Associação Salvador (AS): Como surgiu este oportunidade de emprego como analista de sistemas?
Henrique Avó (HA): Eu estava a trabalhar como formador num Centro de Formação para Pessoas com Deficiência (CIDEF) e, eu e mais dois colegas, tivemos conhecimento que esta empresa estava a recrutar pessoas para a área da programação. Como era algo que me interessava bastante, não pensei duas vezes em candidatar-me.
AS: Pode explicar-nos como é o seu dia-a-dia de trabalho?
HA: Atualmente trabalho maioritariamente a partir de casa, embora, visto que recentemente adquiri uma viatura, e estou em vias de resolver um problema de acessibilidade na minha casa, espero dividir melhor o tempo entre trabalhar em casa e na empresa. Estou inserido numa equipa de vários elementos que trabalha na área da formatação e produção massiva de documentos. Grande parte do meu tempo é passada a desenvolver aplicações, mas também, e sempre que necessário, a dar suporte técnico às mesmas.
AS: Alguma vez, no decorrer do seu percurso profissional, recorreu a algum apoio por parte do Instituto de Emprego e Formação Profissional no seu processo de procura de emprego?
HA: Sim, quando terminei o ensino complementar, inscrevi-me no Centro de Emprego da minha área de residência, no entanto sem resultados. Acabei por conseguir emprego sempre através da minha própria iniciativa.
AS: Pode descrever-nos por favor como tem sido o seu percurso profissional?
HA: Tive outros empregos e trabalhei em outras áreas. Comecei numa empresa de material de segurança, desempenhando as funções de administrativo, apoiando também na parte dos orçamentos, faturação e gestão de stocks. Simultaneamente fui sempre fazendo formações na área da contabilidade e numa fase mais posterior, na área da informática e programação, o que me permitiu prosseguir como formador num centro de formação, como já referi. Daí, o bichinho e o gosto pela informática foi sempre crescendo. Como tinha muita vontade de trabalhar nesta área, fui acrescentando conhecimentos e frequentando formação pós-laboral, até que surgiu um desafio que achei que valeria a pena abraçar. Candidatei-me e aceitei a oportunidade de trabalho na empresa onde trabalho atualmente, desde 1999 que estou na Mailtec.
AS: Em termos de acessibilidades, como é o seu local de trabalho?
HA: Em termos de acessibilidade o edifício não põe dificuldades. Tenho até um lugar de estacionamento. Além disso, a empresa dotou o edifício com um WC adaptada, que não existia. Temos de dar mérito e valorizar as empresas que não têm receio de nos contratar, e ainda se preocupam em nos dar condições de igualdade, e qualidade de vida no local de trabalho.
AS: Recentemente adquiriu uma viatura adaptada, como já referiu, que lhe irá permitir deslocar-se mais regularmente para o trabalho. Pode partilhar connosco o tipo de adaptação que foi feita?
HA: É uma carrinha, que além das adaptações de condução um pouco complexas, devido às minhas limitações, é também acessível à cadeira de rodas elétrica. Através de uma plataforma lateral, consigo não só entrar na viatura, como também ter acesso ao posto de condução, tudo sem ter de me transferir, pois conduzo a partir da própria cadeira de rodas. Visto não ser autónomo nas transferências, esta solução torna-me independe sempre que preciso me deslocar, seja para o trabalho ou para onde necessite. Assim muda tudo para melhor.
AS: O que acha que poderão ser os fatores diferenciadores para que as pessoas com mobilidade reduzida possam integrar com sucesso o mercado de trabalho?
HA: Existem alguns que considero mais importantes. A mobilidade e as acessibilidades são determinantes, sem elas não conseguimos "estar" em lado nenhum, muito menos em condições de igualdade na disputa por uma oferta de trabalho. Temos de oferecer a quem contrata as mesmas vantagens que outras pessoas sem limitações.
No mesmo grau de importância do que acabei de referir, julgo que devemos apostar fortemente na formação, pensarmos numa área de que gostemos, que nos realize, e especializarmo-nos o mais possível. Depois, temos que provar que temos valor e somos capazes como qualquer outro, e dissipar algum tabu que possa existir sobre alguém que tenha uma deficiência.
Sei, por experiência, que não é fácil, e julgo que estes são, entre outros, os pontos fundamentais. Como seria bom que todos pudéssemos ter acesso a eles, muita gente com valor e competência fica de fora, sem provar o que vale, só porque tem uma deficiência. O Ronaldo sem bola, nunca poderia ter mostrado o talento que tem para jogar futebol!
AS: Pratica algum desporto ou tem algum hobby que gostasse de partilhar?
HA: Para já não pratico nenhum desporto. Escrever é algo que gosto muito de fazer, por vezes até me serve de terapia. Mantive um blog que ia atualizando assiduamente durante 3 anos, mas a falta de tempo e algum cansaço fez com que, por agora, este esteja parado. Tenciono continuar a escrever um livro que iniciei, mas pelo mesmo motivo que o blog, parei o livro também. Mas é um projeto para levar por diante, assim que me sinta com mais disponibilidade.Também gosto muito de cinema e, estar com os amigos. É algo que também me dá prazer e faz muito bem!
AS: Que mensagem gostaria de deixar a outras pessoas com mobilidade reduzida que estão neste momento à procura de emprego?
HA: O nosso dia-a-dia é sempre mais exigente e esforçado do que qualquer outra pessoa sem limitações. Temos sempre de ter presente connosco muita determinação para "vencer" as tarefas diárias. É essa mesma determinação e espírito que devemos usar na busca por um emprego, e na sua manutenção também. As dificuldades são mais que muitas mas a nossa abnegação tem de ser superior. Considero ser muito importante apostarmos na nossa qualificação, seja através do ensino académico (para quem tiver essa oportunidade), seja procurando outro tipo de formação/cursos. Se formos competir por um lugar que não requeira grande especialização, estaremos a ser confrontados com um número de candidatos muito maior do que um que exija conhecimentos mais específicos. Além do mais, no meu caso, não posso trabalhar em diversas áreas, por isso escolhi a informática onde estou em pé de igualdade com os demais. E claro, como em tudo na vida, um pouco de sorte também é preciso, mas não chega para lá chegar. Não temos mesmo outro remédio se não lutar mais do "que os outros" e demonstrar que somos capazes. Sozinho ninguém faz nada, mas quando se tem família e amigos como eu tenho, fica mais fácil fazer a minha parte...e essa, nunca a deixo por fazer.
Fonte: Associação Salvador
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