domingo, 28 de setembro de 2014

Carta aberta entregue ao Sr Secretário de Estado do MSSS após a viagem de protesto por uma Vida Independente

Exmo Sr. Secretário de Estado da Solidariedade e Segurança Social Agostinho Branquinho.

Como deve estar recordado, há quase um ano, anunciei que iria entrar em greve de fome até ter garantias que iria ser iniciado um processo legislativo que garantisse uma Vida Independente às pessoas com deficiência que, tal como eu, necessitam de apoio para cumprir as tarefas do dia-a-dia.

Por proposta sua, reuni consigo, estando presentes também representantes do Movimento (d)Eficientes Indignados (MDI). Nessa reunião explicámos o conceito de Vida Independente. Sublinhámos os pontos que consideramos indispensáveis para desenvolver uma política que promova a autonomia e o direito a uma vida digna fora das instituições, tais como o pagamento directo às pessoas com deficiência da quantia necessária à contratação dos assistentes pessoais e a liberdade na escolha da pessoa que presta assistência.

Defendemos uma política em que a pessoa com deficiência seja dona sua própria vida, com a possibilidade de decidir onde, como e com quem viver. Uma política que inverta a tendência institucionalizadora seguida até aos dias de hoje pelos sucessivos governos.

Não estamos sozinhos nesta pretensão. A Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada por Portugal, é clara na recomendação da implementação da Vida Independente. E, como sabe, esta é também uma orientação da Comunidade Europeia para a aplicação dos fundos do próximo quadro comunitário de apoio.

Após a referida reunião, interrompi a greve de fome que estava disposto a prosseguir até às últimas consequências, porque Vexa me garantiu que o processo de redacção de uma lei de Vida Independente/Assistência Pessoal começaria no final de Janeiro, com a participação do MDI e demais representantes da comunidade das pessoas com deficiência.

“Nada sobre nós sem nós”, velho slogan que continuo a reafirmar.

Em Janeiro, nem uma reunião que estava prevista para a primeira semana teve lugar. Teve de ser o MDI a solicitá-la e ocorreu apenas a 27 de Fevereiro. Nessa reunião assisti a uma alteração de posições da Secretaria de Estado. Fomos informados, numa clara violação dos compromissos assumidos, que nada mais passaria pela colaboração com MDI e que já estava decidido apenas promover a formação de Assistentes Pessoais sem que tivéssemos sequer sido informados dos conteúdos dessa formação. A Secretaria de Estado revelou a sua incapacidade para colaborar com as organizações de pessoas com deficiência, impondo a sua vontade, não aceitando nem propostas nem críticas às suas decisões.

O conceito de Vida Independente foi resultado de muitos anos de luta pelo direito a viver de uma forma digna. Foi uma conquista das pessoas com deficiência. Não é admissível que a implementação de uma política de Vida Independente seja feita contra ou ignorando a Comunidade de pessoas com deficiência. Muito menos num País democrático.

Está em causa em o direito à autodeterminação de cidadãos portugueses.

Está em causa acabar com o internamento compulsivo de milhares de portugueses, fechados contra a sua vontade em lares para idosos ou outras instituições residenciais.

Sejamos sérios: Estas instituições recebem por pessoa internada 950 euros mensais. Pagos pelo Estado. Recebem ainda até 85% do rendimento da pessoa internada. Todos os estudos existentes demonstram que a Vida Independente sai mais barata ao Estado, gera mais emprego, e aumenta a satisfação e qualidade de vida dos utentes.

A quem interessa manter esta situação? Haja coragem de enfrentar estes interesses.

Somos contribuintes. O Governo pode usar o nosso dinheiro para nos encarcerar, mas não pode usá-lo para nos dar independência e uma vida digna? Que interesses está a proteger?

Sabemos que uma mudança desta envergadura precisa de tempo. Mas essa é mais uma razão para não estarmos parados. Temos que dar passos concretos.

Tenho o direito de exigir:

1. Um projecto-piloto de Vida Independente, à escala nacional, que abranja pelo menos 100 pessoas com necessidade de assistência pessoal, a entrar em funcionamento no prazo máximo de 6 meses.
2. Constituição no prazo de um mês de um grupo de trabalho que integre o MDI e outros representantes da Comunidade de pessoas com deficiência para definir os detalhes necessários à concretização deste projecto-piloto.
Isto parece-lhe pedir muito? Acha difícil? Acha demais? A mim não me parece. Especialmente considerando que acabei de fazer 180 km numa cadeira de rodas, pondo em risco a minha vida para lhe entregar esta carta.

Caso isto não seja cumprido, farei mais. E sei que seremos muitos mais a fazer muito mais.

Atentamente

Eduardo Jorge

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