domingo, 23 de outubro de 2016

Nova etapa na minha carreira

Iniciou-se uma nova etapa na minha carreira. Estou muito orgulhoso e feliz. Foi com grande emoção que assinei o meu primeiro contrato de trabalho, como assistente social, no Centro de Apoio Social da Carregueira (CASC).

Cheguei a esta casa (lar) completamente destroçado. Não sou de entrar em desânimo e nem de desistir, mas como diz o povo elas não matam mas moem. Foram momentos muito difíceis os que passei. Tempos esses que me deixaram sem vontade de sonhar e criar expectativas. Estagnei e entreguei-me ao tempo e acaso, permitindo que a vida seguisse por mim o rumo que quisesse. Faltava-me paciência para criar forças para a contrariar.

Estava longe de imaginar que o meu destino seria um lar de idosos. De repente vejo-me num deles e com muitos problemas de saúde. Senti-me vencido. Acabou-se Eduardo. Aceita o destino como refere a maioria.

Pouco a pouco fui-me reerguendo e despertando. As pessoas que me rodeavam riam, trabalhavam, alimentavam-se, choravam, morriam, acarinhavam-me, sofriam, ordenavam, obedeciam...era a vida que fluia e continuava o seu rumo. Hoje estás assim, amanhã assado, mas vive, não deixes de fazer parte dela. Foi o que fiz. Acordei do coma induzido a mim mesmo, e quis-me sentir mais uma vez a fazer parte do mundo, que também quero meu outra vez.

Nessa altura, resolvi ceder finalmente e autorizar o meu coração a acalmar e a ver um lugar diferente. Ver a realidade. O lar de idosos que tanto temia e detestava afinal era a minha nova casa e muitas coisas boas. Tinha a Alice Vaz com as suas brincadeiras despretensiosas; o pessoal da cozinha, a deixar tudo que estavam a fazer para me tirarem um café da máquina nos fins-de-semana, que por ali andava perdido; o sorriso encantador da colega utente D. Judite; as longas conversas com o José Luís; o primeiro banho/treino intestinal realizado especialmente pela coordenadora Natália; a dedicação e disponibilidade das auxiliares; os primeiros trabalhos delegados pela diretora técnica Telma Leitão, e os seus abraços reconfortantes...mas principalmente a confiança inabalável e respeito demonstrado pela Direção e principalmente o seu presidente Duarte Arsénio.Tudo começou nele.

Impossível ficar indiferente perante tamanha dedicação e carinho. Ainda bem que despertei e deixei de ser injusto, com toda aquela gente, que estavam a dar o melhor de si, para que eu tivesse o que que tinha que ter, num lugar daqueles, e naquelas circunstâncias. O que é que queria mais, deveriam todos eles questionar. O impossível?

O meu emprego. Um sonho realizado.
Cheguei como estagiário, o trabalho foi sempre o meu escape nos momentos mais difíceis. Era ele que me fornecia o alimento interior e o combustível. Era a minha alegria no meio de tanta dúvida, aversão e descontentamento. Se não fosse esse emprego e o apoio dado por toda aquela gente, não sei se teria aguentado e me tivesse dado tempo, permitindo despertar para a realidade.

Depois de tanto receber ainda sou presenteado com um contrato de trabalho. Acabo de assinar o meu primeiro contrato de trabalho não precário, após adquirir a deficiência. Foi um momento inesquecível. Já me tinha sido comunicado pela direção que isso iria acontecer, mas ao ver a minha diretora técnica, e colega Telma Leitão, com aquele contrato na mão a me pedir para assinar foi inevitável não ficar comovido.

Para muitos pode parecer um exagero este contentamento, mas para nós, pessoas com grande grau de dependência (no meu caso 90%), não é todos os dias que confiam e apostam em nós. O mercado de trabalho ainda é inacessível para a maioria. Basta verificar a elevada percentagem de desemprego entre o nosso meio.

Pese embora existam incentivos financeiros e não só à empregabilidade. No meu caso, fui admitido ao abrigo da medida de emprego “Contrato de Emprego Apoiado em Mercado Aberto”. Destina-se a pessoas com deficiência e incapacidade, inscritas nos centros de emprego ou centros de emprego e formação profissional, com capacidade de trabalho não inferior a 30 % nem superior a 90 % da capacidade normal de trabalho de um outro trabalhador nas mesmas funções profissionais, o respetivo grau de incapacidade é fixado pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), em conjunto com os Centros de Recursos.

A pessoa com deficiência terá direito aos mesmos valores atribuídos a um trabalhador com capacidade normal para o mesmo posto de trabalho, de acordo com a graduação da sua capacidade, que não pode ser inferior ao valor da retribuição mínima mensal garantida ou retribuição idêntica à de um outro trabalhador para as mesmas funções ou posto de trabalho, desde que a diferença seja objeto de compensação por parte do IEFP.

No meu caso, como as minhas limitações me impedem de produzir o mesmo que a minha colega que exerce as mesmas funções, o meu vencimento mensal é pago em parceria pelo IEFP e o Centro de Apoio Social da Carregueira, meu empregador.

Claro que só consegui este contrato de trabalho porque este Centro é gerido por pessoas sensíveis e alertadas para a nossa realidade e que levam em conta as pessoas, e não a deficiência. Além de mim, trabalham no CASC outras pessoas com deficiência e a sua incapacidade nunca foi motivo para não as contratar. Pois todos sabemos que só os apoios não chegam. É fundamental mudar mentalidades para que as pessoas com deficiência sejam olhadas como iguais e respeitadas, e não olhadas como inúteis e incapazes.

Faz-me muito bem produzir.
Tanto a Convenção das Nações Unidas sobre os direitos das Pessoas com Deficiência adotada por Portugal em 2009, como a Estratégia Europeia para a Deficiência da Comissão Europeia, apontam para a necessidade de fomentar o emprego e a empregabilidade, enquanto estratégias ao serviço da inclusão das pessoas com deficiências ou incapacidade.

Está mais que provado que a integração das pessoas com deficiência no mercado de trabalho é um fator decisivo para a sua inclusão social, independência económica e consequente valorização e realização pessoal. Todos os estudos indicam que o empregador que aposta nestas pessoas está satisfeito com o seu rendimento, daí ser muito doloroso e incompreensível o facto de continuarem a não nos darem oportunidades.

Só precisamos de uma oportunidade. Eu tive a minha e espero não a deixar fugir. Sou muito grato a esta casa. Tudo farei para retribuir a confiança.

Obrigado direção do Centro de Apoio Social da Carregueira, seu presidente Duarte Arsénio, diretora técnica Telma Leitão e a todas e todos os meus colegas utentes e colegas de trabalho..


Eduardo Jorge

4 comentários:

  1. Que bom Eduardo. Se há pessoa que merece esse trabalho és tu.Eu sei que não vais defraudar a confiança que depositaram em ti.
    Boa sorte e um grande grande abraço.

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    1. Sabes que embora confie em mim e me sinta com capacidade mental capaz de enfrentar os maiores obstáculos, ás vezes receio que as minhas limitações fisicas me atraiçoem.
      Obrigado pela força e fica bem

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  2. Muitos parabéns senhor Eduardo! Tenho seguido o seu percurso de vida e as suas lutas pela vida independente, sua e de outros com os mesmos problemas, nunca desistindo. São as pequenas vitórias que dão sentido à vida e esta foi, sem dúvida, uma grande vitória. Que sirva de exemplo a outros empregadores e a todas as pessoas com deficiência! Obrigada pela partilha.

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    1. Também desejo que isso aconteça. Embora exista a Lei de quotas de emprego que é de 2% para as empresas e 5% administração pública, e muitos incentivos, as entidades continuam a desconfiar das nossas capacidades.
      Felizmente o Centro de Apoio Social da Carregueira, teve a coragem de me dar uma oportunidade.
      Obrigado pelo carinho

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