sábado, 7 de novembro de 2015

Comissão que retirou pensões de invalidez é “clandestina”

O ministro Mota Soares justificou as recentes alterações ao regime especial de invalidez afirmando que estas se basearam nas conclusões de uma Comissão Especializada. Formada para avaliar a lista de doenças abrangidas pelo regime especial, a comissão de “especialistas” optou pura e simplesmente por acabar com essa lista e propor um outro paradigma para o acesso à proteção especial. O resultado é que, a partir de janeiro, apenas os pacientes de doenças que “se preveja evoluir para uma situação de dependência ou morte num período de três anos” terão acesso à pensão de invalidez pelo regime especial. É isto que consta na lei modificada pelo governo PSD/CDS no apagar das luzes do seu mandato.

O país deveria conhecer os autores desta decisão, até porque tanto o governo quanto a Segurança Social insistem que a alteração à lei foi consequência das conclusões desses dez especialistas. Acontece que até agora não se conhece um único nome de alguém que tenha participado na dita comissão.

Comissão clandestina, relatório fantasma

Em duas oportunidades, em 28 de março de 2014 e em 16 de outubro do mesmo ano, os deputados João Semedo e Helena Pinto, do Bloco de Esquerda, dirigiram perguntas ao Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social pedindo a lista dos dez nomes que formavam a referida comissão. Sem sucesso. Apesar de regimentalmente o governo ter 30 dias para responder às perguntas dos deputados, o ministério de Mota Soares ignorou olimpicamente as questões. Como também ignorou o requerimento em que a deputada Helena Pinto pediu uma cópia do relatório da comissão. O Esquerda.net fez esforços para encontrar publicado nalgum lugar esse relatório, sem o conseguir. Ele apenas é citado na exposição de motivos do Decreto-Lei nº 246/2015, de 20 de outubro, o diploma que alterou a lei. A existirem, a lista dos especialistas da comissão e o relatório serão de muito difícil acesso. Assim, tudo indica que uma alteração que terá resultados drásticos sobre os pacientes de doenças crónicas e incuráveis resultou de uma comissão clandestina e de um relatório fantasma.

Segundo o despacho que determinou, em 14 de novembro de 2013, a “constituição da Comissão Especializada para a Determinação das Doenças Abrangidas pelo Regime Especial de Proteção na Invalidez”, os dez membros da comissão deveriam ser “um representante indicado pela Direção-Geral da Segurança Social, quatro representantes indicados pelo Instituto da Segurança Social, I.P., dois representantes indicados pela Caixa Geral de Aposentações, I.P., um representante indicado pela Direção-Geral da Saúde, um representante indicado pela Direção-Geral da Administração e do Emprego Público, um representante indicado pelo Instituto Nacional para a Reabilitação, I.P..”

Ou seja, todos indicados pelo governo ou por instituições dependentes deste.

Falta ética e deontológica

A necessidade de serem conhecidos os nomes da comissão não é só uma questão de transparência e de responsabilidade. Caso entre os seus membros haja médicos, como é de se esperar de uma comissão de especialistas, estes podem ter cometido uma falta grave de ética e ferido o Código Deontológico da Ordem dos Médicos.

Segundo a lei, a atribuição da pensão só poderá ser dada se se prever que a doença do paciente evolua para uma situação de dependência ou morte num período de três anos. Ora “os prognósticos médicos são baseados em probabilidades”, disse aoEsquerda.net João Semedo, ele próprio médico que se aposentou na sequência de um cancro. Para este clínico, “prognósticos não são aceitáveis como decisões e certezas que possam ainda por cima determinar consequências para a vida das pessoas”.

Além disso, o Código Deontológico da Ordem dos Médicos é claro quando afirma que “O diagnóstico e prognóstico só podem ser dados a conhecer a terceiros, nomeadamente familiares, com o consentimento expresso do doente, a menos que este seja menor ou cognitivamente incompetente.” Repare-se que se está a falar de familiares, e não de uma decisão pública, o que seria ainda pior. Mais: no seu artigo 50º, o Código insiste que o diagnóstico e o prognóstico devem ser sempre revelados ao paciente, que tem o direito de os conhecer, mas que essa revelação exige prudência e delicadeza, e deve ser feita ao ritmo requerido pelo doente. E, se este não quiser saber, a revelação não deverá ser feita.

Portanto, um clínico que torne público o seu prognóstico de tempo de sobrevida de um paciente, para deferir ou indeferir um pedido de pensão, poderá estar a cometer uma violação do Código Deontológico. O mesmo se pode dizer de um médico que tenha proposto esse critério para figurar numa lei.

Lista de doenças

Recorde-se que até agora tinham acesso ao regime especial de proteção à invalidez os pacientes das seguintes doenças crónicas e incuráveis: paramiloidose familiar, doença de Machado-Joseph (DMJ), sida (vírus da imunodeficiência humana, HIV), esclerose múltipla, doença de foro oncológico, esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença de Parkinson (DP) ou doença de Alzheimer (DA). Como se sabe, são doenças incuráveis e extremamente incapacitantes e que, em muitas casos, lançam na invalidez pessoas que estariam, sem a doença, no apogeu das suas capacidades.

Os pacientes de outras doenças não deixavam de ter acesso à proteção por invalidez, no regime geral. A especificidade das doenças da lista do regime especial era a de serem crónicas e incuráveis, e muitas vezes tornarem incapazes para o trabalho pessoas relativamente jovens.

A lei previa a criação de uma Comissão Especializada que fizesse uma avaliação de três em três anos da lista das doenças, podendo eventualmente acrescentar outras. A Comissão deveria ter sido formada logo em 2010, mas o despacho que a constituiu foi apenas de novembro de 2013 e, em vez de reavaliar a lista de doenças, a comissão simplesmente acabou com ela.

Protestos

As associações que representam os pacientes prejudicados já começaram a manifestar-se.

Na opinião de Joaquim Brites, presidente da Associação Portuguesa de Doentes Neuromusculares, “só mesmo doentes completamente dependentes ou a morrer é que serão contemplados.”

Para Paulo Silva Pereira, ex-presidente da Associação de Doentes Crónicos, "muitos doentes vão perder o apoio social porque o novo decreto-lei só protege os doentes que já estão em estado vegetativo", disse à agência Lusa. Para ele, "o novo decreto-lei é pior que mau porque deixa sem proteção pessoas com doenças oncológicas, por exemplo, pois desde que se consigam mexer não são consideradas incapacitadas para o trabalho", acusou.

A Associação Todos com a Esclerose Múltipla não concorda com as alterações e lembra que tem vindo a lutar, há vários anos, por um Estatuto do Doente Crónico e uma Tabela Nacional de Incapacidade e Funcionalidades da Saúde.

O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, disse concordar com “todas as críticas das associações”, considerando que se está a assistir “à constante retirada de direitos sociais”.

Fonte: Esquerda.net

1 comentário:

  1. Esta lei ė um crime para os invalidos, duentes, defecientes. Pois assim com esta grave lei acabaräo de destroir Portugal e quem assinar esta Nova lei em Portugal serà panalizado pelo europäischenTribunal - Eu parlamentarischen.

    ResponderEliminar