sábado, 18 de agosto de 2018

Há famílias que continuam a ter de ir a tribunal para garantir prestação social

As queixas continuam a chegar à Associação Portuguesa de Deficientes (APD): a prestação social para a inclusão é paga por transferência bancária ou cheque só depositável na conta do beneficiário. E há técnicos da Segurança Social a aconselhar famílias a ir ao tribunal pedir que a pessoa com deficiência seja declarada incapaz de reger o seu património. Objectivo: garantir que recebem a prestação.


“Compreendo que haja aqui uma medida de segurança, ao longo dos anos recebemos algumas queixas de abusos, tanto por parte de familiares como de instituições”, concede Ana Sezudo, presidente da APD. “Em nosso entender, para que a pessoa com deficiência possa ter algum grau de independência, tem sentido que a prestação seja atribuída àquela pessoa e que só ela tenha direito a levantá-la. Acontece que existem muitos casos em que a pessoa não consegue.”

O grande problema coloca-se com quem tem deficiência intelectual. “São pessoas às vezes impossibilitadas de abrir uma conta bancária porque não podem assinar ou porque os bancos, para se acautelarem, não permitem”, nota Paula Campos Pinto, presidente do Mecanismo Nacional de Monitorização para a Implementação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Mas, no seu entender, aconselhar famílias a intentar processos de inabilitação “constitui uma violação dos direitos humanos”.

O velho regime alterado
O velho regime de interdição/inabilitação está desfasado do que hoje se reconhecem ser os direitos das pessoas com deficiência. Já não se quer que as pessoas sejam substituídas na sua vontade. Pelo contrário, quer-se que a sua autodeterminação seja respeitada, que as suas capacidades sejam aproveitadas, que o acompanhamento seja limitado ao necessário. Nesta terça-feira foi publicado o novo regime jurídico de maiores acompanhados, que entra em vigor em Fevereiro.

“Estamos a pôr fim à possibilidade de um cidadão poder ver restringidos os seus direitos fundamentais, pelo simples facto de ser uma pessoa com deficiência”, comentou a secretária de Estado da Inclusão, Ana Sofia Antunes, numa nota emitida ontem a propósito do novo regime. “A sua substituição por pessoa idónea para a prática de actos concretos é previamente definida por um juiz, imprimindo-se assim muito maior transparência e simplificação a esse processo”, lê-se ainda.

Foi em Março que Jorge Falcato, deputado do BE, denunciou no Parlamento “a exigência da Segurança Social da inabilitação de centenas, senão milhares de pessoas com deficiência”. Compreende que a ideia era “empoderar” as pessoas com deficiência, protegê-las de eventuais abusos. Lamenta que tenha servido para algumas ficarem meses sem receber a prestação.

A secretária de Estado deu naquela altura orientações aos serviços para que, temporariamente, permitissem que os cuidadores a recebessem “mediante o preenchimento de uma declaração, sob compromisso de honra”. Mas como isso é transitório, há técnicos da Segurança Social e das instituições que continuam a incentivar as famílias a intentar uma acção de inabilitação. Já foram mais as famílias que recorreram à APD por causa disto, sublinha Ana Sezudo. “Neste momento, o número de atendimentos relativamente a este assunto já diminuiu um bocadinho.”

O PÚBLICO questionou o gabinete de Ana Sofia Antunes sobre o número de pessoas que estão sem receber e o motivo pelo qual continuam os cuidadores a ser aconselhados a intentar acções de inabilitação. O gabinete fez saber que estava a analisar.

A nova prestação, que entrou em vigor a 2 de Outubro de 2017, substitui 14 pensões. E abrange pessoas que, antes, ficavam de fora. Podem requerê-la todos os cidadãos nacionais, estrangeiros ou apátridas, em idade activa, com um grau de incapacidade igual ou superior a 60% adquiria antes dos 55 anos.

No final de Junho, havia 78.176 beneficiários da prestação social. A esmagadora maioria migrara de outras.

Fonte: Público

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