Mas passando o 5 de novembro, mais ninguém aborda o assunto.
Que assunto é este? Este é o assunto que é também uma história de vida: aquela que leva mães e pais a deixarem uma carreira para se dedicarem exclusivamente ao seu filho, marido, pais, ao familiar que tem dificuldades várias e necessita de ajuda constante.
Deixo o meu testemunho pessoal:
Tenho 65 anos e um filho com uma doença neuromuscular, genética, nasceu com ele, mais especificamente uma Atrofia Muscular/Espinal Progressiva.
Logo nos primeiros anos de vida, o meu Tozé não se deslocava normalmente como as outras crianças, precisando logo aos 5 anos de aparelhos de marcha. No infantário, na primária, tinha de subir com ele ao colo para a sala dele. Quando passou para o secundário, teve de começar a usar uma cadeira de rodas, porque já não tinha força para andar.
Terminada a secundária, era altura natural de ir para a faculdade, tal como os outros jovens. E agora? A 20km da faculdade, onde também andava o irmão, não perdi tempo a pensar muito: voltei a pegar no volante, numa carrinha onde a cadeira de rodas coubesse, e fazíamos este percurso de ida e volta, diariamente, 5 dias por semana, durante 6 anos.
Este era o meu “emprego”.
Levantá-lo cedo da cama, vesti-lo, dar-lhe banho, fazer a higiene pessoal, alimentá-lo, cuidar-lhe das mazelas de andar todo o dia na cadeira de rodas; durante a noite, levantar-me para o ajudar a virar-se na cama, duas a três vezes por noite, para evitar problemas como escaras e dores musculares.
Dar-lhe um jeito ao casaco, puxá-lo na cadeira para outra posição, penteá-lo, fazer-lhe a barba, subir a almofada, cruzar-lhe a perna… pensem em tudo o que conseguem fazer, a maioria tinha de ser ajudado por mim.
O Tozé terminou a faculdade há 18 anos, teve a sorte de ser convidado para um emprego onde ainda está até hoje. Tem um salário, paga impostos, desconta como qualquer outro trabalhador, é um jovem adulto com 40 anos.
Porém, todas as pequenas tarefas já faladas: deitar, vestir, banho, barba, calçar, etc, etc, etc… não terminam. Nunca terminarão. E faço questão que ele esteja sempre no seu melhor, sempre apresentável, sempre como ele gosta de estar e parecer. Enquanto eu e o pai tivermos força, vai ser sempre assim.
E eu, agora com 65 anos? Sempre no desemprego, durante estes 40 anos? Onde está a minha reforma, como poderia eu descontar se não tinha remuneração?
Podia ter deixado o meu filho em casa, com um subsídio (miserável) de apoio para pessoas com deficiência, mas não quis. E ao fazer isso, ao ajudá-lo a ter uma vida digna, poupei ao estado 40 anos de subsídios. E quase metade desse tempo, foi ele a descontar para o estado com os seus impostos.
Não me arrependo de nada, faria tudo de novo.
Mas não posso aceitar que só hoje, neste dia, se fale neste assunto. Nestas vidas. Numa mãe com um filho com 95% de incapacidade, que o apoiou de modo a conseguir ser Engenheiro informático, licenciado em História, pós-graduado, mestrando, a trabalhar há 17 anos.
É altura de se levar este assunto a discussão na Assembleia da República, por mim e por todos os milhares de cuidadores na mesma e em mais complicada situação que eu.
Ivone Marranita - Fonte: Noticias da Trofa
Que assunto é este? Este é o assunto que é também uma história de vida: aquela que leva mães e pais a deixarem uma carreira para se dedicarem exclusivamente ao seu filho, marido, pais, ao familiar que tem dificuldades várias e necessita de ajuda constante.
Deixo o meu testemunho pessoal:
Tenho 65 anos e um filho com uma doença neuromuscular, genética, nasceu com ele, mais especificamente uma Atrofia Muscular/Espinal Progressiva.
Logo nos primeiros anos de vida, o meu Tozé não se deslocava normalmente como as outras crianças, precisando logo aos 5 anos de aparelhos de marcha. No infantário, na primária, tinha de subir com ele ao colo para a sala dele. Quando passou para o secundário, teve de começar a usar uma cadeira de rodas, porque já não tinha força para andar.
Terminada a secundária, era altura natural de ir para a faculdade, tal como os outros jovens. E agora? A 20km da faculdade, onde também andava o irmão, não perdi tempo a pensar muito: voltei a pegar no volante, numa carrinha onde a cadeira de rodas coubesse, e fazíamos este percurso de ida e volta, diariamente, 5 dias por semana, durante 6 anos.
Este era o meu “emprego”.
Levantá-lo cedo da cama, vesti-lo, dar-lhe banho, fazer a higiene pessoal, alimentá-lo, cuidar-lhe das mazelas de andar todo o dia na cadeira de rodas; durante a noite, levantar-me para o ajudar a virar-se na cama, duas a três vezes por noite, para evitar problemas como escaras e dores musculares.
Dar-lhe um jeito ao casaco, puxá-lo na cadeira para outra posição, penteá-lo, fazer-lhe a barba, subir a almofada, cruzar-lhe a perna… pensem em tudo o que conseguem fazer, a maioria tinha de ser ajudado por mim.
O Tozé terminou a faculdade há 18 anos, teve a sorte de ser convidado para um emprego onde ainda está até hoje. Tem um salário, paga impostos, desconta como qualquer outro trabalhador, é um jovem adulto com 40 anos.
Porém, todas as pequenas tarefas já faladas: deitar, vestir, banho, barba, calçar, etc, etc, etc… não terminam. Nunca terminarão. E faço questão que ele esteja sempre no seu melhor, sempre apresentável, sempre como ele gosta de estar e parecer. Enquanto eu e o pai tivermos força, vai ser sempre assim.
E eu, agora com 65 anos? Sempre no desemprego, durante estes 40 anos? Onde está a minha reforma, como poderia eu descontar se não tinha remuneração?
Podia ter deixado o meu filho em casa, com um subsídio (miserável) de apoio para pessoas com deficiência, mas não quis. E ao fazer isso, ao ajudá-lo a ter uma vida digna, poupei ao estado 40 anos de subsídios. E quase metade desse tempo, foi ele a descontar para o estado com os seus impostos.
Não me arrependo de nada, faria tudo de novo.
Mas não posso aceitar que só hoje, neste dia, se fale neste assunto. Nestas vidas. Numa mãe com um filho com 95% de incapacidade, que o apoiou de modo a conseguir ser Engenheiro informático, licenciado em História, pós-graduado, mestrando, a trabalhar há 17 anos.
É altura de se levar este assunto a discussão na Assembleia da República, por mim e por todos os milhares de cuidadores na mesma e em mais complicada situação que eu.
Ivone Marranita - Fonte: Noticias da Trofa
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