sábado, 5 de janeiro de 2019

Centro de Inclusão Social ou de segregação na Madeira?

O Centro de Inclusão Social da Madeira (CISM), que será inaugurado em Janeiro próximo no Funchal, é apresentado pelo executivo madeirense como uma infra-estrutura de “referência” para o país, mas a Associação Portuguesa de Deficientes (APD) preferia que os quase sete milhões de euros que vai custar fossem investidos em medidas de inclusão.
O edifício, com uma área a rondar os 10 mil metros quadrados, apresenta um leque alargado de valências, entre as quais um apartamento para treino de vida diária e uma área complementar para formação e treino de autonomia. “Responde às necessidades actuais da região e também perspectiva as necessidades futuras”, resumiu aos jornalistas a secretária regional da Inclusão e dos Assuntos Sociais, Rita Andrade, numa visita recente ao futuro centro, que está em fase de conclusão. Será, acrescentou, uma infra-estrutura de referência para Portugal, e mesmo dentro do espaço ibérico.

Rita Andrade sustenta o discurso no conjunto de serviços e de respostas que o CISM vai dar. Área terapêutica com ginásio de psicomotricidade e fisioterapia, psicologia, terapia ocupacional e da fala, música, sala de snoezelen para estímulos sensoriais, cozinha, sala de trabalhos manuais, sala de têxteis, sala de cerâmica e pintura, horta pedagógica e um canil. O centro tem também um lar de internamento para 51 pessoas. É principalmente em relação ao lar que a APD é mais crítica.

“Julgamos que os milhões de euros investidos poderiam ter sido aplicados em assegurar uma educação inclusiva de qualidade, formação profissional inclusiva de qualidade e na acessibilidade”, diz ao PÚBLICO a presidente da APD, Ana Sezudo, argumentando que estas, sim, são medidas que visam a inclusão das pessoas com deficiência na comunidade e não o seu isolamento e segregação.

“Retrocesso civilizacional”

A APD fala mesmo em “retrocesso civilizacional” quando olha para o CISM, considerando que a “institucionalização de pessoas com deficiência”, mesmo em “equipamentos dotados de serviços bem apetrechados”, mais não é que a “segregação de seres humanos”

O governo madeirense rejeita esta leitura. O Instituto de Segurança Social da Madeira (ISSM) lembra ao PÚBLICO que a “estrutura de lar residencial sempre existiu quer a nível regional, quer a nível nacional”, e que os utentes que irão ocupar este espaço já se encontram em regime de internamento, noutras instalações com menos condições.

“Só são institucionalizados os utentes cujos pais não têm condições ou possibilidades de transportar diariamente os seus familiares. A decisão de institucionalizar cabe sempre aos familiares”, indica o ISSM, sublinhando que a única preocupação é “providenciar as melhores condições de vida possíveis” a pessoas com necessidades especiais, promovendo o acompanhamento das respectivas famílias.

Para o CISM, além do lar residencial, transitam serviços e valências dos vários centros de actividades ocupacionais (CAO) do Funchal. Os restantes, dispersos pela ilha, vão continuar a funcionar, mas também vão beneficiar das ofertas disponibilizadas na nova infra-estrutura.

A APD carrega nas críticas. O Estado português, lembra Ana Sezudo, ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, reconhecendo a igualdade de direitos que todos têm de viver em comunidade. “[Portugal] comprometeu-se a tomar as medidas eficazes e apropriadas para a sua total inclusão e participação na comunidade”, diz, considerando que a “concentração e isolamento” de pessoas com deficiência numa instituição constitui uma “violação clara” destes compromissos.

“A Comissão sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência nas observações finais sobre a implementação da convenção recomendou ao Estado português que eliminasse os locais de trabalho segregados, incluindo a revisão da legislação que regula os CAO, o que não foi feito até à data”, alerta a responsável pela APD.

O CISM, ressalva o executivo madeirense, não é única resposta da Madeira às pessoas com necessidades especiais. Existe, garante o gabinete de Rita Andrade, um conjunto de programas que promovem a inclusão, tanto ao nível do ensino como do emprego, que vão desde a majoração de subsídios a bolsas de formação e incentivos à contratação.

Fonte: Público

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