Na minha nova crónica no jornal abarca escrevo sobre a minha experiência enquanto utente e funcionário de uma instituição.
O funcionário.
Devido a uma acidente de viação, desloco-me em cadeira de rodas elétrica, e possuo 90% de incapacidade. Embora existam incentivos financeiros por parte do Estado à empregabilidade das pessoas com deficiência, raramente o mercado de trabalho nos dá uma oportunidade. Eu sou um dos poucos “privilegiados” a quem foi dada essa oportunidade. Primeiro, o estágio profissional, depois, a possibilidade de continuar a exercer a profissão que tanto gosto: Assistente Social.
Com a deficiência veio o estigma e o preconceito. Para a maioria das entidades empregadoras a deficiência é sinônimo de incompetência, de alguém que perdeu a validade e deixou de ser útil. Alterar este paradigma tem sido uma tarefa difícil. São atitudes como a tomada pela direção do CASC, que fazem a diferença e ajudam na mudança. Ter tido a coragem de apostar num inútil para a maioria da sociedade, é uma grande ajuda na desmistificação de ideias erradas formadas a nosso respeito.
Nesta casa nunca fui olhado como diferente, mas sim como sou, somente uma pessoa com características diferentes da maioria, mas com direitos e deveres como os demais. O facto de ser olhado como igual, de não ser somente a minha cadeira de rodas o foco das atenções, mas sim valorizando as minhas capacidades e não as limitações, foi uma grande ajuda à minha adaptação, e claro, refletiu-se no trabalho que realizo. Ficaram criadas as condições para poder exercer as minhas funções em pleno, sem complexos e receios.
Centro de Dia
O Centro de Dia é uma resposta social de apoio à população, especialmente a mais idosa, que consiste na prestação de um conjunto de serviços nas nossas instalações, na tentativa de contribuir para a manutenção dos nossos utentes no seu meio sócio-familiar.
Funciona atualmente com um total de 45 utentes, limite imposto pelo Instituto da Segurança Social. Infelizmente não é o suficiente para satisfazer todas as solicitações que nos chegam diariamente, encontrando-se na presente data várias pessoas em lista de espera a aguardar vaga para beneficiarem dos nossos serviços.
A nossa finalidade é a capacitação do idoso para a melhoria da sua qualidade de vida e a promoção do seu envelhecimento ativo. É nossa preocupação constante proporcionar aos nossos utentes bem-estar físico, psíquico e social, promovendo a sua autoestima, fazendo-os sentir-se parte integrante de uma comunidade que os deseja e estima.
Quanto aos utentes do Centro de Dia, também sinto que a cadeira de rodas serve somente para alguns deles me identificarem. Quando se esquecem do meu nome a cadeira é a sua referência. Sou aquele senhor da cadeira de rodas. De resto, sabem que sou somente mais um membro da equipa disponível para os servir, seja em que circunstâncias for, dentro das nossas possibilidades.
Infelizmente uma grande parte da nossa sociedade ainda olha o idoso como sendo um fardo sem potencial e competências. No meu caso não me cabe classificá-los como sendo ativos ou passivos, mas sim percebê-los como pessoas de valor, únicas, com vontades próprias e capacidades, com quem se pode estabelecer um diálogo e relações pessoais interessantes. É-me fácil reconhecer que têm um valor moral básico, independentemente de serem ou não capazes de exercer autonomia.
É com este espírito que me apresentei e apresento perante eles todos os dias. Só desse modo faz sentido e vale a pena ser Assistente Social. Promover a dignidade e o valor das pessoas.
O utente.
É de muitos conhecida a minha luta pública contra a institucionalização das pessoas com deficiência. A minha vinda para um lar de idosos não foi, e nem está a ser fácil. Mas nas circunstâncias que me encontrava foi sem dúvida a melhor solução. Agora vejo que só num lugar assim e com estas condições poderia trabalhar. Devido às minhas especificidades necessito de apoio de terceiros várias vezes ao dia, e para várias tarefas. Ter esse apoio ao meu dispor durante 24 horas por dia faz toda a diferença. Só graças a esse apoio consigo exercer a minha profissão e ter uma vida ativa. Sem ele seria impossível exercer as minhas funções.
Suponho que para as/os colegas de trabalho da ERPI, nem sempre deve ser fácil conseguir separar o utente do colega, pois tanto estamos a almoçar juntos e em amena “cavaqueira”, como de seguida a “cuidar-me”. Se existe essa dificuldade, eu não a sinto. Sinto sim, que as coisas funcionam e nos conseguimos entender.
Ter as/os colegas como cuidadores fez com que na maioria dos casos se criassem laços muito interessantes. Encontrei amizades para a vida.
Têm a minha profunda admiração pela profissão que exercem e como a exercem. O estar “deste lado”, fez-me ter um olhar critico diferente do que tinha há meses atrás. Comprovei que nem todas as Instituições deste género funcionam a pensar no que é melhor para os seus diretores, esquecendo-se das suas reais responsabilidades. Nesta “casa” encontrei equipas, desde a direção e equipa técnica às colaboradoras e colaboradores, de uma forma generalizada, todos se preocupam com a solidariedade e o bem servir.
Não ficaria bem comigo mesmo se não deixasse um registo sobre as preocupações que sinto pelo futuro da Instituição, uma vez que, ao contrário do que é desejável, o Município tem uma postura de costas voltadas para o CASC, o que, sejam quais forem os motivos, constrange e dificulta o exercício de quem o dirige e as vítimas são os seus utentes. Não conheço tal postura noutros locais similares e tão pouco a posso aceitar.
Eduardo Jorge
(Tetraplégico, Assistente Social, Diretor Técnico da Valência de Centro de Dia no CASC e utente da Valência de Lar / ERPI) Texto publicado inicialmente no boletim informativo do Centro de Apoio Social da Carregueira "factos & palavras".
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