Alexandre era uma criança igual a todas as outras, mas tinha uma particularidade, nasceu sem poder andar. Nem toda a gente nasce prefeito, nem todas as deficiências ou doenças têm uma cura e quando isto acontece tem que se aprender a viver assim.
Alexandre cresceu e foi para a escola, como todos os meninos. Ia no seu carrinho de bebé, já apertado. O pai e a mãe haviam prometido uma cadeira de rodas, mas o dinheiro... o dinheiro, é sempre o dinheiro o problema... A fábrica onde o pai trabalhava fechou, e o dinheiro que a mãe ganhava quase não dava para pagar as despesas. Alexandre compreendia isso, por isso não dizia nada. Mas sonhava com uma cadeira de rodas.
Na escola, os colegas empurravam o carrinho, mas quando tocava para o intervalo todos saiam a correr e ele ficava esquecido na sala.
- Venham-me buscar, por favor, também quero ir ao intervalo.
Alexandre estava sempre dependente dos outros para ir onde quer que fosse e isso deixava-o triste. Ele queria ir, queria ir sem ter de pedir que o levassem.
Um dia a professora anunciou, na sala de aulas, uma visita de estudo.
- Para a semana vamos visitar a Assembleia da Republica. Vocês sabem o que é a Assembleia da Republica?
- Sim, sabemos. É a casa onde os deputados aprovam as leis do país.
A professora sorria perante tanto entusiasmo. De repente, o seu rosto ficou pesado, o seu sorriso desapareceu.
- Tu, Alexandre, não vais poder ir. Lá há muitas escadas, muitos carros estacionados em cima dos passeios...
As lágrimas vieram aos olhos do Alexandre. Ele queria ir. Se ao menos tivesse uma cadeira de rodas, se não houvesse escadas, se as pessoas soubessem como é irritante estar dependente dos outros... Tocou para o intervalo e nesse dia todos empurraram o carrinho do Alexandre. Era muito triste ficar sozinho na escola.
- Temos que pensar numa maneira de ires connosco.
- Podemos levá-lo ao colo.
- E como subimos para o autocarro? Ele é muito pesado.
- E se fossemos nós e pedíssemos aos governantes que dessem uma cadeira de rodas ao Alexandre?
- Muito boa ideia. Vamos falar com a professora.
Alexandre sorriu, mas pensou nos outros meninos como ele.
- Sim, vamos pedir que dêem uma cadeira de rodas a todos os meninos que precisam.
A turma estava radiante.
- Não contamos nada à professora, os adultos complicam sempre tudo, o melhor é fazermos isto à nossa maneira.
Os intervalos passaram a ser cheios de segredinhos e cochichos. A professora já andava desconfiada que algo se passava.
Chegado o esperado dia, logo cedo, Alexandre e um grupo de colegas, os mais fortes, estavam perto do autocarro. Assim que o motorista abriu a mala para as mochilas, os colegas trataram de pegar no pobre rapaz e metê-lo na mala do autocarro.
- Vai lá para o fundo e fica caladinho que a viagem não demora muito.
- Isto ainda vai dar mau resultado.
- Não vai nada. Quando chegarmos, já lá estamos. Depois se resolve.
- Mete depressa as mochilas à frente que o motorista já aí vem.
- Já aqui estão? Isso é que é pressa. Para as aulas não se despacham vocês.
- Hã! Então estavam aí!!! E eu à vossa procura. Viram o Alexandre? Queria dar-lhe um beijinho antes de partirmos.
- Ele ficou em casa. Vamos embora para não chegarmos tarde.
Todos entraram para o autocarro e o motorista fechou a mala. O autocarro partiu, a turma ia caladinha, mas agitada. A professora achou estranho, os seus alunos andavam muito estranhos desde há uns dias.
Quando chegaram e o motorista abriu a porta a primeira coisa que viu foi a cabecinha do Alexandre.
- O que é que fazes aqui? Deves estar todo partido e cheio de dores no corpo. Isto é lá maneira de se viajar? Quem te meteu ai?
- Oh meu Deus! Eu bem que andava desconfiada que alguma vocês estavam a preparar. E agora? Que fazemos? Quem foram os autores desta brincadeira?
A turma inteira chegou-se à frente.
- Fomos nós todos. Não era justo ele ficar.
Já mais calmo, o motorista retirou o Alexandre da bagageira e sentou-o num banco de jardim.
- Então, rapaz, isso é que é força de vontade! Mas porque é que não contaram? Podia ter havido um acidente, podias ter ficado magoado. Estás bem?
- Estou até muito bem. Aquilo parecia um carrossel.
- E agora como vamos?
- Nada de dramas. Ele vai às minhas cavalitas e assunto resolvido.
- Vamos em fila, de mãos dadas e, por favor, portem-se bem. Não quero mais disparates. Não me deixem ficar mal.
Ao chegarem à Assembleia da República, as crianças ficaram deslumbradas. Aguardaram numa sala com lindos quadros antigos e tapetes vermelhos, onde foram recebidos pela presidente da Assembleia.
- Bom dia! Que lindas crianças! Vieram então conhecer a Assembleia da República?
- Não, – respondeu a Maria, que era a mais espevitada da turma – viemos aqui pedir uma cadeira de rodas para o Alexandre.
- Para mim e para todos os que precisam.
- Quer então dizer que vieram pedir uma cadeira de rodas.
- Sim. Os governantes, mesmo aqueles que podem andar, têm carro, têm direito a um carro!... Recebem muito dinheiro de ordenado. Pensamos que podia ser dividido por aqueles que realmente necessitam de se deslocar e não podem andar de autocarro.
- Oh!oh!oh! – riu a presidente. Isso não é assim. Tudo o que os governantes recebem está na lei, e é o povo que escolhe os deputados que depois aprovam as leis. A senhora professora vai ter que vos ensinar estas coisas na escola, não sei o que ela está a fazer...
E, virando-se para o Alexandre, acrescenta:
- Temos pena, mas não podemos fazer nada. Tens que ter fé e rezar muito. Deus ajuda os meninos bons e obedientes, não os meninos mal comportados.
A professora estava estupefacta. Nunca lhe tinha ocorrido que os seus alunos fossem capazes de fazer uma coisa daquelas.
A Presidente já não estava a gostar nada daquilo. Crianças demasiado espertas para o gosto dela e, para se ver livre daquela situação o mais rapidamente possível, acrescenta:
- Agora, como se portaram muito mal, perderam o direito de ver o parlamento e vão é todos de castigo lá para fora.
Dizendo isto, abriu uma porta e começou a empurrar as crianças, a professora e o motorista para fora.
O Alexandre estava muito triste, tanto sacrifício para nada. Cerrou os punhos de raiva. Queria ir para onde lhe apetecesse, sem ter que pedir ajuda aos outros. Deixa escapar um grito de angústia e raiva:
- EU QUERO SER LIVRE.
Dito isto, abre os braços e, qual não é o seu espanto, consegue voar. E a voar, cruza os céus e passa para lá da Via Láctea.
Embasbacadas ficaram as crianças, o motorista e até a presidente da Assembleia. E a professora exclama:- Ninguém pode prender a vontade.
Fonte: Paralelo
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