Os três acompanham um debate que se gerou espontaneamente em torno de outros dois visitantes no quarto de Francesc. É preciso tomar cuidado para não se apaixonar? Felipe e Lau conversam (ambos nomes fictícios). Felipe sofre de paraplegia de terceira e quarta vértebra. Lau é a assistente que ele conheceu por meio de Tandem, e defende com paixão que os encontros devem ser sinceros, nunca uma ficção sentimental:
- Tenho namorado, mas durante o tempo que estou com um usuário, ele se converte no homem da minha vida.
- Não se deve ter medo – concorda Felipe – Você pode se apaixonar porque está muito necessitado, mas também da padeira ou de qualquer pessoa que te trate bem. Aqui os dois sabemos onde estamos.
- Mas é preciso se entregar, porque é uma questão de amor, que para mim é o fundamental.
- Em todo caso – intervém María – se detectamos pessoas dependentes psicologicamente as aconselhamos a não recorrer a um assistente porque podem acabar se magoando.
Lau, de 38 anos, estudou enfermagem e veterinária. Ela faz oficinas de tantra e, quando uma amiga lhe falou de Francesc e do seu projeto, exclamou: “Isso é para mim”. Seu perfil encaixava com o do assistente que procura a associação: experiência sóciossanitária, sem motivações econômicas e com uma concepção da sexualidade não apenas genital… A entrevistaram sobre os limites que ela fixava com relação às práticas sexuais e às famílias dos portadores de deficiências – alguns assistentes os estabelecem para amputações, determinadas complicações higiênicas ou características físicas impactantes, como as da acondroplasia (ananismo) – e ela respondeu que não estabelecia nenhum, que dependeria do momento e da pessoa, “como em qualquer relação”.
Uns dias depois, Felipe e Lau se encontraram para tomar um café. Simpatizaram um com o outro e combinaram um encontro mais íntimo. Felipe, com 42 anos, desde que está em cadeiras de rodas, havia tido uma relação mas não funcionou, e uma outra vez, se relacionou com uma prostituta: “A moça vinha com contador e isso para alguém com os meus problemas não funciona”. Sua experiência com Lau o revitalizou: “Você lembra de sentimentos que achava que estavam mortos”.
Ele é um dos 45 usuários da associação, constituída em outubro de 2013. Da mesma maneira que há mais demanda masculina, também se oferecem mais voluntários varões, embora, depois de descartar 50%, os 15 com que estão trabalhando formam um time equilibrado de homens e mulheres. Além disso, trabalham com diferentes tendências sexuais. “Precisamente com o primeiro usuário, tivemos uma surpresa”, sorri Francesc.
Ele tampouco cobra por colocar em contato assistentes e usuários, e recomenda que, em caso de haver alguma compensação financeira entre eles, que não ultrapasse os 75 euros (240 reais). “Costuma ser de uns 50 euros (160 reais) porque é preciso se deslocar até a casa do usuário, estacionar, comer fora…”, explica Eva. “Mas muitas vezes não cobramos, não é a motivação”. A associação se mantém por enquanto com as doações de Francesc (que é professor de Esade e recebe uma pensão) e com o trabalho voluntário de María. “Aspiramos ter um mínimo de ingressos para manter a estrutura”, explicam,
María Clemente (à direita), psicóloga especializada em neurorreabilitação, e Eva, assistente sexual de Tandem Team.
A iniciativa gerou expectativa no coletivo. “Consideravam-nos, os portadores de deficiências, como anjinhos assexuados, mas não é assim”, diz Francesc. Há muito existem assistentes e prostitutas que trabalham nessa área, mas escondido. Enquanto isso, na Europa o debate foi se tornando público. O país que chegou mais longe em termos de regulamentação foi a Suíça, embora com um modelo que muitos consideram intervencionista, com encontros mensais e assistentes com diploma universitário para isso. Na Bélgica, onde funciona a associação que Tandem toma como modelo, a área se move numa “alegalidade” (fora da lei, mas não contra a lei) muito compreensiva. De uma forma ou de outra, na Dinamarca, Suécia, Holanda e Alemanha, a assistência se pratica. E na França, embora no ano passado um Comitê Nacional de Ética tenha aconselhado o governo que não a legalizasse, a controvérsia continua, graças, em parte, ao sucesso do file Intocáveis.
“Existem diferentes modelos”, explicam Sánchez e María Honrubia, mas o fundamental é revelar que o problema existe”. Sánchez, enfermeira com máster em sexologia, e Honrubia, psicóloga, presidem a Associação Nacional de Saúde Sexual e Deficiência (Anssyd), que no último dia 14 de março organizou juntamente com outra associação (Sex Asistent) o primeiro curso na Espanha de acompanhamento e assistência sexual. Custava 100 euros e se dirigia a “interessados em se formar e exercer um trabalho profissional relacionado à assistência sexual”. Teve 15 inscritos, de fisioterapeutas a profissionais do sexo. “A formação é muito prática, esclarecendo em que consiste o serviço: que podem se deparar com uma pessoa que usa um coletor, com problemas mentais, como reagir diante de uma subida da pressão…”, conta Sánchez.
Por razões de confidencialidade, a Anssyd não permitiu que EL PAÍS assistisse a uma das aulas. A associação reconhece que o curso pode ser controverso. “Existe um vazio legal a respeito e sua proximidade da prostituição. Mas em 50% dos casos não há coito. Muitos usuários querem ver um corpo nu ou acariciá-lo. Isso é uma experiência alucinante. Inclusive há deficientes cognitivos que só querem afeto físico; e, por lei, isso não pode ser dado por um cuidador normal”, explica Honrubia.
O caminho até essas jornadas foi duro. “Levamos 25 anos como docentes”, contam, “e só agora começamos a ser reconhecidos”. Durante duas décadas as duas profissionais suportaram a desconfiança de colegas que não acreditavam no objeto das suas pesquisas. Mas nesses anos se estabeleceu a Convenção dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência (ONU, 2006) e a Lei Orgânica da Saúde Sexual e Reprodutiva e de Interrupção Voluntária da Gravidez, de 2010 (popularmente reduzida a lei do aborto de Zapatero), que estabelecia a necessidade de se formar profissionais, o que deu impulso a proliferação de associações pelos direitos sexuais dos portadores de deficiências. Todas essas iniciativas foram varridas pela crise.
“Existe um mito segundo o qual se você fala da sexualidade, a desperta”, conta Sánchez. “Mas o desejo está ali, silenciado. Você não imagina quanto sofrimento existe escondido”. Eles não exageram: pessoas que não quiseram ter seus nomes publicados narram histórias duras: 20 anos de um casamento sem sexo que se mantém por causa dos filhos, pais que masturbam doentes mentais…
Não parece que, por enquanto, irão surgir soluções simples a essas barreiras. As primeiras vivem nos limites da lei. Em um apartamento de Barcelona, Lau se despede de Felipe com beijos e abraços.
A iniciativa gerou expectativa no coletivo. “Consideravam-nos, os portadores de deficiências, como anjinhos assexuados, mas não é assim”, diz Francesc. Há muito existem assistentes e prostitutas que trabalham nessa área, mas escondido. Enquanto isso, na Europa o debate foi se tornando público. O país que chegou mais longe em termos de regulamentação foi a Suíça, embora com um modelo que muitos consideram intervencionista, com encontros mensais e assistentes com diploma universitário para isso. Na Bélgica, onde funciona a associação que Tandem toma como modelo, a área se move numa “alegalidade” (fora da lei, mas não contra a lei) muito compreensiva. De uma forma ou de outra, na Dinamarca, Suécia, Holanda e Alemanha, a assistência se pratica. E na França, embora no ano passado um Comitê Nacional de Ética tenha aconselhado o governo que não a legalizasse, a controvérsia continua, graças, em parte, ao sucesso do file Intocáveis.
“Existem diferentes modelos”, explicam Sánchez e María Honrubia, mas o fundamental é revelar que o problema existe”. Sánchez, enfermeira com máster em sexologia, e Honrubia, psicóloga, presidem a Associação Nacional de Saúde Sexual e Deficiência (Anssyd), que no último dia 14 de março organizou juntamente com outra associação (Sex Asistent) o primeiro curso na Espanha de acompanhamento e assistência sexual. Custava 100 euros e se dirigia a “interessados em se formar e exercer um trabalho profissional relacionado à assistência sexual”. Teve 15 inscritos, de fisioterapeutas a profissionais do sexo. “A formação é muito prática, esclarecendo em que consiste o serviço: que podem se deparar com uma pessoa que usa um coletor, com problemas mentais, como reagir diante de uma subida da pressão…”, conta Sánchez.
Por razões de confidencialidade, a Anssyd não permitiu que EL PAÍS assistisse a uma das aulas. A associação reconhece que o curso pode ser controverso. “Existe um vazio legal a respeito e sua proximidade da prostituição. Mas em 50% dos casos não há coito. Muitos usuários querem ver um corpo nu ou acariciá-lo. Isso é uma experiência alucinante. Inclusive há deficientes cognitivos que só querem afeto físico; e, por lei, isso não pode ser dado por um cuidador normal”, explica Honrubia.
O caminho até essas jornadas foi duro. “Levamos 25 anos como docentes”, contam, “e só agora começamos a ser reconhecidos”. Durante duas décadas as duas profissionais suportaram a desconfiança de colegas que não acreditavam no objeto das suas pesquisas. Mas nesses anos se estabeleceu a Convenção dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência (ONU, 2006) e a Lei Orgânica da Saúde Sexual e Reprodutiva e de Interrupção Voluntária da Gravidez, de 2010 (popularmente reduzida a lei do aborto de Zapatero), que estabelecia a necessidade de se formar profissionais, o que deu impulso a proliferação de associações pelos direitos sexuais dos portadores de deficiências. Todas essas iniciativas foram varridas pela crise.
“Existe um mito segundo o qual se você fala da sexualidade, a desperta”, conta Sánchez. “Mas o desejo está ali, silenciado. Você não imagina quanto sofrimento existe escondido”. Eles não exageram: pessoas que não quiseram ter seus nomes publicados narram histórias duras: 20 anos de um casamento sem sexo que se mantém por causa dos filhos, pais que masturbam doentes mentais…
Não parece que, por enquanto, irão surgir soluções simples a essas barreiras. As primeiras vivem nos limites da lei. Em um apartamento de Barcelona, Lau se despede de Felipe com beijos e abraços.
Fonte: Deficiente Ciente
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