A comissão de especialistas que estudou as alterações ao regime especial de pensão de invalidez reconhece que os novos critérios para atribuição deste apoio podem resultar numa diminuição do número de beneficiários abrangidos, ao contrário do que tem vindo a ser afirmado pela tutela e pela segurança social.
Sublinhando que o princípio a que a alteração obedeceu “está correcto”, o secretário de Estado da Segurança Social, Agostinho Branquinho, admitiu ao PÚBLICO que a legislação ainda pode vir a ser “corrigida”, se se perceber que há algo no seu texto que contraria o objectivo inicial. O regime especial abrange pessoas habitualmente ainda jovens e com uma carreira contributiva curta, com doenças que, pela sua gravidade e evolução, podem conduzir com rapidez a situações extremamente incapacitantes.
Num relatório de 16 páginas – que o Instituto da Segurança Social (ISS) até hoje não quis divulgar mas a que o PÚBLICO teve acesso –, os especialistas da comissão nomeada para estudar esta matéria começam por observar que até haverá um aumento de beneficiários, dado que, em vez das actuais oito doenças (paramiloidose familiar, doença de Machado-Joseph, HIV/sida, cancros, esclerose múltipla, esclerose lateral amiotrófica, Parkinson e Alzheimer), passam a estar abrangidas, em teoria, todas as patologias muito incapacitantes.
Os indicadores recolhidos apontam para isso mesmo: no Instituto da Segurança Social (SS), os casos passariam num mês de 398 para 484, com as novas regras, e, na Caixa Geral de Aposentações, de 46 para 67. Um aumento, portanto. “Não obstante, poderá registar-se uma diminuição do número de beneficiários abrangidos pelo regime de protecção especial na invalidez, facto que se verificou em alguns serviços de verificação de incapacidade permanente do ISS”, assumem os peritos no relatório, sem especificar de que forma ocorre esta redução.
Em vez de aumentarem a lista de patologias, os especialistas recomendam uma "alteração de paradigma": em vez de uma lista de doenças, que seria, por si só, "injusta e falível", devem ser valorizadas as suas consequências e o impacto em meio laboral, preconizam.
Morte no prazo de três anos
A recomendação foi seguida e o Decreto-Lei nº 246/2015, de 20 de Outubro, veio condicionar o acesso a este apoio especial a vários critérios cumulativos, um dos quais tem sido sido vergastado pelos críticos - o do que a situação de incapacidade permanente para o trabalho decorra de doença que “clinicamente se preveja evoluir para uma situação de dependência ou morte num período de três anos”.
“Esta redacção é completamente estúpida. Significa que os doentes só podem receber a pensão de invalidez quando estão completamente de rastos”, critica o bastonário da Ordem dos Médicos (OM), José Manuel Silva, que nota que nenhum médico pode prever que um doente vá morrer no prazo de três anos.
Numa resposta enviada ao PÚBLICO, o Instituto da Segurança Social garante que a OM foi ouvida sobre esta matéria, concretamente os colégios de especialidade de genética médica, de neurologia e de medicina física e reabilitação. José Manuel Silva precisa, porém, que os colégios foram ouvidos “apenas sobre a lista de doenças a acrescentar” nao sobre a redacção final do decreto-lei.
A leitura do relatório da comissão permite ainda perceber que, uma primeira fase, quando ainda estavam a considerar os grupos de patologias a incluir, os especialistas puseram de lado o HIV/sida e a doença oncológica, a primeira porque é actualmente “uma doença crónica raramente incapacitante” e a segunda porque, “embora venha a ser previsivelmente a primeira causa de morte, é hoje, num número crescente de casos, uma doença crónica com períodos de remissão completa de muitíssimos anos”.
Os peritos ainda chegaram a considerar criar uma nova lista com 21 grupos de doenças, como a artrite reumatóide, as insuficiências respiratórias, renais e hepáticas, e as doenças cérebro-vasculares, mas concluiram que não era possível, “com rigor e fiabilidade”, elaborar uma lista desta natureza, por causa do “risco de falhas e consequente injustiça”. A alteração de paradigma “elimina os casos, em número significativo, de benefício indevido pela imprecisão das condições e alarga estes benefícios a um número reduzido de pessoas com doenças raras, funcionalmente restritivas, que deles estavam excluídas”, sintetizam.
Esclarecendo que não há qualquer alteração à pensão de invalidez do regime geral e à pensão social de invalidez mas apenas ao regime especial, “que estava até agora limitado apenas a um conjunto reduzido de doenças”, o ISS frisa que a revisão das regras até pretendeu “abranger um maior número de pessoas”. Mais importante do que a doença diagnosticada é a sua consequência e impacto no contexto laboral, sublinha o ISS, que argumenta que se alarga agora o âmbito do regime especial “às situações de incapacidade resultantes de todas as doenças que pela sua gravidade e evolução geram rápidas situações de dependência e de incapacidade permanente para o trabalho”. A lei fica “ mais justa, abrangente e equilibrada, sem qualquer perda de direitos”.
Alexandre Diniz, da Direcção-Geral da Saúde (DGS), um dos médicos que integrou a comissão, explica também que, com esta alteração de paradigma, “deixa de prevalecer a doença”, e o que passa a contar é o seu impacto na vida laboral de uma pessoa. “As pessoas com doenças oncológicas ou com HIV/SIDA ou outra doença incapacitante, neste paradigma, não ficarão excluídas, desde que cumpridos os critérios cumulativos”, assegura. A existência de uma lista de doenças "fere o princípio da equidade e o princípio da justiça".
A comissão propôs ainda que os serviços de avaliação de incapacidade permanente para o trabalho, deficiência e dependência, possam passar a utilizar, complementarmente, na peritagem médica, a nova Tabela Nacional de Funcionalidades, o que permitirá "a quantificação em vez da subjectividade".
Mas Paulo Silva Pereira , da TEM - Associação de Doentes com Esclerose Múltipla, a primeira associação a contestar a nova legislação, defende que esta tabela, que esteve em período experimental até Junho deste ano, é “muito apertada”. “Pode acontecer o ridículo que um doente em estado grave seja dado como capaz. Desde que fale, ande, vista e se lave”, enfatiza.
Fonte: Público
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