São testemunhos reais e capítulos marcantes. Eles estão atados a uma cadeira de rodas e não têm total mobilidade. A acessibilidade é proibida em vários sentidos. Não é interdita na esquerda nem na direita. Nem está assinalada com o sinal vermelho. É mais que isso.
Chega antes da palavra acessível e depois de acessão. Pela linguagem do dicionário acessibilidade significa «Qualidade do que é acessível, do que tem acesso. Facilidade, possibilidade na aquisição, na aproximação: a acessibilidade de um emprego.» Muitas vezes é uma usada de forma inadequada.
Homens e mulheres. Raparigas e rapazes. Uns conversam à vontade sobre o assunto. Outros encolhem-se e apoiam-se nos monossílabos. Mas em cada palavra que soletram, ouve-se o tom de sonhadores. Não demonstram pressa em chegar ao cume da felicidade. Não querem ficar para trás. Por isso, todos os dias são vencedores e heróis de uma aventura de barreiras arquitectónicas. Gincanas que se atravessam em cada esquina. Toda a rua é uma surpresa. E cada surpresa é uma viagem cheia de adrenalina imposta.
A vida num minuto
O acidente foi há seis anos. No dia 14 de Junho de 2004 Manuela Ralha estava de saída para um dia normal de trabalho. Era a altura que dava aulas na escola Martinho Vaz de Castelo Branco, na Póvoa de Sta. Iria e tinha várias actividades relacionadas com a música. Dirigia grupos corais e dava aulas de técnica vocal. Professora e amiga tinha auxiliado uma colega de Religião e Moral, que ia apresentar as Marchas Populares na escola. Era o dia da exibição.
Estava parada numa fila de trânsito, na estrada que vai para Vialonga, a 100 metros do portão da Central de Cervejas. O trânsito estava parado e estava na fila. De repente apareceu um camião desorientado. O embate apanhou-lhe de surpresa e deu-se o acidente que mudou para sempre a vida de Manuela. ‘A vida num minuto’ é o nome do blogue que criou para transpor os seus sentimentos nesta luta. As rotinas fora de casa são poucas, mas as dificuldades inerentes à falta de acessibilidade são mais que uma mão cheia. Residente em Vila Franca de Xira, a deslocação para a fisioterapia todos os dias não é fácil. Os obstáculos são inúmeros nesta viagem. “Quando chego ao pé do edifício, tenho que ser ajudada porque tem lancis no passeio demasiado altos, carros mal estacionados, rampas de acesso ao edifício Planície em Vila Franca demasiado inclinadas…e o acesso ao edifício faz-se se o elevador não estiver avariado. Depois espero que me vão buscar no regresso”, relata.
Além desta viagem, Manuela tem a fazeres fora do seu lar. Demoram muito mais que o tempo que previa. Basta pôr o corpo fora de casa e começa a aventura. “Uns dias vou às compras, que faz parte do meu papel de mulher e mãe, o que é também uma aventura, devido ao sítio onde colocam os produtos, normalmente demasiado altos. Se tenho que ir ao multibanco, é uma festa. Estico-me para o utilizar e quase caio da cadeira abaixo, porque não estão devidamente adaptados”, conta. E acrescenta lembrando alguns episódios: “Os restaurantes onde vou primam pelo problema da minha cadeira não caber debaixo da mesa, ao que eu já me habituei, e das casas de banho não permitirem a utilização de pessoas com mobilidade condicionada, o que faz de mim muitas vezes uma atleta de alta competição ou uma artista de circo. Não tenho acesso à saúde, porque a minha médica de família fica no centro de saúde de Vila Franca de Xira, no segundo andar, sem elevador”.
As barreiras arquitectónicas
Telefones públicos e multibancos. As pessoas com limitações locomotoras são esquecidas nestas actividades. As sugestões para contornar este problema podem ser algumas. David Fonseca estuda no curso de reabilitação psicomotora na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e está familiarizado com esta lacuna. “Hoje em dia que se fala tanto em telecomunicações e nos média, uma cabine telefónica que tenha tamanho para uma cadeira de rodas e um telefone público com uma altura mais baixa para uma pessoa de locomoção limitada por um determinado período da vida ou de forma permanente poder telefonar ou consultar as informações dadas por cabinas de informação pública. Penso que as entidades responsáveis deviam estar muito atenta pois à muito tempo que se sabe que há cabinas mais largas e telefones mais baixos que se poderiam aplicar,”sugere.
Acessibilidade e reabilitação são temas muito debatidos nos dias de hoje. Abel Trigo é dos primeiros licenciados em engenharia de reabilitação e acessibilidade humanas pela faculdade de Vila Real. “Este curso consiste na aplicação da ciência e da tecnologia na melhoria da qualidade de vida de populações com necessidades especiais, nomeadamente pessoas com deficiência, idosos e acamados em áreas como o acesso a tecnologias e serviços, educação, emprego, saúde e reabilitação funcional, mobilidade e transportes, vida independente e recreação,” decifra este curso.
Nos dias que correm o ideal de eliminação de barreiras ainda está muito longe. “Nunca poderemos falar de uma igualdade ou de uma situação ideal, uma vez que o ser humano não foi feito para andar numa cadeira de rodas, e porque a morfologia dos terrenos e a própria paisagem natural impossibilitará sempre o acesso, por aquelas, a alguns espaços ou locais. Ainda assim, quero acreditar que, de forma geral, o caminho será este”, realça Pedro Andrade de 30 anos, um rapaz de mobilidade reduzida.
O atletismo em cadeira de rodas
Ainda no distrito de Vila Real, mas na vila de Lordelo, Mário Trindade já é um herói atleta paraplégico. Na vila ainda se observa algumas barreiras arquitectónicas, mas com o passar do tempo têm vindo a desaparecer. A autarquia de Lordelo mostrou-se sensível a esta problemática e com esta atitude foi atribuída a bandeira grau ouro no que diz respeito às acessibilidades. 1992 foi um ano marcante na vida deste atleta. Um ano em que tudo mudou devido a uma escoliose. A operação para corrigir não correu tão bem como era esperado e quando abriu os olhos da cirurgia já estava paraplégico. “Estou longe de ser uma estrela, mas sinto que sou uma pessoa que algumas pessoas admiram pela minha força e vontade de ir a luta. Dar a volta por cima só tinha uma coisa em mente quero viver e ser feliz, e aquilo que me causava alguma tristeza tenta mudar, para mim nunca foi difícil aceitar o facto de ter de passar os dias numa cadeira de rodas e isso ajudou muito, as pessoas que lidam diariamente comigo esquecem-se que uso uma cadeira de rodas, isto porque eu em parte também quase me esqueço, se temos um problema…ele é muito maior se lhe damos demasiada importância”, confessa.
Do outro lado do oceano mas ainda em Portugal, o atleta Hélder Fernandes já lutou por inúmeras barreiras, mas ainda está longe da meta de obstáculos. “Tirando o que já tenho e consegui, falta-me uma habitação, própria, mas como vivo de uma pensão de invalidez, não tenho acesso ao crédito bancário, para conseguir uma casa minha”, confessa. E de Ponta Delgada acrescenta: “Aqui nos Açores, falta uma mentalidade mais aberta, por parte dos Açorianos, em relação às pessoas com deficiência, para tudo, para o desporto, para socializarem, trabalharem, acomodam-se muito, e cruzam os braços, ficando em casa.”
A acessibilidade no emprego
Acessibilidade é também no emprego. Mas a realidade mostra uma total inviabilidade quanto a esta lacuna de várias pessoas. Para os necessitados o centro de emprego não resolve os problemas. “Quando fiquei paraplégico inscrevi-me no centro de emprego, mas nunca me chamaram para nada. Até que comecei eu a procurar. Trabalhei durante cinco anos num salão de jogos. Mais tarde tive num clube de vídeo durante um ano. No final desse ano fui tirar um curso de auxiliar administrativo e depois fui trabalhar para a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), onde estive durante quatro anos. Depois deixei de trabalhar para me dedicar ao desporto de corpo e alma”, conta o atleta.
Em Armação de Pêra, Pedro Alves Andrade está desempregado. Desde 2007 que está numa cadeira de rodas. “O instituto do emprego não resolve estas situações! Com o momento de “crise” e desemprego que se vive, o centro de emprego tem dificuldades extra em colocar trabalhadores com deficiência. Ainda para mais, quando todos os apoios e incentivos à contratação de trabalhadores com mobilidade reduzida, não saem do papel! Estou inscrito há 5 meses e tive 0 propostas”, relata com revolta.
As molestas covas na calçada
Buracos e mais buracos. Concavidades e falhas nos passeios. Passadeiras de peões sem rampas. As barreiras arquitectónicas não param de aparecer. A cada passeio existe um muro de dificuldades por passar. Dos mais pequenos casos até aos grandes problemas. Com uma pequena diferença, estes cidadãos estão impossibilitados de uma movimentação normal e sem ajudas por todas as cidades. Portador de uma paralisia cerebral, Pedro Monteiro partilha a sua rotina com a cidade de Aveiro e sugere contornos para esta inacessibilidade: “Deve-se sensibilizar pessoas com deficiência e as famílias a terem outros comportamentos perante a sociedade, saindo mais de casa, a não ter vergonha por andarem numa cadeira de rodas, a participarem, activamente, na sociedade e não em grupos fechados que só servem ainda mais para discriminarem as pessoas ‘ora lá vem o grupo do deficiente’”. E acrescenta: “Depois disso, a sociedade começavam a ver as pessoas com deficiência com respeito e pessoas com os mesmos direitos e deveres. Até lá, somos vistos como Judeus na Alemanha Nazi.”
A descriminação
Descriminação é palavra que não falta na revolta destes seres especiais. “Há um certo tipo de descriminação por parte da sociedade. Embora ano após ano se note uma grande melhoria, mas principalmente nas cidades mais pequenas, vilas, aldeias ainda há muita descriminação. Quando fiquei deficiente aqui há uns 17 anos atrás também fui muitas vezes descriminado, nas minhas procuras de trabalho ouvi muitos “não” por ser deficiente, pois não tinha uma boa postura para estar por trás de um balcão, e muitas vezes ouvia a palavra coitadinho, mais isso para mim era dar-me ainda mais força para continuar”, confessa Mário Trindade.
Contudo, há quem tenha uma opinião mais positiva. “Talvez não haja descriminação. Apesar de tudo, a mentalidade da sociedade foi evoluindo e hoje, será injusto falar em descriminação”, afirma Pedro Andrade.
Mas os episódios de descriminação não terminam. Nelson Mendes não esquece o 10º ano de escolaridade. “Cheguei a chorar na turma porque eu não conseguia passar os apontamentos no quadro, porque a professora de Biologia e Geologia apagava os apontamentos antes de eu terminar de escrever. Muitos dos meus apontamentos tinha o início e não tinha o fim. E só não consegui completar o 10º ano de Escolaridade, porque apareceram-me as escarras «feridas» na minha perna esquerda, devido as muitas horas que eu ficava sentado na minha cadeira de rodas, dado que só podia ficar sentado 4 horas seguidos e eu fazia 7 horas seguidas”, relembra.
As leis da acessibilidade e os edifícios
Os edifícios que não cumprem as leis da acessibilidade para deficientes preenchem as linhas de Portugal inteiro. Prédios altos com escadas, sem elevadores nem rampas são o que não falta em todas as cidades portuguesas. Porém ainda se consegue observar um ou outro edifício construído a pensar nestes seres. Pedro Homem de Gouveia é arquitecto na Câmara Municipal de Lisboa e descodifica o modo de realização destas construções. “A acessibilidade deve ser o mais natural, discreta e integrada possível. A “imagem” da acessibilidade deve ser, no fundo, a falta de barreiras. O essencial a ter em conta é que a acessibilidade está em causa ao longo de todo o processo, nas várias escalas do projecto (desde o momento em que se define a altura a que vai ficar a entrada, até ao momento em que se escolhe o tipo de torneira) e nas várias fases da obra. E não só da obra, da gestão também – o melhor exemplo (negativo) é o do WC acessível que está trancado e ocupado com material de limpeza.”
As cadeiras de rodas estão numa constante corrida de obstáculos. As portas dos edifícios não têm medidas adequadas para este transporte. Para ser acessível uma porta deve ter uma largura útil (livre) mínima de 77cm, e dispor de ambos os lados de uma zona de manobra (espaço livre) que permita a quem passa manobrar a cadeira de rodas de forma a alcançar o puxador da porta. Não se pode chamar normal a uma porta que não deixa parte dos seus utilizadores passar. As passagens têm de ser acessíveis a todos para que sejam consideradas ‘normais’.
O arquitecto Pedro Gouveia está a par da importância da acessibilidade na concepção dos edifícios de habitação. “A acessibilidade é fundamental. Primeiro, porque é um direito – todos têm o direito de usufruir plenamente dos edifícios, bens e serviços. Segundo, porque é uma questão de interesse público – e isto, o envelhecimento demográfico vai tornar cada vez mais evidente, à medida que uma parte cada vez maior da população vai perdendo a autonomia devido às barreiras à acessibilidade, gerando uma procura de serviços de apoio que será insustentável para o erário público. Terceiro, porque é um critério objectivo de qualidade – edificações acessíveis serão sempre mais confortáveis, seguras e funcionais, em benefício de todos os utilizadores (com ou sem deficiência) ”, refere.
As pessoas com dificuldades locomotoras são esquecidas nas plantas dos edifícios. Mas há quem defenda que este esquecimento pode diminuir. “Se existe esquecimento, têm tendência a diminuir. É um facto, que devemos ter presente, que a legislação que estabelece as exigências em matéria de acessibilidade é relativamente inovadora, especialmente se tivermos em conta hábitos que já levam centenas ou milhares de anos. Isto é um desafio para todos os agentes do sector da construção. Actualmente, não podem ser licenciadas obras que não cumpram as normas de acessibilidade exigíveis em cada caso, e os profissionais têm uma noção cada vez mais clara das responsabilidades em que incorrem em caso de incumprimento (civil, criminal, disciplinar, etc.)”, sustenta o arquitecto da Câmara Municipal de Lisboa.
As associações de … apoio
Siglas de cores diferentes. Presidentes com rostos diferentes e histórias de vida distintas. As associações de apoio a estas pessoas são inúmeras, mas há quem não as veja com grande utilidade. “Portugal gosta de criar becos, ou grupos, faz parte da raça humana criar grupinhos, logo cedo na infância criamos os nossos grupos de amigos falamos com A, B, C e desprezamos o D, as Associações, na maneira geral, só existem para criar grupinhos e para lutar pelas mesmas causas do que outro grupo só com nome diferente, assim só estamos a diminuir o poder de todos os deficientes se houvesse uma única associação. Mas pronto até é divertido e dá para angariar dinheiro para almoços e jantares. Veja o caso da Espanha que só tem uma grande associação de Deficiente, a ONCE”, analisa Pedro Monteiro, portador de uma paralisia cerebral. Apoiada nesta ideia, Manuela Ralha vai mais longe. “Muitas vezes estas associações servem-se a si próprias em vez de servirem o propósito dos associados ou do grupo que deveriam apoiar. Por exemplo, quantos somos? No Brasil foram feitos censos para permitir que haja uma noção efectiva da população portadora de deficiência…porque os cidadãos brasileiros, os portadores de deficiência foram para a rua protestar, mas isso é outra história. Nós somos um povo muito passivo em tudo. Se de facto as associações trabalhassem mais, haveria um apoio mais efectivo, uma fiscalização mais firme e uma inclusão mais efectiva”, sublinha.
A Organização Mundial de Saúde define hoje a Incapacidade como um produto da relação entre a pessoa e o meio. Por outras palavras, a Incapacidade não é uma “cruz” que a pessoa carrega e que só a ela diz respeito, mas algo que é provocado pela forma como uma edificação não respeita as necessidades do utilizador. Existem edifícios incapacitantes, que geram vários tipos de dificuldades: na circulação, orientação, etc.
São muitos, os seres bípedes que correm todos os dias a calçada preocupados com os horários a cumprir e, não reparam nos que precisam de uma mão. Mas há muitos que reparam e que em vez de ajudar, humilham os que têm contrariedades de movimento. “Mas que raio de gente é esta? Que confunde deficiência com debilidade mental? Ninguém é deficiente por vontade própria. Mas ninguém se deve envergonhar da deficiência”, invocou Marina Mota expressando raiva e rancor na peça ‘Piratada à portuguesa’ que esteve nos palcos em 2009.
Muitas pessoas envergonham-se da sua debilitação. “Porque não é fácil conviver com uma situação de dependência. Porque não têm apoio psicológico nem familiar que as faça enfrentar a situação. Porque as barreiras físicas e psicológicas são tantas que a pessoa desiste, pura e simplesmente desiste. Eu própria sinto-me por vezes, como o dom Quixote, a lutar contra moinhos de vento e apetece-me desistir, baixar os braços, entregar-me à depressão. A sociedade é demasiado cruel com aqueles que são diferentes”, clarifica Manuela Ralha.
Noutra perspectiva há quem tenha uma opinião distinta. “A meu ver os deficientes não precisam de qualquer apoio solidário. Precisam sim do direito de possuir uma vida digna e lutar por isso. Temos o apoio do terceiro mundo”, sublinha Pedro Monteiro de Aveiro.
O quotidiano
As rotinas destes cidadãos diferem em muito. Os cuidados são mais que muitos. Os olhos têm de estar bem abertos. Atenção aos sentidos proibidos. Reduzir a velocidade e conduzir a cadeira de rodas com prudência. Tolerância zero. O perigo anda à espreita. Ana Couto tem 21 anos e desde o acidente de parto teve a companhia da cadeira de rodas. “Um dia saí com uns amigos para ir visitar umas faculdades. Uma delas foi o ISEG que fica no Rato. Aqui em Odivelas no metro, por acaso existe acessibilidade, mas a chegada ao metro do Rato foi uma aventura. Existe um elevador para o exterior, mas por azar não estava a funcionar. Tive que ir ao colo dos meus amigos e ainda por cima, aquelas escadas são íngremes e devem ser mais ou menos 80 escadas. E ao chegar a rua, os passeios estão completos de carros”, conta.
Mas há ainda quem não altere a rotina pela diferença de movimento. “Sou dirigente associativo e atleta. Levanto-me por volta das 8h30m, vou treinar cerca de uma hora. Depois de um duche vou tratar de assuntos da associação, tais como reuniões, palestras em escolas, inscrições em provas. Por volta do meio – dia almoço. Da parte da tarde, ou fico em casa a tratar de assuntos da ANACR, tais como ver o correio, actualizar sites com noticias, enviar e-mails para associados, isto ate por volta das 17h. Mais tarde volto a ir ate a pista da UTAD para mais um treino de 1h30m. Após o treino regresso a casa, janto e por volta das 20h30m vou tomar café conviver um pouco com alguns amigos, e por volta das 0h00m hora de ir dormir”, relata Mário Trindade.
Estudante do segundo ano de psicologia na cidade do Porto, Maria Basto teve problemas no parto. As consequências resumiram-se a uma cadeira de rodas. Movimenta-se sem receios. Quando chega a horas de viajar não olha para trás. “Viajo como qualquer outra pessoa. Passo a cadeira para o porão e vou sentada no lugar que me é destinado”, expõe. Nos aeroportos os cuidados são muitos. “Ainda só viajei algumas vezes e não para muito longe. De carro e avião. Guardei excelente opinião do atendimento e acessibilidades ao nível dos aeroportos Europeus onde passei.”
As idas ao tribunal para Manuela Ralha foram difíceis. “Foi de facto memorável. Imagine chegar ao tribunal e deparar-se com uma escadaria interminável à entrada e outra para a sala de audiências. Fiquei enervadíssima, até porque não suporto andar no ar. Claro que me recusei a que me levassem, mas estava a chover. Então, entrei pelo lado dos presidiários, o meu marido e o segurança pegaram na cadeira em peso no ar e puseram-me lá dentro. Permaneci em baixo, sem saber como as coisas estavam a decorrer, enquanto o meu advogado subia e descia a escada para me perguntar o que eu pretendia fazer cada vez que necessário. Senti-me um cachorro abandonado. Foi absolutamente humilhante,” revela.
Andar nos transportes públicos também não é tarefa fácil. Com 38 anos de idade, Nelson Mendes conhece bem esta realidade. Um tumor cervical transformou a sua actividade e a sua mobilidade. “É muito duro e muito pesado andar de cadeira de rodas. Nem sequer conseguimos andar de transportes públicos. Para podermos andar de comboio temos que ligar para a CP com 48 horas de antecedência e dizer a que horas saímos e a que horas vamos voltar. Não temos direito de ir passear quando quisermos e voltarmos quando pretendermos”, constata Nelson Mendes.
O esquecimento dos cidadãos
Os serviços públicos não dão prioridade a estes seres diferentes. Não existem senhas para atendimento prioritário. Os passeios estão ocupados pelo mal estacionamento dos veículos. Esquecimento ou desprezo dos cidadãos. “Estava-me a esquecer também dos deficientes sociais, aqueles que ocupam o estacionamento daqueles que precisam, dos cidadãos que entopem as caixas prioritárias e dos que dizem que os deficientes deviam ficar trancados em casa… Todos estes “deficientes sociais” tornam as minhas saídas maravilhosas…e contribuem cada vez mais para que eu fique em casa, sem vontade de sair. Mas eu sou teimosa e continuo a insistir em fazer uma vida integrada, embora na maior parte das vezes não o consiga”, salienta Manuela Ralha.
A esperança diária
Os desejos de largar o veículo de quatro rodas são infinitos. Nas redes sociais, todos se unem numa família. Quando há novidades, ninguém fica sem informação. Os comentários chovem e a esperança observa-se em cada sílaba escrita. «Ser Lesado: Tratamento com células-tronco traz esperança a paraplégicos» é o título que se vê publicado num perfil do facebook. Segundo mais tarde, a partilha de ideias dispara. “Estou numa cadeira de rodas há 15 anos e o meu sonho já não é andar, mas sim voar”, Paulo Gominho. “Sou cadeirante tetraplégico há 13 anos, se esse tratamento me deixar paraplégico, já fico satisfeito porque, troquei a esperança pela pressa!”, Flávio Caldeira. Mas há ainda quem se revolte com estas notícias. “Os resultados dessas mesmas descobertas já tem “clientes” os restantes “tristes” tem de se limitar ao seu enquadramento físico e estabelecido pelo MUNDO…mas um dia vencerão!”
Parem de dar falsas esperanças”, Bruno Gregório. “Basta de sermos cobaias, somos humanos, por tal devemos ser tratados como tal. Mas hospitais que fazem estes testes, deviam dar conta de também da manutenção dos mesmos, não operar uns tantos para sacar os subsídios e depois colocar os operandos ao Deus dará. Que eu saiba, no Rovisco Pais aconteceu umas tantas operações, eu pelo menos tenho conhecimento de quando lá passei, de cinco. Pois estes mesmos estão entregues a si próprios, porque as cobaias não já não servem, e a manutenção, sim digo manutenção, porque foram usados como objectos, nunca mais os chamaram. Se chamaram alguns, foi só para consultas de rotina, e outros foram lá por pedidos e cunhas à doutora Arminda, a quem desde já dou já os meus parabéns por ter sido a única do quadro de médicos que mais zelou pelos seus doentes, obrigado Drª Arminda”, Martinho Horta. São comentários que não terminam. Respostas que apoiam. Apelos e palavras de força que se lêem com olhos bem abertos.
Construir uma melhor acessibilidade para incapacitados é um dos desejos de todas estas pessoas com deficiência e para isso tem de existir uma arquitectura para todos. No fundo mudar a mobilidade negativa para positiva. Definir acessibilidade torna-se cismático. Mas o arquitecto Pedro Homem de Gouveia propõe: “A acessibilidade é a capacidade do meio edificado de assegurar a todos uma igual oportunidade de uso, de uma forma directa, imediata, permanente e a mais autónoma possível.”
“Não sei o que é ser paraplégico porque não sou, mas ser possuidor de uma paralisia cerebral em Portugal é o poder de mudar muitas mentalidades, lutar e dar valor à vida”, afirma Pedro Monteiro. Susana Cruto
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