quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Numa gaiola em frente da Assembleia da República aos cuidados Presidente da República, Primeiro Ministro e Ministro Vieira da Silva

DE 1 a 4 de DEZEMBRO de 2018 
Frente à Assembleia da República

NUMA CAMA E FECHADO NUMA GAIOLA, AOS CUIDADOS DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, PRIMEIRO-MINISTRO E MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE SOCIAL 

- POR UMA VIDA INDEPENDENTE - 



Eu, Eduardo Jorge, tetraplégico dependente de terceiros, com 90% de incapacidade, estarei nos dias 1, 2, 3 e 4 de dezembro de 2018, em frente à Assembleia da República, Lisboa, deitado numa cama, e fechado dentro de uma gaiola, que será aberta somente para permitir a entrada dos governantes convidados, numa ação de sensibilização em favor da Vida Independente.

Proponho-me a ser cuidado durante 4 dias pelo Sr. Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o Sr. Primeiro-ministro, António Costa, e ainda o Sr. Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva.

Qualquer ajuda vinda de outra pessoa será recusada.

Em defesa de uma Vida Independente

Com este meu desafio espero que consigam entender a importância da Vida Independente nas nossas vidas. Verificarão o quanto somos inúteis sem apoio de um assistente pessoal e, desse modo, tentar sensibilizá-los para a urgência do projeto se tornar uma realidade.

Esta prometida Vida Independente, criada pelo Decreto-lei nº 129/2017 de 9 de outubro, continua a não sair do papel, pelo que eu, e muitas outras pessoas com deficiência continuamos presos nas nossas casas e em lares de idosos contra a nossa vontade.

Por esta demora em iniciar o projeto-piloto Modelo de Apoio à Vida Independente, encontramo-nos profundamente angustiados pela prisão forçada em que nos encontramos, facto que me leva a ser obrigado a tomar esta medida, num derradeiro esforço de mostrar aos nossos governantes a importância da Vida Independente, para cidadãos dependentes como nós.

Processo paralisado, porquê?

Esta ação de protesto já esteve para ser realizada por mim em Maio de 2017. No entanto, a iniciativa foi anulada porque foram realizadas pelo Governo algumas das alterações solicitadas no Modelo de Apoio à Vida Independente, apresentado na altura, e tudo parecia estar no bom caminho para que o projeto se iniciasse em breve. No entanto, passados 18 meses, nada aconteceu.

Como ativista dos direitos das pessoas com deficiência, e responsável pelo blog tetraplegicos.blogspot.com, e Movimento nas redes sociais “Nós Tetraplégicos” já realizei e participei em várias ações de sensibilização e protesto, entre as quais: vigílias frente à Assembleia da República; greve de fome em 2013; e uma viagem de 180 kms, em cadeira de rodas, durante 3 dias, em 2014. Apesar de todas estas iniciativas, encontro-me neste momento institucionalizado num lar de idosos por falta de um projeto de Vida Independente em Portugal.

PLANO DE CUIDADOS DIRIGIDO AOS GOVERNANTE DESAFIADOS 

Exmos Senhores, em maio do ano passado fiz-lhes chegar um desafio, que iniciava assim: “O conceito de Vida Independente foi desconhecido para mim durante anos. A partir do momento que o conheci, prometi a mim mesmo que tudo faria para conseguir a sua implementação em Portugal, mas nos moldes em que me foi dado a conhecer, tal como existe noutros países, e não conforme consta na recente proposta apresentada pelo Governo.”

Desafio consistia em me entregar aos vossos cuidados, numa cama, em frente à Assembleia da República, durante 3 dias.

Anulei a iniciativa porque foram realizadas algumas das alterações solicitadas no modelo de Vida Independente e tudo parecia estar no bom caminho para que o projeto iniciasse em breve.

Mas 18 meses depois a prometida Vida Independente, criada pelo Decreto-lei nº 129/2017 de 9 de Outubro, continua a não sair do papel, e eu, e muitas outras pessoas com deficiência continuamos presos em lares de idosos, e nas nossas casas contra a nossa vontade.

Em Maio de 2016 a Srª Secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, anunciava que até final desse ano, seriam abertas as candidaturas ao financiamento dos Centros de Apoio à Vida Independente (CAVI), estamos em Novembro de 2018, e continuamos a aguardar o inicio do projeto.

Além disso, quem como eu se encontre institucionalizado não poderá beneficiar deste modelo de apoio. Quanto a nós deveria existir um período de transição que permitisse a desinstitucionalização em pleno, mas mais uma vez a nossa reivindicação foi ignorada. Assim como foi ignorada a exigência do aumento de financiamento por CAVI, pois os valores propostos não permitem disponibilizar as horas necessárias de apoio a quem se encontra mais dependente. Todos sabemos que 2 horas e 30 minutos de apoio diário, não é vida independente. Com este número de horas diárias de assistência, ninguém dependente pode autonomizar-se e viver na sua casa.

Na altura referia que pouco valeu a greve de fome que fui obrigado a iniciar em 2013 e a viagem de 180 kms, em cadeira de rodas, durante 3 dias, em 2014 pelo direito à Vida Independente. Também afirmava que a realidade da vida das pessoas com deficiência, dependentes de outros, como eu, é desconhecida da generalidade das pessoas, assim como as nossas necessidades são normalmente esquecidas por quem tem o poder de legislar e decidir sobre as nossas vidas.

Também desabafava que até para poder reivindicar o direito a viver como quero, onde quero, e com quem quero, preciso de assistência pessoal.

Na altura suspendi a ação de protesto, mas como pouco ou nada foi feito até ao momento para efetivar a Assistência Pessoal, resolvi levar a ação avante, desta vez estarei dependente dos cuidados de V. Exas durante os dias: 1, 2, 3 e 4 de dezembro de 2018.

Dia 3 de Dezembro é comemorado o dia internacional da pessoa com deficiência, dia em que geralmente V. Exas se desdobram em ações de comemoração por todo o país. No entanto, nós, pessoas com deficiência, pouco temos para comemorar pois os discursos não combinam com a realidade. No meu caso, vou comemorar da maneira mais real, mostrando como é estar dependente de terceiros, como é mesmo ter uma deficiência. Mesmo estando ciente que será um dia de sofrimento.

Ao colocar-me aos cuidados de V. Exas, ficarão a conhecer as reais necessidades de uma pessoa com deficiência, dependente de terceiros. Terão a oportunidade de verificar através do meu exemplo que não são poucas as necessidades, que terão de assegurar, como a minha higiene, alimentação, posicionamento na cama, transferência da cama para a cadeira, etc. Caso não aceitem o meu pedido, ficarei abandonado, pois não permitirei que outros realizem tais tarefas.

Com este meu desafio, que encaro como uma derradeira forma de sensibilização, vão conseguir entender a importância da Vida Independente nas nossas vidas. Verificarão o quanto somos inúteis sem apoio de um assistente pessoal, e desse modo tentar sensibilizá-los para a urgência de o projeto se tornar uma realidade.

Caso recusem, não aceitarei assistência de outras pessoas. Ficarei entregue a mim mesmo como acontece tantas vezes na minha vida, tal como muitos outros, nas mesmas ou mesmo piores circunstâncias que eu. Não poderei alimentar-me, sair, ou virar-me na cama, ou cuidar da minha higiene, entre outras necessidades.

Note-se que sou um cidadão com plenas capacidades mental. Tenho o direito de mostrar a minha indignação, e fazer esta escolha.

PLANO DE CUIDADOS DETALHADO 

SÁBADO DIA 01 (a cargo do Srº Presidente da República): 

Início da ação: 14h00 (deitar-me, o que implica transferir-me da cadeira de rodas para a cama, tirar-me a roupa e posicionar-me na cama em decúbito lateral esquerdo (deixar-me sobre o lado esquerdo do corpo);

18h00 voltar a posicionar-me na cama, desta vez virar-me, e deixar-me sobre o meu lado direito, lavar-me as mãos, e servir-me o jantar que será composto por uma sandes de queijo;

23h00 realizar-me a higiene íntima e posicionar-me em decúbito ventral (de barriga para baixo) e despejar o saco coletor de urina;

03h00 virar-me mais uma vez, desta vez deixar-me virado para o meu lado esquerdo;

07h00 (fim do apoio *) posicionar-me em decúbito dorsal, ou seja deixar-me na posição de costas.

*Como não me assistiu durante a manhã, gostaria de ter o seu apoio também na manhã do dia 04, último dia.

DOMINGO DIA 02 (será o dia de depender do Srº Primeiro Ministro): 

09h30 como um banho está fora de questão, preciso que me apoie na higiene matinal que consiste em lavar-me o rosto, tronco, zonas íntimas e desinfetar o cistocateter que serve de dreno da urina da bexiga, e substituir proteção do orifício que leva a sonda até á bexiga, mudar de roupa, servir-me o pequeno-almoço que será um pacotinho de leite simples, e três bolachas de água e sal barradas com marmelada, despejar o saco coletor de urina e deixar-me posicionado sobre o meu lado direito do corpo;

13h00 lavar-me as mãos, servir-me o almoço que será uma sandes de queijo, depois mudar-me de posição, desta vez deixar-me de costas;

17h00 virar-me para o meu lado esquerdo do corpo e servir-me uma banana como lanche;

21h00 realizar-me higiene geral, virar-me para o lado direito, servir-me o jantar que será uma sandes de queijo;

24h00 virar-me de barriga para baixo, e despejar o saco coletor de urina;

04h00 (última tarefa do dia) virar-me para o lado esquerdo do corpo;

SEGUNDA FEIRA DIA 03 (será a vez do Srº Ministro Vieira da Silva): 

08h00 virar-me de costas, realizar-me a higiene matinal que consiste em lavar-me o rosto, tronco, zonas íntimas e desinfetar o cistocateter que serve de dreno da urina e substituir proteção do orifício que leva a sonda até á bexiga, mudar a roupa da cama e do corpo, e servir-me o pequeno-almoço que será um pacotinho de leite e três bolachas de água e sal barradas com marmelada, e despejar o saco coletor de urina;

12h00 lavar-me as mãos, servir-me o almoço que será uma sandes de queijo, mudar-me de posição, desta vez virar-me para o lado direito do corpo;

16h00 virar-me para o lado esquerdo, servir-me uma banana como lanche e despejar o saco coletor de urina;

20h00 virar-me de costas, fazer-me higiene, servir-me o jantar que será uma sandes de queijo;

24h00 realizar-me a higiene íntima e posicionar-me de barriga para baixo;

04h00 (último apoio do dia) virar-me para o lado direito e despejar-me a urina.

TERÇA FEIRA DIA 04 (caso aceite, e por só estar a seu cargo durante a manhã do dia 01, a última manhã ficará também por conta do Srº Presidente da República): 

09h00 na impossibilidade de tomar banho, realizar-me a higiene matinal que consiste em lavar-me a cara, tronco, zonas íntimas e desinfetar o cistocateter que serve de dreno da urina, e substituir proteção do orifício que leva a sonda até á bexiga, vestir-me, servir-me o pequeno-almoço que será um pacotinho de leite e três bolachas de água e sal barradas com marmelada, despejar o saco coletor de urina e transferir-me para a cadeira de rodas, dando por encerrada a ação.

Notas Finais

Mais uma vez refiro que caso V. Exas se recusem a aceitar o proposto, ficarei totalmente sozinho durante o período assinalado.

Gostaria de salientar que não se trata de um ultimato ou chantagem, aceitarei a recusa com naturalidade, pois o que me move é a causa e esta ação é somente isso, mais uma ação.

Neste documentário do jornal Público, podem conhecer melhor o meu dia-a-dia, as razões da minha luta constante, e o que realmente é a Vida Independente que tanto almejamos: http://www.publico.pt/multimedia/video/o-que-e-isso-de-vida-independente-20151013-170549

Nota: todos os alimentos serão adquiridos por mim e colocados à vossa disposição, assim como será da minha responsabilidade todo o material necessário para a realização das atividades.

A ação de protesto na imprensa:

Vida Independente: Atrasos na atribuição de assistentes pessoais desmoralizam quem espera há anos



Embora assistente pessoal, não se possa confundir com cuidador informal, deixo a minha solidariedade para os mais de 800 mil cuidadores informais deste pais, que são obrigados a abdicar das suas vidas, para cuidar dos seus familiares, e travam também uma enorme e justa batalha pelo reconhecimento do seu trabalho, e criação do estatuto do cuidador informal. Nesta reportagem do DN, um pequeno exemplo das suas dificuldades:

Nesta reportagem do DN, um pequeno exemplo das suas dificuldades:

https://www.dn.pt/edicao-do-dia/31-out-2018/interior/elas-sao-a-sombra-dos-filhos-a-espera-de-uma-lei-que-as-proteja-10017770.html

Informações e contactos

https://tetraplegicos.blogspot.com/

https://www.facebook.com/nos.tetraplegicos/

Contacto pessoal: tetraplegicos@gmail.com

Centro de Apoio Social da Carregueira, 21 de novembro de 2018

3 comentários:

  1. Eduardo infelizmente sinto a mesma revolta, gostava imenso de tmbém me juntar a esse protesto, mas... como???!!
    Irei acompanhar e divulgar as noticias... Muita força, boa sorte e o resto Deus cuida

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  2. Já enviei o meu comentário há dias danto todo o meu apoio ao seu manifesto! Vivi anos a fio o mesmo drama e contra ele tenho lutado, porque tive um primo que era mais do que irmão (sempre viveu com minha mãe e não com os pais, e nós passamos a ser a sua família)que sofria de paralisia cerebral, tendo ficado totalmente dependente nos últimos 9 anos da vida dele. Com reforma de 247,00 e um apoio da 3ª pessoa de 75,00 da ADSE, que mais tarde se traduziu num miserável apoio de 62,00 aproximadamente quando obrigaram minha mãe, cuidadora de 89 anos na altura, a coletar-se nas finanças para declarar os miseráveis 75,00 para ajudar em despesas mensais que ascendiam aos 700,00! Primo esse que morreu vitima da não admissão atempada na rede de cuidados continuados dos açores (apenas cuidados de curta duração, para tratar de infeções várias que ia surgindo) e que culminaram numa septicémia. Agora chegou a vez de minha mãe passar a ser "cuidada" por mim. Apesar de acamada a junta médica ainda não a considerou totalmente dependente porque no ano passado ainda comia com a sua mão, daí o apoio para a terceira pessoa não passar dos tb miseráveis 92,00 que o Eduardo recebe, para despesas que só em pessoal ascendem os 960,00 mensais. E o Sr Presidente da Républica, de quem aliás fui aluna e até estimo, esteve a par de toda esta luta, atendendo a que o provedor de justiça, que tem por missão defender o direito de idosos e doentes, acabou por achar que o grau de concretização dos direitos destas pessoas constitucionalmente consagrados depende da situação económica do país. Eu pergunto-me: não será antes a situação económica do país a ter que se adaptar e ajustar-se aos direitos destas pessoas, que têm que ser garantidos a qualquer custo?

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