quarta-feira, 10 de maio de 2017

Protesto: numa cama aos cuidados do Presidente da República, PM e MTSSS

Pelo direito a uma Vida Independente (VI) irei estar durante 4 dias (21 a 24/5), deitado numa cama, em frente da Assembleia da República, totalmente dependente dos possíveis cuidados do Sr. Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, Sr. Primeiro Ministro, António Costa e Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva.


Convite enviado no dia 9 de maio de 2017

Exmos Senhores
Presidente da República
Primeiro Ministro
Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

Exmos Senhores, o conceito de Vida Independente foi desconhecido para mim durante anos. A partir do momento que o conheci, prometi a mim mesmo que tudo faria para conseguir a sua implementação em Portugal, mas nos moldes em que me foi dado a conhecer, tal como existe noutros países, e não conforme consta na recente proposta apresentada pelo Governo.

A luta pela sua implementação mobilizou, e continua a mobilizar, muitas pessoas com deficiência, que se têm batido por uma verdadeira Vida Independente. Pela minha parte destaco a greve de fome que fui obrigado a iniciar em 2013 e a viagem de 180 kms, em cadeira de rodas, durante 3 dias, em 2014.

Ações que se revelaram insuficientes, pois encontro-me institucionalizado num lar de idosos. Tendo em conta o que agora nos propõem, verifico que a proposta de “Modelo de Apoio à Vida Independente” não corresponde à filosofia pela qual tanto luto e sonho, daí ter resolvido denunciar as incongruências do modelo de Assistência Pessoal proposto pelo governo e lutar pela sua alteração.

A realidade da vida das pessoas com deficiência, dependentes de outros, como eu, é desconhecida da generalidade das pessoas. As nossas necessidades são normalmente esquecidas por quem tem o poder de legislar e decidir sobre as nossas vidas.
Até para poder reivindicar o direito a viver como quero, onde quero e com quem quero, preciso de assistência pessoal. Por isso decidi entregar-me, durante quatro dias, aos cuidados de V. Exas.

Poderão assim V. Exas ter a oportunidade de conhecer as reais necessidades de uma pessoa com deficiência, dependente de terceiros. Terão a oportunidade de verificar através do meu exemplo que não são poucas as necessidades, que terão de assegurar, como a minha higiene, alimentação, posicionamento na cama, transferência da cama para a cadeira, etc. Caso não exista disponibilidade da parte de V. Exas aceitar o meu pedido, ficarei abandonado, pois não permitirei que outros realizem tais tarefas.

Esta chamada de atenção prende-se como facto de o Governo ter respondido às nossas reivindicações, apresentando recentemente uma proposta que designou por "Modelo de Apoio à Vida Independente (MAVI)".

Que fique bem claro que a proposta apresentada pouco tem de Vida Independente. Não sou o único que o diz. Foram muitas as organizações que reagiram com preocupação e crítica ao modelo proposto. Dezenas de organizações, como por ex. as que subscreveram as reações do Mecanismo Nacional de Monitorização da Implementação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ou do Observatório dos Direitos Humanos e Deficiência.

Para nós, Vida Independente é passarmos a ser os donos das nossas vidas, termos um assistente pessoal ao nosso lado, sem imposições economicistas, que substitua os nossos braços, mãos, olhos, ouvidos e pernas de maneira a sermos livres e independentes como os demais, e não estarmos sujeitos ao número de horas de apoio impostas por mais um serviço de apoio domiciliário disponibilizado por uma IPSS.

Segundo a proposta apresentada uma pessoa totalmente dependente de terceiros, terá ao seu dispor assistência pessoal nas suas atividades de vida diária, no máximo durante 40 horas semanais, apoio esse disponibilizado por centros de Apoio à Vida Independente que possuam o estatuto de IPSS e sejam reconhecidos pelo Instituto Nacional para a Reabilitação.

Todos nós sabemos que 8 horas diárias de apoio são insuficientes para libertar as pessoas dependentes de terceiros para realizar a maioria das atividades da vida diária, como é o meu caso. Além disso não se entende a obrigatoriedade deste serviço ser exclusivo das IPSS. Esta obrigação dificulta, ou mesmo impede, a organização das pessoas com deficiência e o controlo destas sobre os serviços que lhes são disponibilizados.

A filosofia de Vida Independente é clara: o dinheiro é-nos atribuído diretamente e somos nós a escolher no mercado, assistentes pessoais ou empresas, sejam elas privadas ou pertencentes à economia social, que melhor sirvam as nossas necessidades.

Perante esta situação vejo-me obrigado a agir mais uma vez. Desta, como já referi, optei por me entregar durante 4 dias aos cuidados de V. Exas. Se aceitarem este meu desafio conseguirão entender a inadequação do modelo de Assistência Pessoal que nos é proposto, e com outro conhecimento, poderão alterar a proposta apresentada, indo ao encontro das nossas reais necessidades e reivindicações.

Caso recusem, não aceitarei assistência de mais ninguém. Ficarei entregue a mim mesmo como acontece tantas vezes na minha vida. Tal como muitos outros, nas mesmas ou mesmo piores circunstâncias que eu, não poderei alimentar-me, sair ou virar-me na cama ou cuidar da minha higiene.

PLANO DE CUIDADOS
Irei estar deitado numa cama em frente à Assembleia da República, totalmente dependente de V. Exas, nos dias 21, 22, 23 e manhã de 24/5.

DOMINGO DIA 21 (a cargo do Sr. Presidente da República):
Início da ação: 15h00 (deitar-me, o que implica transferir-me da cadeira de rodas para a cama, tirar-me a roupa e posicionar-me na cama em decúbito lateral direito (deixar-me sobre o lado direito do corpo);
19h00 voltar a posicionar-me na cama, desta vez deixar-me sobre o meu lado esquerdo, lavar-me as mãos, e servir-me o jantar que será um compal e uma sandes queijo;
23h00 realizar-me a higiene íntima e posicionar-me em decúbito ventral (de barriga para baixo) e despejar o saco coletor de urina;
3h00 virar-me mais uma vez, desta vez deixar-me virado para o meu lado direito;
7h00 (fim do apoio*) deixar-me na posição de costas.

*Como não me assistiu durante a manhã, gostaria de ter o seu apoio também na manhã do dia 24, último dia.

SEGUNDA FEIRA DIA 22 (será o dia de depender do Sr. Primeiro Ministro):
9h30 como um banho está fora de questão, preciso que me apoie na higiene matinal que consiste em lavar-me a cara, tronco, zonas íntimas e desinfetar o cistocateter que serve de dreno da urina da bexiga, substituir proteção do orifício que leva a sonda até á bexiga, substituir saco coletor de urina, trocar-me a roupa, servir-me o pequeno almoço que será um pacote pequeno de leite simples, e quatro bolachas de água e sal barradas com marmelada, despejar o saco coletor de urina e deixar-me posicionado sobre o meu lado esquerdo do corpo;
13h00 lavar-me as mãos, servir-me o almoço que será uma sandes de queijo e um compal, mudar-me de posição, desta vez deixar-me de costas;
17h00 virar-me para o meu lado direito do corpo e dar-me algumas cerejas como lanche;
21h00 realizar-me higiene geral, virar-me para o lado esquerdo, servir-me o jantar que será uma sandes de queijo e um compal;
24h00 virar-me de barriga para baixo, e despejar o saco coletor de urina;
4h00 (última tarefa do dia) virar-me para o lado direito do corpo.

TERÇA FEIRA DIA 23 (tarefas a cargo do Sr. Ministro Vieira da Silva):
8h00 virar-me de costas, realizar-me a higiene matinal que consiste em lavar-me a cara, tronco, zonas íntimas e desinfetar o cistocateter que serve de dreno da urina e substituir proteção do orifício que leva a sonda até á bexiga, mudar a roupa da cama e do corpo e servir-me o pequeno almoço que será um pacote de leite pequeno e quatro bolachas de água e sal barradas com marmelada e trocar o saco coletor de urina;
12h00 lavar-me as mãos, servir-me o almoço que será uma sandes de queijo e um compal, mudar-me de posição, desta vez virar-me para o lado direito do corpo;
16h00 virar-me para o lado esquerdo e dar-me uma maçã;
20h00 virar-me de costas, fazer-me higiene, servir-me o jantar que será uma sandes de queijo e um compal;
24h00 realizar-me a higiene íntima e posicionar-me de barriga para baixo;
4h00 (último apoio do dia) virar-me para o lado direito e despejar-me a urina.

QUARTA FEIRA DIA 24 (caso o Sr. Presidente aceite, ficará a seu cargo):
8h00 na impossibilidade de tomar banho, realizar-me a higiene matinal que consiste em lavar-me a cara, tronco, zonas íntimas e desinfetar o cistocateter que serve de dreno da urina, e substituir proteção do orifício que leva a sonda até á bexiga, vestir-me, servir-me o pequeno almoço que será um pacote de leite pequeno e quatro bolachas de água e sal barradas com marmelada, substituir o saco coletor de urina e transferir-me para a cadeira de rodas, dando por encerrada a ação.

Mais uma vez refiro que caso os V. Exas se recusem a aceitar o proposto, ficarei totalmente sozinho durante o período assinalado. Gostaria de salientar que não se trata de um ultimato ou chantagem, aceitarei a recusa com naturalidade, pois o que me move é a causa e esta ação é somente isso, mais uma ação.

Neste documentário do jornal Público, onde sou protagonista, podem conhecer melhor o meu dia-a-dia, as razões da minha luta constante e o que realmente é a Vida Independente: http://www.publico.pt/multimedia/video/o-que-e-isso-de-vida-independente-20151013-170549

A NOSSA VIDA INDEPENDENTE
Na Conferência Internacional sobre o tema, em dezembro de 2013, em Lisboa, promovida pelo Movimento (d)Eficientes Indignados e a CM de Lisboa fomos claros.

Não abdicamos destes princípios de Vida Independente: https://vidaindependentelx.files.wordpress.com/2015/04/publicac3a7c3a3o-conferc3aancia-mvi.pdf

ALGUNS DESSES PRINCÍPIOS:
- O utilizador poderá contratar o serviço de assistência pessoal da sua escolha a fornecedores de serviços ou, directamente, contratar, treinar, supervisionar e, se necessário, despedir os seus assistentes pessoais;
- Os recursos necessários são canalizados para o utilizador de assistência através de pagamentos directos mensais que são geridos pelo próprio;
- É atribuído financiamento independentemente da causa ou diagnóstico médico relativo à deficiência da pessoa, da sua idade, da idade em que adquiriu a deficiência, da sua situação laboral ou cobertura de seguro;
- O direito ao pagamento de assistência pessoal não depende dos rendimentos ou bens do utente ou do seu agregado familiar;
- As condições de acesso a este financiamento prendem-se unicamente com as necessidades que a pessoa tem de assistência de outros para a realização de actividades da vida diária tais como higiene pessoal, comer, vestir, cuidados com a casa, apoio fora de casa, na cidade ou quando viaja, na escola, no trabalho ou nos tempos livres;
- Na avaliação das necessidades, a quantidade de horas de assistência pessoal é determinada de acordo com o que permita aos utilizadores de assistência, em combinação com o uso de produtos de apoio (ajudas técnicas), a adaptação do ambiente onde vivem e trabalham e o planeamento da acessibilidade do meio edificado da comunidade, ter as mesmas opções e oportunidades que teriam sem as suas deficiências.
Notas:
- Todos os alimentos serão adquiridos por mim e colocados à disposição de V. Exas, assim como será da minha responsabilidade todo o material necessário para a realização das atividades.
- Como a assistência vai ser repartida pelos 3 senhores, têm toda a liberdade para efetuar trocas por razões da vossa conveniência pessoal.

Atenciosamente
Carregueira, 9 de maio de 2017

Eduardo Jorge

2 comentários:

  1. A Luta do Sr Eduardo Jorge é mais um testemunho de que só temos deveres ,os nossos direitos , só se adquirem com luta e pressão somos humilhados por não conseguimos ter VÓS .
    Apoio a luta ,a determinação e coragem .do Sr Eduardo o que faz é uma lição para quem tudo promete e nada faz .

    Espero que para ter Direitos não humilhem os que têm Problemas .

    Solidário com a sua luta

    joão

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Trate-me por tu João. Concordo consigo quando escreve que sem pressão não conseguimos os nossos direitos, que já são nossos por direito.
      Brevemente voltarei á carga. Obrigam-me a isso.
      Obrigado pela força.

      Eliminar