Por Hélder Mestre
Falar de acessibilidades é abordar um assunto que, sendo importante para toda a população, ganha uma importância extrema junto daqueles que, possuindo alguma limitação de ordem física, sentem de forma directa a fragilidade dessa relação.
A cidade de Lisboa não é uma cidade fácil para peões, tanto os que deambulam normalmente, como para aqueles que necessitam de meios complementares, como por exemplo cadeiras de rodas, canadianas ou andarilhos.
Além das famosas colinas, que tanta beleza conferem à cidade, Lisboa possui várias características únicas que, a par da beleza e singularidade, são, infelizmente e ao mesmo tempo, elementos limitadores da mobilidade. Um destes é a famosa calçada portuguesa. Esta é terrível para todos aqueles que sentem dificuldade na sua mobilidade. É extremamente irregular, facilmente deformável, desagrega-se facilmente e é escorregadia. Devia estar limitada à parte histórico/turística da cidade. Apesar disto, os passeios são, geralmente, largos, o que permite que a população caminhante flua de forma natural.
Não existe uma política integrada de mobilidade! Ao dizer isto não quero afirmar que ela não esteja escrita, assinada e aprovada. O que quero dizer é que em termos práticos e sensíveis para o cidadão, ela não se “vê”. Senão vejamos, continua-se a fazer intervenções ad-hoc, um pouco ao sabor das necessidades imediatas, não havendo a preocupação com a necessidade de integração na malha urbana. Estas intervenções ficam por isso coxas e deparamo-nos com cruzamentos parcialmente acessíveis, esquinas de quarteirões alcançáveis num extremo e sem acessos no outro, árvores e postes ocupando quase na totalidade os passeios, além de outros obstáculos. É o chamado desenrasca típico português.
Digo, com alguma coragem e infinito optimismo que estes pontos se tratam de pormenores e que com boa orientação e vontade dos responsáveis, seriam rapidamente e definitivamente eliminados.
Quantas vezes não dá vontade de pegar numa equipa de operários e intervir cirurgicamente nesses pontos…
A realidade é, no entanto, diferente e o que assistimos é ao perpetuar destas situações e à sua disseminação, mais ou menos expectável, sempre que assistimos a intervenções na malha urbana da cidade.
Contudo, encontro melhorias substanciais ao nível da mobilidade dirigida aos utilizadores de velocípedes e afins. Iniciou-se recentemente um processo de criação de ciclovias que têm unido pontos-chave da cidade. Este processo está ainda em fase de expansão e muito falta fazer para poder ser considerada uma alternativa sensata, segura e abrangente de deslocação na cidade.
Estas ciclovias são, no entanto, uma alternativa muito boa para quem tem mobilidade reduzida e para quem pretende fazer algum exercício com segurança, porém, em diversos pontos somos lembrados que estas não têm sido planeadas tendo em conta os cidadãos com maiores limitações. São diversos os locais onde a intersecção com as vias de circulação do trânsito automóvel não se faz da melhor forma. Os lancis são, ora desnecessariamente elevados, ora constituídos pelas ignóbeis rampas a 45º, tendo, inclusive, encontrado ciclovias cujo lancil "rebaixado" do passeio possuía uns bons 10 cms de altura, relativamente à via!
Sem falar das passagens para peões com piso rebaixado. Até hoje, ainda não percebi a necessidade dos 2cms de desnível existentes entre o lancil e a via!
A acima referida característica da calçada portuguesa ser facilmente deformável tem, nalguns locais, sido “amiga” da acessibilidade. Com alguma regularidade encontramos estas deformações e facilmente nos deparamos com lancis que cederam, o que, conjuntamente com as sucessivas camadas de alcatrão, que ao longo dos anos foram colocadas nas vias, fez com que o desnível entre a via e o passeio atenuasse, criando assim rampas “naturais”, conseguindo-se, desta forma, encontrar uma alternativa à ausência de piso rebaixado e atravessar uma via com cadeira de rodas. Claro que muitas das vezes é o estacionamento desordenado que provoca as dificuldades na deambulação destes cidadãos, cuja mobilidade é reduzida.
A autarquia reagiu positivamente, criando empresas de gestão de estacionamento e colocando pilaretes, de forma a regular o estacionamento e inviabilizando o acesso aos passeios às “latas poluidoras de 4 rodas”. Este trabalho está ainda a ser desenvolvido mas os resultados positivos são já visíveis.
O trabalho desenvolvido é perceptível e penso que, se não é mais eficaz, isso se deve à falta de comunicação entre a autarquia e as organizações de e para pessoas com dificuldades na mobilidade, que são, no final de contas, os principais interessados, os melhores conhecedores e, naturalmente, quem poderá dar as melhores soluções.
Na vertente económica, sendo a cidade de Lisboa eleita uma das mais escolhidas pelos turistas, é negativo ainda haver tantas falhas na acessibilidade, pois qualquer pessoa (com mais ou menos limitações) pode ser um potencial turista.
Devemos ainda ter em conta o facto da população do nosso país estar cada vez mais envelhecida, o que levará a uma maior probabilidade de haver um acréscimo de pessoas com mobilidade reduzida.
Sendo assim, uma boa acessibilidade é um bem comum para toda a sociedade.
Algumas sugestões de passeios acessíveis por Lisboa:
- A zona entre o Cais do Sodré e Belém possui uma ciclovia, sempre junto ao Tejo, completamente plana, com um cenário espetacular. Esta foi inspirada no poema “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia” de Alberto Caeiro, um dos heterónimos de Pessoa;
- A renovada zona da Baixa Lisboeta, nomeadamente a zona ribeirinha do Terreiro do Paço. Sob as arcadas, quem gostar pode aproveitar para visitar o espaço da ViniPortugal, também com acessos;
- O Parque da Serafina, em pleno Monsanto. Este espaço possui estacionamento para deficientes, embora esteja sempre ocupado por outros. Existe acesso à generalidade dos equipamentos, incluindo os WCs e o amplo miradouro;
- Na zona “alta” da cidade, nomeadamente a das Avenidas Novas, é também possível desfrutar de razoáveis condições para deambular no espaço público e apreciar alguns dos belos edifícios aí existentes, muitos deles Prémio Valmor. Brevemente vai ser também possível circular em plena Avenida Duque d’Ávila numa ciclovia que une o jardim do Arco do Cego ao jardim da Gulbenkian, este último, infelizmente inacessível a cadeiras de rodas.
Fonte: Portugal Acessivel
Sem comentários:
Enviar um comentário