Durante a votação para a presidência da Assembleia da República, o deputado teve de sair pelo acesso na retaguarda do hemiciclo, atravessar os Passos Perdidos (a ala exterior à sala dos plenários) e reentrar no hemiciclo por uma porta lateral. Ao fazê-lo, todos os deputados da sua fila (três do PCP e dois do partido pelo qual foi eleito) tiveram de se levantar para dar passagem à cadeira de rodas.
A circulação nos Passos Perdidos, uma das zonas mais nobres do Parlamento, onde se cruzam deputados, jornalistas e membros do governo, também não é pacífica. Na extremidade oeste há uma rampa de acesso aceitável, mas a outra, colocada nas escadas a nascente, tem uma inclinação e um piso inadequados. «É-me impossível usar esta rampa. Se o fizer, é uma queda garantida», afirma Jorge Falcato Simões, arquitecto, funcionário da Câmara Municipal de Lisboa e eleito como independente pelas listas do Bloco de Esquerda. A dita rampa, colocada recentemente no local, tem uma inclinação muito superior ao indicado (12% em vez dos 6% indicados) e umas ripas, colocadas com a intenção de evitar a derrapagem, que impedem a circulação da cadeira de rodas.
Jorge Falcato Simões, que exige poder circular sem a ajuda de ninguém nos espaços do Parlamento, tem sido acompanhado por um funcionário da Assembleia da República ao serviço do Grupo Parlamentar do BE. Só com a sua ajuda pode vencer um lance de escadas, no piso térreo do Palácio de São Bento, que liga a zona do bar e do refeitório às salas das comissões. Os serviços do parlamento colocaram duas calhas amovíveis no lance de escadas mas o seu uso é impossível pelo deputado, sem assistência, como a VISÃO pode constatar no local.
Também o acesso principal do Parlamento, pela fachada principal, local onde estão as guaritas da guarda de honra e, no interior, a escadaria nobre desenhada pelo arquitecto Ventura Terra, não são passíveis de uso pelo deputado, pois não dispõem de rampas. A casa de banho para uso de deficientes fica no piso térreo, longe da sala do plenário. Segundo o deputado, há um WC que está ser adaptado no piso das sessões plenárias.
Os serviços da Assembleia atribuíram-lhe um local de estacionamento nas traseiras do edifício, no pátio que faz a ligação com os jardins. A partir daí há uma rampa de acesso em metal, adequada, que Jorge Falcato Simões usa para ter acesso ao exterior sem ajuda. A outra entrada alternativa no edifício, pela fachada norte (virada para o jardim e para a ala nova do Parlamento), tem uma rampa com uma inclinação de 20%, o que torna o seu uso autónomo impossível: quando chega no seu carro e usa esta entrada, o deputado tem ser «empurrado» pela rampa pelo agente da PSP de serviço.
O Gabinete do Secretário-Geral da Assembleia da República, em resposta a questões colocadas pela VISÃO, havia garantido, em 6 de outubro, que «em geral, o acesso ao Plenário, salas do Grupo Parlamentar, salas de comissões e zonas sociais está garantido» a utilizadores de cadeiras de rodas. Na mesma resposta, o serviço dirigido por Albino de Azevedo Soares assegurava que «qualquer adaptação a fazer será de mero pormenor».
Jorge Falcato Simões passou a usar cadeira de rodas depois de ter sido baleado numa contramanifestação, em 10 de Junho de 1978, no Largo Camões, em Lisboa., O então militante da UDP dirigiu-se para o local para protestar contra um encontro de nacionalistas. No seguimento das escaramuças foi baleado um estudante de Medicina, que morreu, e Jorge Falcato, atingido acima do esterno, ficou em estado grave. Depois de vários meses de fisioterapia, o militante da UDP, que interrompera o curso de arquitectura em Belas Artes e vivia no Algarve, passou a usar cadeira de rodas. Em 1982 acabou o curso de arquitectura e mais tarde especializou-se em questões de mobilidade de deficientes e peões no espaço público, a sua área de trabalho na Câmara Municipal de Lisboa. Na altura da sua eleição, Jorge Falcato Simões era também ativista dos (d)Eficientes Indignados, uma organização que pugna pelos direitos das pessoas com deficiência.
Fonte: Visão
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