quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Potenciar o emprego de pessoas com deficiência nas IPSS

Valorizar aptidões e ultrapassar as respetivas limitações é como deve ser encarado o emprego de pessoas com deficiência, que como todas as demais têm direito ao trabalho e ao emprego. Potenciar a empregabilidade destas pessoas no universo das IPSS associadas da CNIS é a finalidade do protocolo recém-acordado com o IEFP. Pela sua natureza e filosofia, as IPSS são um mercado de trabalho potencial ainda pouco aproveitado, especialmente, pelo grande desconhecimento das medidas de apoio ao emprego existentes e… “bastante boas”.


Ricardo Rocha, 42 anos, casado e pai de duas filhas, é invisual, mas nem sempre o foi. Pasteleiro de profissão, desde os 13 anos, viu o seu mundo desabar em 2004 quando uma queda lhe começou a roubar a visão. A cegueira total chegou três anos depois, aos 32 de idade. Com uma família para sustentar, Ricardo fez uma formação de Assistente Administrativo, na ACAPO – Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal, estagiando, de seguida, durante nove meses no Colégio de S. Caetano, em Braga. Como iniciou a vida laboral muito cedo, os estudos ficaram para trás. Depois de ter feito o 6º Ano à noite, foi já depois de cegar totalmente que fez o 9º Ano. Terminado o estágio, o assistente administrativo tentou nova colocação na instituição de ensino bracarense, “mas sem êxito”.

Seguiu-se mais um estágio, desta feita no Centro Social das Taipas, em Guimarães, onde ainda desempenha as funções de rececionista e telefonista. “Esta é uma função que mantemos por questões sociais, porque com as novas tecnologias este é um posto de trabalho que tende a não ser necessário”, explica Henrique Azevedo, diretor financeiro da IPSS das Taipas, que emprega ainda uma outra pessoa com deficiência nos serviços gerais da ERPI. Quanto a Ricardo Rocha, depois da primeira integração no âmbito de um estágio, a instituição fez com ele um contrato de voluntariado, pelo que o remunerava simbolicamente. Tendo terminado em setembro do corrente ano o contrato de voluntariado, “a instituição deverá fazer um contrato com ele, quanto mais não seja por questões sociais”. “É muito difícil arranjar trabalho”, lamenta Ricardo Rocha, porque “é tudo muito bonito, mas as oportunidades são nulas”. O seu grande desejo era poder trabalhar naquilo em que sempre trabalhou, mas “não há oportunidades”.

“Eu sei que em Lisboa estaria integrado numa pastelaria de pastéis de Belém, porque há imensos trabalhos de pastelaria que posso fazer, mas aqui não há oportunidades. Não há quem diga para experimentar e depois se vê se dá ou não dá”, explica, sublinhando: “Tenho procurado, mas não está fácil. Eu podia estar numa associação qualquer e passar lá os dias sem fazer nada, mas não gosto. Prefiro fazer algo e sentir-me útil”. Este está longe de ser caso único em Portugal e a prova disso foi recentemente divulgada no relatório «Pessoas com Deficiência em Portugal – Indicadores de Direitos Humanos 2017», elaborado pelo Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH), do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP-UL).
No documento apresentado a 13 de dezembro último, relativamente ao Emprego, os dados são, de facto, pouco animadores.

O desemprego registado desceu 18,8% entre 2011 e 2016 para a população geral, mas aumentou 26,7% na população com deficiência e o desemprego de curta duração entre as pessoas com deficiência desceu 6,7% no mesmo período temporal, mas o desemprego de longa duração cresceu 63,8%. Por outro lado, indica que as pessoas com deficiência inseridas em empresas privadas com mais de 10 trabalhadores representam menos de 1% do total de trabalhadores e apenas 2,3% do total de trabalhadores da Administração Pública. A análise dos dados do relatório permite ainda verificar que tem havido uma tendência global de aumento do número de pessoas beneficiárias de medidas de Diagnóstico, Orientação e Formação e dos Apoios à Inserção e Colocação promovidas pelo IEFP, nas quais se incluem as medidas específicas (reabilitação profissional).

Como refere Rosa Moreira, da Humanitas (Federação Portuguesa para a Deficiência Mental), o aspeto positivo dos dados agora apresentados é que “há mais pessoas inscritas e a participar em programas, porque só inscritas no IEFP o podem fazer”, daí os números serem ainda mais reveladores da situação difícil em termos de emprego para quem é portador de deficiência. Perante a diversidade de medidas de emprego apoiado e no sentido de promover o emprego de pessoas portadoras de deficiência, a CNIS e o IEFP estabeleceram um protocolo com o objetivo de incentivar as IPSS associadas a promover uma maior empregabilidade daquelas pessoas nos seus quadros de pessoal.
“Há várias medidas e bastante ajustadas, mas não estão disseminadas”, refere Rosa Moreira, acrescentando que “é preciso aproveitar o potencial do universo das IPSS, trabalhar a informação junto dessas entidades, disseminá-la e fazer com que se apoderem dessas medidas”.

Paula Aguiar, diretora-técnica da Fundação Nuno Silveira, de Fânzeres (Gondomar), que trabalha na área da deficiência, olha com otimismo para este protocolo: “A nossa experiência de trabalho com outras IPSS tem sido muito positiva. Estas entidades, possivelmente, pela sua natureza e prática de trabalho com os grupos mais vulneráveis, têm-se revelado mais disponíveis para a integração em Formação Prática em Contexto de Trabalho (FPCT) dos nossos formandos. A integração em IPSS possibilita, por um lado, a consolidação das aprendizagens, o exercício prático em contexto real de trabalho e o reforço da autoestima e, por outro, permite à entidade conhecer o potencial de trabalho daquela pessoa. Após este período verificamos que a maioria das entidades gostaria de integrar nos seus quadros o formando que acompanhou. No entanto, deparam-se com dificuldades económicas para o fazer”.

Ora esta é a lacuna que o protocolo pretende preencher, uma vez que são várias as medidas do IEFP ao emprego apoiado para pessoas com deficiência que – conclusão geral – estão é pouco divulgadas.
Henrique Azevedo, do Centro Social das Taipas, refere mesmo que, “apesar do peso nas contas da instituição, há um retorno social”, até porque, sublinha, “a instituição investe para prestar apoio social e esta é mais uma forma de o fazer”. Para este responsável pela instituição das Taipas, as entidades do Setor Social Solidário “são as únicas com cariz social, ao contrário dos privados, pelo que é um universo com grande potencial para acolher estas pessoas”.

Com respostas sociais apenas na área da infância e da terceira idade, o Centro Social das Taipas é mais uma das muitas instituições espalhadas pelo território que, apesar de não serem insensíveis à questão da empregabilidade de pessoas com deficiência, desconhecem a ajudas que existem.
Paula Aguiar defende que “é fundamental haver uma maior divulgação dos apoios à contratação, atualmente existentes, para as entidades empregadoras em geral”, uma ideia que Rosa Moreira acompanha em pleno: “É muito importante haver uma disseminação das medidas existentes junto deste universo das IPSS, porque há medidas bastantes boas em que o posto de trabalho é quase pago na totalidade, mas que as entidades desconhecem”.

Muitas das vezes as instituições estão sensíveis a acolher pessoas em estágios, mas muitas das medidas propostas pelo IEFP permitem que seja celebrado um contrato de trabalho, com grande parte dos encargos a ficarem a cargo do Estado. “Verificamos que a dificuldade de integração no mercado de trabalho não tem diretamente que ver com a falta de capacidades ou qualificações, mas com preconceitos, com a falta de vontade das pessoas responsáveis pelos serviços de se adaptarem à diversidade humana e com o enfoque excessivo que é dado às limitações das pessoas com deficiência”, aponta Paula Aguiar, sublinhando: “As pessoas com deficiência deparam-se com dificuldades específicas no acesso ao trabalho, nem sempre relacionadas com a falta de qualificações. Há um desconhecimento generalizado do potencial de trabalho das pessoas com deficiência e dos incentivos à sua contratação. Seria necessário fazer um trabalho de informação e sensibilização a nível nacional, de grande projeção, dirigida aos empregadores, evidenciando as vantagens da contratação de pessoas com deficiência”.

Neste particular, Rosa Moreira, da Humanitas, considera que “a disseminação das medidas de apoio existentes é fundamental”, olhando o mundo das IPSS com entusiamo: “As instituições que trabalham a deficiência devem mediar a integração no mercado de trabalho, porque são as que estão mais aptas, e as demais receber estas pessoas e darem-lhe emprego”. É com este espírito que o Centro Social das Taipas se prepara para receber mais um trabalhador, no caso com deficiência do foro mental, “para apoiar no serviço de logística”, revela Henrique Azevedo. Por seu turno, a Fundação Nuno Silveira integra nos seus quadros cinco trabalhadores portadores de deficiência, tem mais de uma dezena colocados em empresas do concelho e nas instalações da instituição funciona, fruto de um protocolo com uma empresa, um serviço de montagem de molas que integra 25 utentes, protocolado com uma empresa.

“A experiência de emprego de pessoas com deficiência na Fundação em termos de desempenho e interação é, em tudo, semelhante à dos demais trabalhadores. A Fundação emprega, atualmente, cinco pessoas com deficiência, sendo que as limitações individuais de cada um destes trabalhadores não constituem qualquer impedimento ao trabalho rentável que realizam. Valorizamos as suas aptidões e, em conjunto, ultrapassamos as suas limitações”, conclui Paula Aguiar. Como está plasmado no Artigo 27º da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que Portugal ratificou em 2009, os Estados subscritores “reconhecem o direito das pessoas com deficiência a trabalhar, em condições de igualdade com as demais”.

E isto, entre outras coisas, significa: “O direito à oportunidade de ganhar a vida através de um trabalho livremente escolhido ou aceite num mercado e ambiente de trabalho aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência”. Assim, e na prossecução deste desígnio, o IEFP estabeleceu o protocolo com a CNIS, que agora junto das suas associadas, que pela sua natureza e missão devem estar sensíveis à questão, vai divulgar as diversas medidas de apoio ao emprego de pessoas com deficiência.

MEDIDAS DE APOIO AO EMPREGO

Algumas das medidas existentes para apoio ao emprego de pessoas com deficiência e incapacidade:

EAMA – Emprego Apoiado em Mercado Aberto
Consiste na atividade profissional desenvolvida por pessoas com deficiência e incapacidade e capacidade de trabalho reduzida, em postos de trabalho em regime de contrato de emprego apoiado.

Estágios de inserção
Visam apoiar a integração ou reintegração no mercado de trabalho de pessoas com deficiência e incapacidade desempregadas ou à procura de primeiro emprego, através de formação prática em contexto laboral, que complemente e aperfeiçoe as suas competências.

Contratos emprego inserção
Possibilita o desenvolvimento de atividades socialmente úteis por pessoas com deficiência e incapacidade, com vista a reforçar as suas competências relacionais e pessoais, valorizar a autoestima, bem como estimular hábitos de trabalho, enquanto não tiver oportunidade de trabalho.

Centros de emprego protegido
Visa proporcionar às pessoas com deficiência e incapacidade e com capacidade de trabalho reduzida o exercício de uma atividade profissional e o desenvolvimento de competências pessoais, sociais e profissionais necessárias à sua integração em regime normal de trabalho em postos de trabalho em regime de emprego apoiado.

Estímulo-Emprego
Apoio financeiro aos empregadores que celebrem contratos de trabalho a termo certo por prazo igual ou superior a seis meses ou contratos de trabalho sem termo, a tempo completo ou a tempo parcial, com pessoas com deficiência ou incapacidade, com a obrigação de proporcionarem formação profissional.

Fonte: Solidariedade

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