Cortes nos ordenados, pensões
reduzidas, desemprego. Se já não é fácil para a maioria das pessoas,
imagine-a para
uma pessoa com deficiência (acrescentando também a falta de
acessibilidades).Este é um convite ao país dos deficientes.
Queremos trabalhar, não mendigar
Dia 7 Outubro de 2013. Eduardo Jorge inicia uma greve de fome à porta da
Assembleia da República. Está ali porque se sente farto da vida que tem. “Não gosto de como vivo, não sou feliz”,
conta. O tetraplégico afirma que foram as medidas do Governo, bem como a falta
de respostas por parte deste, que o levaram a “extremar”. Desta forma, conseguiu ter respostas. Eduardo conta que
foi recebido pelo Secretário de Estado da Solidariedade e Segurança Social,
pelo Presidente do Instituto Nacional para a Reabilitação, pela Comissão para a
Deficiência e por deputados que trabalham na área da deficiência.
Desde 1991 que pertence a este mundo das pessoas com deficiência. Um
acidente de viação mudou-lhe a vida, o que o obrigou a adaptar-se à nova
condição. “Senti que o mundo ia acabar,
mas imediatamente reagi”, conta o tetraplégico, que desde essa altura que
as palavras impossibilidades e entraves fazem parte do seu vocabulário. Não
conseguindo arranjar emprego, Eduardo sente-se revoltado, mas também porque os
subsídios que o Estado oferece não são suficientes. O tetraplégico conta que luta
todos osdias para conseguir ter um emprego, assim como por “uma vida normal”,indistinta das outras pessoas. “ Não quero cá subsídios, detesto essas
coisas”, acrescenta.
A maioria das pessoas com deficiência é reformada. Ganham cerca 212 euros
mensais. “Como é que se vive? Vive-se
muito mal.”, explica Eduardo.
Para Deolinda Cruz, de 65 anos, isto só pode contribuir para “viver à porta da igreja a pedir esmola, e
não é isso que queremos.”, conta a reformada, explicando que esta falta de
condições é uma “discriminação”.
Porém, o Estado oferece a opção de se ir para um lar, que muitas pessoas
com deficiência rejeitam. Eduardo afirma não quer ir para “lares imundos”, contando ao mesmo tempo que, em
Portugal, apenas existem dois lares adaptados, em um deles em Carcavelos, e
outro em Lagos, que há pouco tempo foi denunciado por maus tratos. Por exclusão
de partes, só sobra o lar de Carcavelos, que se encontra neste momento
preenchido. Aqui, só
se pode entrar caso alguém morra, e apenas até aos 45 anos de idade. A ida para um lar custa cerca de 1000 euros
aos cofres do Estado, e uma das principais lutas dos (d)Eficientes
Indignados, movimento de contestação social de que Deolinda e Eduardo são
membros, é fazer com que esse dinheiro lhes seja pago
directamente, de modo a terem condições para pagar o apoio domiciliário, ou
auxiliares, sem terem que ser forçados a sair das suas casas. “Você é que tem de ser a dona da sua vida”,
argumenta Eduardo. Mas ao que parece, a
crise não vai permitir mudanças nesta situação, pelo que será necessário lutar
por mais justiça. “Continuarei na luta”, afirma Eduardo, acrescentando
que ser uma pessoa com deficiência em Portugal é “viver á margem de tudo e [ser] totalmente
excluído. É os outros decidirem por nós”, o que, segundo o tetraplégico, o
deixa “revoltado”.
Andar
livremente no espaço público: uma utopia
Final de
tarde, Campo Grande, uma das principais artérias de Lisboa. É aqui que milhares
de pessoas se concentram para apanhar o transporte para casa. Para muitos, é
fácil. Já para outros nem tanto. Num dos autocarros que serve a carreira 798 da
Carris, que liga o Campo Grande às Galinheiras, a sinalização de rampa para
deficientes parece ser apenas decorativa. “Desculpe,
mas a rampa não está a funcionar”, disse o motorista para uma utente em
cadeira de rodas,acrescentando que “tem
de esperar por outro”. Tentou-se tudo: andar mais uns metros, ligar de novo
a rampa, mas tudo foi em vão: a rampa estava, de facto, avariada. O que fez com
que o motorista tivesse de recorrer ao método manual. Mas o pior é andar de
metro. Aqui no Campo Grande, as pessoas com deficiência não têm outro método,
senão andar de autocarro. As escadas da estação de Metro são overdadeiro Cabo
das Tormentas, encontrando pelo meio o Gigante Adamastor, que nesta aventura
das pessoas com deficiência, é sinónimo de falta de elevadores. Fiz um
levantamento das condições oferecidas nos principais meios de transporte da
Área Metropolitana de Lisboa. Comecei pela CP, onde existe um serviço que visa
apoiar as pessoas com mobilidade reduzida, o Serviço Integrado de Mobilidade (SIM).,
que foi criado em 2006, e é gratuito. Mas implica que haja um aviso prévio de
48 horas, de forma a preparar a composição para a pessoa, e apenas funciona nos
dias úteis.
Para o arquitecto, as infra-estruturas da capital tem “melhorado”, havendo ainda algumas lacunas por preencher. Jorge Falcato aponta para uma das “maiores” dificuldades, a calçada portuguesa, bem como os buracos existentes nas vias. “O pavimento também é limitador da utilização do espaço público”, explica o arquitecto, acrescentando que isto provoca muita trepidação (tremuras), o que pode provocar um desconforto a quem usa cadeira de rodas. Segundo o arquitecto, nem todos os edifícios públicos estão adaptados a pessoas com deficiência, como por exemplo a Procuradoria-Geral da República ou a Provedoria de Justiça.
A lei exige que todo o espaço público seja acessível até 2017, o que pode
não ser certo aos olhos do arquitecto,pois esta preocupação já vem desde 1982, em que foi revogada uma lei que previa a melhoria das condições
do espaço público. “Foi sempre adiada, e
acabou por não entrar em vigor. (…) É uma lei que foi criminosa, porque
Portugal já podia ser dos países com maior taxa de acessibilidades do mundo e
não é devido a isso”, conta Jorge Falcato, acrescentando que só há pouco tempo é que se iniciaram as mudanças no
espaço público. Estas mudanças passam, sobretudo, por um rampeamento das
passadeiras, bem como da qualidade dos pavimentos, o “mais urgente”, na opinião do arquitecto. Mas também não é apenas
uma questão de olhar para as pessoas em cadeira de rodas, o Plano também têm em
conta as pessoas cegas, que precisam de pavimentos tácteis, bem como de
mudanças que podem provocar um “conflito”,
uma vez que se for retirado o lancil (vulgo altura do passeio), retira a
referência para estas pessoas, impedindo-as de saber se já estão no passeio ou
ainda na estrada. Daí a necessidade dos pavimentos tácteis. “Os passeios têm de contemplar estes dois
interesses”, explica o arquitecto. Os pilaretes, (pequenos pilares no meio
do passeio), bem como mupis e papeleiras,também são um dos principais
obstáculos para uma pessoa com deficiência. “Quanto menos tralha houver, melhor”, conta o arquitecto. E
coloca-se outra questão: serão estes pilaretes realmente importantes? Sim, para
evitar o estacionamento ilegal nos passeios. Jorge Falcato considera que eles se
encontram num número “exagerado”,
não sendo necessários para outro fins senão este, daí a importância de haver
mais “civismo” por parte dos
condutores, para que se consigam reduzir significativamente o número de
pilaretes. Para o arquitecto, ainda não houveram “grandes conquistas” ao nível das acessibilidades na capital,
porque é um conceito que engloba um “funcionamento
em rede”, e é preciso haver várias continuidades e intervenções, uma vez
que um degrau torna-se igualmente importante quanto um edifício acessível, nas palavras
do arquitecto.
Deolinda sofre com a falta de acessibilidades, travando uma luta já há vários anos. “Eu nem em 2020 consigo ter estruturas para apanhar o metro ou o autocarro”, conta, acrescentando também que já sofreu devido à falta de acessibilidades no Metropolitano de Lisboa. “O elevador estava avariado e não encontrava pessoal que me levasse. Foi uma aflição muito grande”, explica Deolinda. A paraplégica acrescenta também que muitas vezes é vítima de “discriminação” por parte dos motoristas de autocarros públicos. “Na Vimeca eles são muito prestáveis (…) mas há motoristas que fazem de conta, eu faço sinal, e eles continuam a andar. (…) No outro dia tive de esperar uma hora [para apanhar um autocarro], quase que chorei.”, conta Deolinda, acrescentando que o facto de se movimentar em cadeira de rodas é um entrave para o uso de automóvel. “Tenho carro, mas não consigo conduzir”, conta a paraplégica.
O problema dos ‘coitadinhos’
Para além das dificuldades financeiras e sociais,
existe também o problema da discriminação. “Nós
somos muito discriminados, os deficientes têm direito de andar na rua, tem
direito a passear, e fazer a sua vida.”, argumenta Deolinda. “Nós queremos trabalhar, não queremos andar
assim (…). [As pessoas com deficiência] querem emprego, e muitas delas são
doutoradas, mas não conseguem. Porquê? Andam de cadeira de rodas.”,
desabafa a paraplégica. Para Eduardo, o que existe sobretudo é o problema do
estigma, da ‘coitadização’. “Nós temos
competências, temos é de ter direito a formação, e nos situar com a maioria.”,
conta o tetraplégico, acrescentando ainda que “não gosto de ser uma pessoa com deficiência, mas tenho orgulho, (…) estou
bem resolvido comigo, (…) o que é problema é o que me rodeia. Tudo o resto, é
uma questão cultural”, explica Eduardo.
Para Pedro Abrantes, sociólogo do ISCTE, o problema da estigmatização surge
de um “medo do desconhecido”, que
faz com a sociedade rejeite as diferenças; bem como de uma “competitividade que leva as pessoas a medir forças”. Para o
sociólogo, isto é algo que se verifica muito nos dias de hoje, em existe uma “pressão” para trabalhar, e que faz com
que uma pessoa com deficiência“acabe por
ser um empecilho [para o mercado de trabalho] ”. Esta preocupação de ter de
fazer as coisas bem, rapidamente e eficiente, leva a uma “exclusão social”, de acordo com Pedro Abrantes, acrescentando
também o papel da crise económica, que ajuda a aumentar mais esta pressão,
fazendo com que uma pessoa com deficiência seja preterida a outra sem qualquer
problema.
Deolinda foi uma das vítimas dessa discriminação. Na altura em que
trabalhava na Portugal Telecom (PT), a paraplégica conta que foi vítima de
muita pressão psicológica, devido ao facto de ser portadora de deficiência. “Disse: ‘sou deficiente, mas não trabalho
com as pernas. Trabalho com os braços’”, mas mesmo assim foi vencida pelo
cansaço e pediu a reforma, acrescentando que “reagiu mal”.Já Eduardo Jorge garante que é vitima desta
discriminação todos os dias, acrescentando que é necessário mostrar que “[nós] temos competências(…), [temos que]
mostrar à sociedade que somos capazes e queremos produzir, queremos ser
activos”, explica.
José Morgado, psicólogo do ISPA, explica que estas carências vividas pelas
pessoas portadoras de deficiência possam levar a “estados depressivos”, ou até mesmo ao “suicídio”. Para o psicólogo, a falta de acessibilidades, por
exemplo, pode levar a um “estado de
stress”, mas que também depende muito do contexto vivido. “Uma pessoa com mais dinheiro ou com
família, têm uma reacção diferente [ao nível da aceitação da sua condição] do
que uma pessoa com menos recursos”, explica.
A integração é feita a passos lentos
Na Crinabel, escola para pessoas com deficiências mentais, tem como
premissa a integração dos seus alunos. A grande maioria foi à escola, mas não
tendo progredindo muito nos estudos. Na Crinabel, preza-se a “manutenção dos conhecimentos”,isto é,
fazer com que as pessoas que frequentam esta escola, não se esqueçam do que
aprenderam na escola, como por exemplo aprender a ler ou a escrever, como explica
a directora, Inês Carriço. Cada aluno da Crinabel recebe cerca de 200 euros da
Segurança Social, um dos principais entraves, de acordo com a directora, pois “eles estão sempre dependentes dos
subsídios da Seg. Social e das pensões”. Estes alunos, na sua grande
maioria, não têm capacidade para fazer as tarefas básicas do dia-a-dia, pelo
que se torna necessária a ajuda dos técnicos da Crinabel. Para Inês Carriço, “alguns [alunos] adoram dançar, e dançam
muito bem”,tendo capacidades que a maioria das pessoas não vê. “[As pessoas] não têm uma noção real das
coisas que eles são capazes de fazer, porque eles são os ‘coitadinhos’”,
explica a directora, acrescentando que a Crinabel preza uma integração social,
feita sobretudo através de um grupo de teatro, que os ajuda a entrar em
contacto com outras pessoas. Já Eduardo Jorge conseguiu concretizar um sonho
antigo: ir para a faculdade. “Desde o
acidente que não consegui ter nenhuma oportunidade de trabalho”, conta o
tetraplégico, explicando que há cerca de dois anos conseguiu um contrato de
inserção do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), que lhe deu as
asas para voar mais alto.
O sociólogo do ISCTE, Pedro Abrantes, acredita numa diminuição da
discriminação social, devido ao aumento da sensibilização. Porém, o sociólogo
acredita que este problema ainda não terminou.“Felizmente, a sociedade portuguesa tem vindo a evoluir, as pessoas
hoje tem mais informação, e esse tipo de medo, não digo que não exista, mas
está menor”, conta Pedro Abrantes, acrescentado ainda que são as
deficiências mentais as que ainda sofrem bastante com a discriminação.
Ao que parece, esta história está longe de chegar ao fim, sendo ainda
preciso muito a fazer para que se possa dizer ‘e foram felizes para sempre’.
Rute
Palma Fidalgo
Este Pais trata as pessoas deficientes... com os pés
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