas por quem tem o poder de legislar e decidir sobre as nossas vidas.

Também desabafava que até para poder reivindicar o direito a viver como quero, onde quero, e com quem quero, preciso de assistência pessoal.
Na altura suspendi a ação de protesto, mas como pouco ou nada foi feito até ao momento para efetivar a Assistência Pessoal, resolvi levar a ação avante, desta vez estarei dependente dos cuidados de V. Exas durante os dias: 01, 02, 03 e 04 de dezembro de 2018. Dia 3 de Dezembro é comemorado o dia internacional da pessoa com deficiência, dia em que geralmente V. Exas se desdobram em ações de comemoração por todo o país. No entanto, nós, pessoas com deficiência, pouco temos para comemorar pois os discursos não combinam com a realidade. No meu caso, vou comemorar da maneira mais real, mostrando como é estar dependente de terceiros, como é mesmo ter uma deficiência. Mesmo estando ciente que será um dia de sofrimento.

Ao colocar-me aos cuidados de V. Exas, ficarão a conhecer as reais necessidades de uma pessoa com deficiência, dependente de terceiros. Terão a oportunidade de verificar através do meu exemplo que não são poucas as necessidades, que terão de assegurar, como a minha higiene, alimentação, posicionamento na cama, transferência da cama para a cadeira, etc. Caso não aceitem o meu pedido, ficarei abandonado, pois não permitirei que outros realizem tais tarefas.

Com este meu desafio, que encaro como uma derradeira forma de sensibilização, vão conseguir entender a importância da Vida Independente nas nossas vidas. Verificarão o quanto somos inúteis sem apoio de um assistente pessoal, e desse modo tentar sensibilizá-los para a urgência de o projeto se tornar uma realidade. Caso recusem, não aceitarei assistência de outras pessoas. Ficarei entregue a mim mesmo como acontece tantas vezes na minha vida, tal como muitos outros, nas mesmas ou mesmo piores circunstâncias que eu. Não poderei alimentar-me, sair, ou virar-me na cama, ou cuidar da minha higiene, entre outras necessidades.

Note-se que sou um cidadão com plenas capacidades mentais, e tenho o direito de mostrar a minha indignação, e fazer esta escolha.

VOSSO PLANO DE CUIDADOS

SÁBADO DIA 01 (a cargo do Srº Presidente da República):
Início da ação: 14h00 (deitar-me, o que implica transferir-me da cadeira de rodas para a cama, tirar-me a roupa e posicionar-me na cama em decúbito lateral esquerdo (deixar-me sobre o lado esquerdo do corpo);
18h00 voltar a posicionar-me na cama, desta vez virar-me, e deixar-me sobre o meu lado direito, lavar-me as mãos, e servir-me o jantar que será composto por uma sandes de queijo;
23h00 realizar-me a higiene íntima e posicionar-me em decúbito ventral (de barriga para baixo) e despejar o saco coletor de urina;
03h00 virar-me mais uma vez, desta vez deixar-me virado para o meu lado esquerdo;
07h00 (fim do apoio *) posicionar-me em decúbito dorsal, ou seja deixar-me na posição de costas.
*Como não me assistiu durante a manhã, gostaria de ter o seu apoio também na manhã do dia 04, último dia.

DOMINGO DIA 02 (será o dia de depender do Srº Primeiro Ministro):
09h30 como um banho está fora de questão, preciso que me apoie na higiene matinal que consiste em lavar-me o rosto, tronco, zonas íntimas e desinfetar o cistocateter que serve de dreno da urina da bexiga, e substituir proteção do orifício que leva a sonda até á bexiga, mudar de roupa, servir-me o pequeno-almoço que será um pacotinho de leite simples, e três bolachas de água e sal barradas com marmelada, despejar o saco coletor de urina e deixar-me posicionado sobre o meu lado direito do corpo;
13h00 lavar-me as mãos, servir-me o almoço que será uma sandes de queijo, depois mudar-me de posição, desta vez deixar-me de costas;
17h00 virar-me para o meu lado esquerdo do corpo e servir-me uma banana como lanche;
21h00 realizar-me higiene geral, virar-me para o lado direito, servir-me o jantar que será uma sandes de queijo;
24h00 virar-me de barriga para baixo, e despejar o saco coletor de urina;
04h00 (última tarefa do dia) virar-me para o lado esquerdo do corpo;

SEGUNDA FEIRA DIA 03 (será a vez do Srº Ministro Vieira da Silva):
08h00 virar-me de costas, realizar-me a higiene matinal que consiste em lavar-me o rosto, tronco, zonas íntimas e desinfetar o cistocateter que serve de dreno da urina e substituir proteção do orifício que leva a sonda até á bexiga, mudar a roupa da cama e do corpo, e servir-me o pequeno-almoço que será um pacotinho de leite e três bolachas de água e sal barradas com marmelada, e despejar o saco coletor de urina;
12h00 lavar-me as mãos, servir-me o almoço que será uma sandes de queijo, mudar-me de posição, desta vez virar-me para o lado direito do corpo;
16h00 virar-me para o lado esquerdo, servir-me uma banana como lanche e despejar o saco coletor de urina;
20h00 virar-me de costas, fazer-me higiene, servir-me o jantar que será uma sandes de queijo;
24h00 realizar-me a higiene íntima e posicionar-me de barriga para baixo;
04h00 (último apoio do dia) virar-me para o lado direito e despejar-me a urina.

TERÇA FEIRA DIA 04 (caso aceite, e por só estar a seu cargo durante a manhã do dia 01, a última manhã ficará também por conta do Srº Presidente da República):
09h00 na impossibilidade de tomar banho, realizar-me a higiene matinal que consiste em lavar-me a cara, tronco, zonas íntimas e desinfetar o cistocateter que serve de dreno da urina, e substituir proteção do orifício que leva a sonda até á bexiga, vestir-me, servir-me o pequeno-almoço que será um pacotinho de leite e três bolachas de água e sal barradas com marmelada, despejar o saco coletor de urina e transferir-me para a cadeira de rodas, dando por encerrada a ação.
Mais uma vez refiro que caso V. Exas se recusem a aceitar o proposto, ficarei totalmente sozinho durante o período assinalado. Gostaria de salientar que não se trata de um ultimato ou chantagem, aceitarei a recusa com naturalidade, pois o que me move é a causa e esta ação é somente isso, mais uma ação.
Neste documentário do jornal Público, podem conhecer melhor o meu dia-a-dia, as razões da minha luta constante, e o que realmente é a Vida Independente que tanto almejamos: http://www.publico.pt/multimedia/video/o-que-e-isso-de-vida-independente-20151013-170549

Nota: todos os alimentos serão adquiridos por mim e colocados à vossa disposição, assim como será da minha responsabilidade todo o material necessário para a realização das atividades"

Fonte: Plurral&Singular

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