Segundo o advogado Fausto Leite, o acórdão publicado na segunda-feira emDiário da República aplica-se tanto às situações futuras como às passadas, cabendo agora aos sinistrados “requerer ao tribunal a remição das suas pensões”. Este é também o entendimento da Associação Portuguesa de Seguradores.
O presidente, Seixas Vale, não tem números concretos sobre o número de beneficiários de pensões abrangidos pela decisão, mas adianta que “é relativamente pequeno”, uma vez que se trata de sinistrados que têm de reunir as duas condições: ter incapacidade reduzida e pensões mais elevadas.
Isso faz com que o impacto na actividade das seguradoras também não seja significativo. “O acórdão tem importância porque clarifica a questão da remição, mas não vai ter praticamente impacto”, referiu ao PÚBLICO, lembrando que a diferença está entre entregar o dinheiro de forma vitalícia ou pagar uma parte num determinado momento.
Também o Instituto de Seguros de Portugal entende que “não é expectável que da intersecção das duas condições em apreço: incapacidade permanente parcial inferior a 30% e pensão anual superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, resulte à partida, um universo de sinistrados muito relevante”.
O artigo 75.º da Lei 98/2009 determina que são obrigatoriamente remidas as pensões devidas em caso de incapacidade permanente para o trabalho inferior a 30%, desde que tenham um valor anual abaixo dos 2910 euros (seis vezes o salário mínimo). Além destas, o sinistrado com uma incapacidade igual ou superior a 30% pode requerer a remição parcial da sua pensão, desde que cumpra duas condições: a pensão anual que sobra não pode ser inferior aos 2910 euros e o valor pago de uma só vez não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%.
Porém, quem recebe pensões anuais vitalícias correspondentes a uma incapacidade inferior a 30% e de valor superior a 2910 euros não pode pedir a remição. É o caso, por exemplo, de uma pessoa que teve um acidente de trabalho e viu a sua capacidade reduzida em 20% e a quem foi atribuída uma pensão anual de 3000 euros.
A favor da actualização
A incongruência foi apresentada ao TC pelo Ministério Público. A questão em cima da mesa é, genericamente, a seguinte: faz sentido que os sinistrados com incapacidade superior a 30% possam receber parte da pensão de uma só vez, mas impedir que isso aconteça com pensões de incapacidade inferior só porque ultrapassam os 2910 euros? A resposta do TC foi clara ao declarar que parte do artigo viola o princípio da igualdade.
Os juízes argumentam que, se quem sofre de uma redução de capacidade de trabalho elevada pode escolher receber parte da pensão num montante único (desde que sejam respeitados os limites previstos na lei), “quem sofre de uma redução das capacidades de trabalho menos gravosa deve igualmente poder exercer a sua autonomia de vontade relativamente à pensão vitalícia, desde que se continuem a aplicar os mesmos limites quanto à pensão sobrante”.
No acórdão, o TC lembra ainda que “não é pertinente argumentar com eventuais problemas de gestão das seguradoras”, dado que a natureza do negócio implica que a seguradora aplique parte do capital dos prémios de forma a gerar um rendimento que lhe permita satisfazer as futuras pensões. “A remição ficciona a transferência dessa racionalidade para o sinistrado, através da entrega de um determinado capital”.
A conclusão é que “não se vislumbram motivos razoáveis para a permissão da remição parcial apenas de pensões destinadas a compensar uma incapacidade permanente parcial igual ou superior a 30%”, conclui o acórdão que declarou a norma inconstitucional com força obrigatória geral.
Embora o acórdão ainda não tenha sido publicado oficialmente, o TC também se pronunciou sobre a actualização das pensões relativas a incapacidades abaixo dos 30%, considerando inconstitucional os artigos que impediam a sua actualização, ao contrário do que acontecia com as restantes pensões não obrigatoriamente remíveis. O TC entende que a não actualização das pensões de montante igual ou superior a 2910 euros devidas ao trabalhador sinistrado que tenha ficado com uma incapacidade permanente parcial inferior a 30% “viola o direito à justa reparação do trabalhador sinistrado consignado” no artigo 59.º da Constituição da República.
A decisão também terá efeitos retroactivos, cabendo aos beneficiários requerer a sua actualização. O acórdão só entra em vigor após publicação emDiário da República.
Fonte: Público
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