Imagem JN |
Ao fundo Duarte Arsénio e amigos a montarem a jaula |
Felizmente apareceu o deputado Jorge Falcato, e graças a si a situação foi desbloqueada e a jaula voltou para o passeio junto à AR. Só tinha de ser assim. Avisei com antecedência a Câmara Municipal de Lisboa sobre o protesto e tamanho da jaula, que por sua vez encaminhou a informação para o Ministério da Administração Interna e Comando Geral da PSP.
Começam a chegar os primeiros jornalistas, dou entrevistas e despeço-me, e entro para a jaula, Rafaela Fialho a minha acompanhante deita-me na cama de costas, posição sugerida pelo Sérgio Lopes, também tetra, e ainda bem que a acatei, porque foi muito mais fácil interagir com as pessoas, dar entrevistas, atender alguns telefonemas, sugar água através da sonda e passar o tempo. Ainda bem que não fiquei de barriga por baixo, como previsto.
Começam a chegar os primeiros jornalistas, dou entrevistas e despeço-me, e entro para a jaula, Rafaela Fialho a minha acompanhante deita-me na cama de costas, posição sugerida pelo Sérgio Lopes, também tetra, e ainda bem que a acatei, porque foi muito mais fácil interagir com as pessoas, dar entrevistas, atender alguns telefonemas, sugar água através da sonda e passar o tempo. Ainda bem que não fiquei de barriga por baixo, como previsto.
A JAULA E A HUMILHAÇÃO
A rede passou a ser a minha janela para o exterior e também a prova da minha prisão. Antes de tudo o meu olhar tinha de se focar nela. Todas as imagens que recebia estavam enjauladas, e começo a sentir a humilhação a invadir-me. Vem a vontade de chorar. Foi o início de muita dor na alma. A exposição deixa-me de rastos. Doe-me muito. Demoro muito tempo a esquecer. Calma, engoli em seco, olhei em volta e ali estavam os fiéis guerreiros e guerreiras do costume ao meu lado, também pensei em todos os outros que como eu se sentem aprisionados todos os dias, e encarei a situação de frente. Guardiãs |
PRESENTES E COMIDA
Os primeiros trouxeram chá e biscoitos, outros continuaram a trazer comida, a eles e todos os outros que foram aparecendo, expliquei que não iria me alimentar. O Francisco trouxe-me uma rosa, o amigo e comendador Arruda, presidente da Associação dos Deficientes das Forças Armadas, ofereceu-me a sua medalha conquistada na maratona das descobertas realizada naquele dia, também recebi umas quentinhas collants térmicas, pantufas, almofada, etc Rosa. Imagem R. Renascença |
Chá quentinho. Imagem Sara Dias. |
A PRIMEIRA NOITE
A noite foi difícil de passar. Teria sido muito mais complicado se a Isabel Faria e amigos, não tivessem encontrado maneira de tapar a maior parte da jaula, com uma espécie de lona. Dizia-me o deputado Jorge Falcato. Não tens um aquecedor? Sinceramente nem sequer imaginava que existissem aquecedores de rua. Os meus protetores fazem-me chegar também um aquecedor que ficou a noite toda ligado. O frio e desconforto diminuiu muito. A noite avança, consegui convencê-los a sair. Entenderam que seria muito doloroso para mim vê-los a passar frio e a sofrer por minha causa. A lona. Imagem Pedro Homem de Gouveia |
A Rafaela Fialho, essa não consegui convencer a sair de perto. Foi descansar para o carro estacionado no outro lado da rua, e ia aparecendo de vez em quando a tremer de frio. Na primeira noite ainda tentou que eu me alimentasse. Come só um pouquinho de doce gato! (é brasuca) Não Rafaela, nem penses. Ai gato, estou tão triste! Esquece, é muito importante para mim cumprir com o que prometi. É a minha verdade. Ainda insistiu: e um suco, água com açúcar? Isso não é comida. Como não cedi, lá vai ela toda tristinha encolhida devido ao frio. Felizmente não aceitei que tapassem também a rede da parte da frente da jaula. Foram surgindo pessoas quase toda a noite, policiais de serviço também iam passando e perguntando se estava bem.
Rafaela Fialho após noite mal dormida |
CANSAÇO
Surgem os primeiros sinais de desgaste. Também devido ao facto de ter suspendido a medicação do dia-a-dia. Olhos a arder, cheios de água, e muito pesados que mal conseguia manter abertos. A perna esquerda resolve ter uma crise de espasmos. Esticões seguidos que nunca mais paravam. Quando acontece é porque algo no organismo não se encontra bem. Ligeira dor de cabeça e muito cansaço cerebral, assim com desconforto devido ao frio. Tentei tapar o rosto com a roupa da cama, na tentativa de dormir uns minutinhos pelo menos. Mas foi impossível, a perna não parava de pular, o barulho na via pública era muito, alguns curiosos paravam. Destapei a cara e começo a sentir o rosto húmido de maresia, o chão brilhava molhado, o frio trazido pelo vento começa a surgir junto à cabeça, fixo o olhar no passeio sem fim ao fundo das escadarias da Assembleia da República, e eu ali naquela cama. Como vieste aqui parar Eduardo? Porquê tudo isto Eduardo? Confirmei o esperado. O meu grito de desespero não foi ouvido pelos governantes. Fui mais uma vez ignorado. Veio a tristeza e com ela as primeiras lágrimas. Só voltaram a surgir com a entrega da rosa pelo Francisco. Voltei a ser prático e determinado. Dava jeito. Eu que me sentia tão forte e convicto até aquele momento não podia começar a ceder.
SEGUNDO DIA
Surgem os primeiros raios da manhã. Frio apertava. Dor de cabeça mantinha-se. Desgaste emocional também. Ai se eu pudesse lavar pelo menos os olhos e as mãos, aliviar uns segundos o corpo daquele colchão que se colava a ele…Rafaela surge ao fundo toda encolhida a perguntar se estava bem. Respondo que sim. Fico com o coração apertado por imaginar a péssima noite que passou por minha causa. Surge o Sérgio Lopes, de seguida os outros e outras. Começa a rotina. Mais chá, comidinha, chocolate quente e muito amor, e eu sem fome nenhuma. Serviam-se os outros. Nada se perdia.
ESTOU A ATENTAR CONTRA A MINHA VIDA?
Sou visitado pelo Srº Delegado de Saúde Regional de Lisboa e Vale do Tejo, que a pedido da respetiva Administração Regional de Saúde, mostrava a sua preocupação com a minha saúde. Recebi os seus conselhos e agradeci. No primeiro dia também tinha recebido a visita de um médico com as mesmas preocupações. A enfermeira Teresinha também não me deixou um minuto. Médicos do Mundo também marcaram presença. Todos com a mesma preocupação. A minha suposta frágil saúde. Fisicamente até poderia estar, mas mentalmente continuava forte. De todos vinha o conselho para beber água com açúcar ou com clara de ovo. Era fundamentel ingerir proteína. Como se tratava de líquidos isso não inviabilizava a minha greve a alimentos. Resisti. E sinceramente não sentia fome.
AUTORIDADES
Comuniquei o protesto a todos os grupos parlamentares, deputados eleitos pelo meu distrito, gabinete Srª Secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Presidência da República, gabinete Primeiro Ministro e Instituto Nacional para a Reabilitação. Recebi um email da deputada Idália Serrão do Partido Socialista, de imediato um telefonema do deputado Jorge Falcato, independente pelo Bloco de Esquerda (BE) a mostrar a sua preocupação e a tentar demover-me da ação por achar que estaria a pôr em risco a minha saúde. Ao verificar que nada me demovia, mostrou a sua solidariedade e disponibilidade para ajudar. O que aconteceu. Esteve sempre ao nosso lado no terreno. No 2º dia recebi a visita da coordenadora do BE Catarina Martins, acompanhada por vários órgãos de comunicação social, depois de se inteirar do meu protesto comunicou-me o que eu também já sabia, que a minha ação poderia ter sido evitada caso o Governo tivesse aceite a proposta do BE apresentada 3 dias antes no Parlamento, a propor a alteração do Decreto Lei 129/2017 a solicitar os 6 meses de transição para permitir a desinstitucionalização que eu estava também a exigir. Não tenho dúvidas que a sua presença tornou ainda mais visível o meu protesto.
Também compareceram duas representantes do Instituto Nacional para a Reabilitação, a pedido dos membros do seu Conselho Diretivo. Do Gabinete do nosso Primeiro Ministro recebi a resposta que tinham encaminhado o assunto para o Ministério do T. Solidariedade e Segurança Social, e da presidência recebi um ofício que me deixou ainda com mais vontade de avançar. Confundiam Estatuto do Cuidador com Modelo de Apoio à Vida Independente. No último momento do protesto sou visitado pelo deputado do PSD, de Santarém, o distrito onde resido e sou votante, Duarte Marques.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA. EU NÃO DISSE QUE ELE VINHA?
A segunda noite noite chegou, nada mudou. Eu na mesma posição, sem higiene e sem me alimentar. Desgaste mental estava a ser cada vez mais notório. Fome não tinha, dor de cabeça e olhos a arder sim. Pessoas não paravam de mostrar a sua solidariedade, os meu guardiãs firmes ao meu lado. Telefonemas e mensagens muitas, maioria devido ao posicionamento não conseguia atender. Sara Dias ex colega da faculdade, outra amiga incansável que esteve comigo do primeiro ao último minuto, fez o favor de me entregar um carregador de bateria portátil, para o telemóvel poder continuar a funcionar. De repente ouço um burburinho: é o presidente! É ele! Eu sabia que ele vinha! E vejo-o junto à rede que nos separava a chamar pelo meu nome.Presidente da República. Imagem Sara Dias |
PR e Sec. Estado. Imagem Sara Dias. |
PR e SE |
QUERO UM SELFIE COM O PRESIDENTE GATO!
Dias antes, tinha estado presente na gala comemorativa dos 15 anos da Associação Salvador, onde fizeram o favor de me atribuir o prémio de mérito “Comunidade” pelo meu ativismo. O convite informava que a gala teria o alto patrocínio do Srº Presidente da República. A Rafaela Fialho, é o meu apoio nestas saídas, e logo começou a dizer que o que mais queria era uma selfie, mas o desgosto foi grande porque o Presidente esteve ausente, e só apareceu em vídeo. Selfie nada. Quando vejo o Presidente a despedir-se, imaginei que a Rafaela tinha conseguido a selfie sonhada, mas na dúvida resolvi informar o Presidente do seu sonho, não fosse ele mais uma vez ficar por realizar. Ainda bem que o fiz, a Rafaela sabe-se lá porquê, tinha achado que incomodava, e não teve coragem de solicitar a bendita selfie. Mas de imediato o Presidente a chamou, de um só pulo lá estava ao seu lado, e a selfie aconteceu à primeira. Logo ela que todas as fotos só estão ao seu gosto a partir da meia dúzia para lá. Desta vez estava ótima. Rafaela conseguiu a sua selfie com o Presidente da República, ficou muito feliz, e eu ainda mais por ela. Rafaela Fialho e o Presidente da República |
E AGORA COMO SAIO DAQUI?
Olho e vejo o meu enfermeiro Tiago Barbosa, e o meu fisioterapeuta Pedro Oliveira, vindos da Chamusca para me visitar. Logo pensei: são eles que vão ajudar a desmontar a jaula e levar-me de volta para a Carregueira, que ainda fica a mais de 100 km. Assim aconteceu, e com o apoio de muitos, tudo foi desmontado, e por volta da meia noite já me encontrava no lar do Centro de Apoio Social da Carregueira. Pedro Oliveira e Tiago Barbosa. Imagem Sara Dias. |
SORTE
Tive muita sorte. Não choveu. Protegeram-me do frio. Motoristas aparecerem sem esperar. Jornalistas deram-me voz. Sociedade entendeu a mensagem que tinha para passar. Presidente da República mostrou que também sente afetos por nós. Não criei nenhuma escara. Decreto Lei foi alterado e notou-se um pequeno avançar do processo implementação Modelo de Apoio Vida Independente.
APROVEITEM
Tenho recebido informações que muitas pessoas somente tiveram conhecimento da assistência pessoal através da ação. Aproveito para informar que caso desejem candidatar-se ao apoio de assistência pessoal, devem procurar um destes Centros de Apoio à Vida Independente (CAVIS) na vossa região e inscrever-se. https://tetraplegicos.blogspot.com/2018/05/lista-de-cavis-centros-de-apoio-vida.html
HERÓI
Conseguiste! És o nosso herói! Obrigado! São frases que me dirigem com frequência. Sinceramente sinto que nada mais fiz do que a minha obrigação. Faria tudo outra vez. Faz parte de mim não ficar em casa quieto, sem agir perante injustiças. Reajo, e esta foi a maneira que encontrei para o fazer desta vez. Nada mais que isso. Venci? Não se trata disso. Não há vencidos e nem vencedores. Senti-me injustiçado, reclamei, fui ouvido, entenderam que tinha razão, e foi feito justiça. Expetativas: Não tenho. Só quando me encontrar na minha casa, ou outro local escolhido por mim, a viver com quem quero, como quero, com direito a assistência pessoal, autónomo, a sentir-me dono da minha vida, é que sentirei o meu dever cumprido. Por enquanto foi dado só mais um passo nesta batalha titânica que parece não ter fim.
A REUNIÃO
Aconteceu nesta última 5ª feira, pelas 11h00 no Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, em Lisboa. Na presença da Srª Secretária de Estado e a sua equipa, e fiz-me acompanhar pela Diana Santos, representante do Centro de Vida Independente (CVI) de Lisboa, Luís Quaresma a representar a Federação das Doenças Raras de Portugal, e o Sérgio Lopes pertencente á Mithós Histórias Exemplares e CVI Lisboa, responsável pelo cartaz a anunciar a ação, e também juntamente com o Tó Silva, meu presidente Duarte Arsénio, os primeiros e únicos a conhecer os meus planos e a aturar-me durante dias. Ao contrário do encontro agressivo junto à Assembleia da República, notório em várias filmagens a circular pela internet, a reunião decorreu num clima de cordialidade e respeito. Uma postura completamente diferente da parte da Srª Secretária de Estado, e que registei com muito agrado. Espero que a nossa relação volte ao respeito e até amizade como acontecia no início da sua tomada de posse. Da minha parte tudo farei para que isso aconteça. Sempre me regi pelo respeito e tolerância. Após a reunião |
O MEU LAR
No início senti algum receio de acharem que estava a lutar contra o lar do Centro de Apoio Social da Carregueira, local onde trabalho e vivo. Esta instituição deu-me tudo. Devo-lhes muito. Não poderia ser melhor tratado, mas felizmente entenderam que a minha luta é contra a institucionalização compulsiva como única alternativa. Queremos decidir com, como, e onde viver. Centro de Apoio Social da Carregueira |
AGRADECIMENTOS
A todos que desde a primeira hora estiveram ao meu lado, principalmente Rafaela Fialho, muito, mas mesmo muito obrigado.
O protesto na comunicação social.
Eduardo Jorge
Centro de Apoio Social da Carregueira, dezembro de 2018
Só ao fim de muitos anos da minha vida "calminha e sossegadinha" me apercebi das dificuldades que os cidadãos portugueses sentem quando têm doenças incapacitantes. Fazia parte de um grupo adormecido na sociedade portuguesa. Eu como muitos outros milhares de portugueses nunca tivemos a capacidade de pensar de que forma vivem, funcionam e não são apoiados todos os cidadãos com incapacidades, sejam elas quais forem. Todos os dias me vou apercebendo que vivemos num Estado que de Social nada tem e a culpa é nossa porque não sabemos exigir o que é nosso por direito. Obrigada Eduarda Jorge por esta chamada de atenção pública.
ResponderEliminarMuita sorte!!!!
Ainda bem que consegui passar a mensagem. É fundamental esta consciencialização por parte da sociedade. Obrigado por estar desperta para.
EliminarSempre e sempre, Obrigado por tudo, Eduardo!!!
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