"Devem alterar o paradigma formativo para dar mais atenção àquilo que é a qualidade de vida do quotidiano dos formandos do que, ainda que sem deixar de o fazer, às questões laborais", disse à Lusa o docente da Universidade do Minho.
Carlos Veiga coordenou um estudo sobre o impacto da integração profissional na qualidade de vida das pessoas com deficiência, hoje apresentado nas instalações da Associação de Paralisia Cerebral de Viseu, que nele participou juntamente com outras cinco instituições do país.
O estudo, que partiu de um desafio lançado pela Formem - Federação Portuguesa de Centros de Formação Profissional e Emprego de Pessoas com Deficiência, envolveu uma amostra de 36 ex-formandos (seis de cada instituição), que estão inseridos no mercado de trabalho e foi feito por uma equipa de cinco investigadores das universidades do Minho e de Évora.
O estudo mostrou que os ex-formandos têm "muitas vezes dificuldades em construir, manter e dinamizar relações de amizade significantes" e que o convívio extra laboral é normalmente "esporádico, de curta duração e sem diversificação de locais".
No que respeita às relações amorosas, "sentem muita dificuldade" em entrar nelas, sendo que apenas oito tinham namorada ou companheira. Segundo o estudo, "a maioria dos relacionamentos é de curta duração e de nível muito elementar", sendo que 78% dos ex-formandos nunca se tinha envolvido em relações amorosas.
Estes resultados levam Carlos Veiga a questionar se as políticas e as práticas das organizações formadoras "estão a cumprir o paradigma mais actual da inclusão das pessoas com deficiência, que é o acesso à qualidade de vida". "Isso significa ter uma vida autónoma, independente, com participação social e cívica. Não é entrar no mercado de trabalho, ganhar um dinheiro e a vida permanecer igual. A entrada no mercado de trabalho tem de trazer mais qualidade de vida", defendeu.
O coordenador do estudo referiu que "as grandes tendências apontam para que a qualidade de vida das pessoas não tenha sentido o abalo positivo que seria desejável". Admitiu que, com a entrada no mercado de trabalho, "há pequenas conquistas, como mais alguns amigos ou pelo menos pessoas que entraram nas suas vidas, uma melhoria da capacidade financeira que já permite ir almoçar ou jantar fora de vez em quando e comprar um ou outro objecto".
"Mas, e as relações amorosas? Têm parceiro? Poucos deles. Tiram proveito das relações de amizade? Muito pouco. As pessoas conseguem ir a mais espaços, diversificar as actividades da sua vida? Muito pouco", acrescentou.
Ainda que a formação dê algumas ferramentas aos deficientes para entrarem no mercado de trabalho, o investigador defendeu que as instituições "têm de mudar a forma como ensinam, como praticam a formação".
Exemplificou que as associações desenvolvem frequentemente actividades como levar os deficientes ao cinema, à praia, ao teatro, a participar nalguns jogos, "mas não os ensinam verdadeiramente a entrar nessas actividades, não os treinam para isso". "No fundo, mostram-lhe as coisas, mais do que os preparar para poderem usufruir destas coisas", explicou.
Na sua opinião, tal contribuiu para que "a rotina do quotidiano seja da casa para o trabalho e do trabalho para casa", não estando treinados, por exemplo, para ir comprar um bilhete para o cinema ou para um jogo de futebol.
Um livro com os resultados do estudo vai começar na próxima semana a ser distribuído gratuitamente pelas instituições e ficará disponível em formato digital na página da Formem e do Instituto Nacional de Reabilitação.
Fonte: Público
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