domingo, 19 de setembro de 2010

Por um olhar mais generoso

"A IGNORÂNCIA NÃO FICA TÃO DISTANTE DA VERDADE QUANTO O PRECONCEITO." (Denis Diderot)

Luciane, mãe de dois filhos com paralisia cerebral, comenta os olhares de curiosidade que ferem

por Luciane Nascimento Lubianca

Ser mãe ou pai de uma criança especial exige muita paciência. Ser humano não é fácil. Ando com meus filhos que têm dificuldade motora por todos os lugares, por mais difíceis que sejam as condições de acesso, insisto em não me deixar intimidar pelas barreiras impostas pelo que a vontade possa superar. Pelas ruas, a toda hora, vemos carros estacionados em rampas de acesso e cidadãos saltitantes desembarcando em vagas de estacionamento reservadas para deficientes físicos.

Meus filhos reclamam: mãe, liga para a polícia. Repito sempre o mesmo discurso sobre ética e respeito aos direitos de todos. Além dos obstáculos físicos, existem os olhares contundentes de estranheza. Em vários momentos, pessoas depositam, sem delicadeza, sua curiosidade sobre o que não lhes é familiar. Viram o pescoço mirando as pernas titubeantes das minhas crianças e eventualmente tascam: Ele é deficiente!!!.

Guilherme cumprimenta a todos que o olham. Na tentativa de protegê-lo, já expliquei várias vezes que não devemos responder a todos os olhares com um oi, e, na rua, devemos cumprimentar somente aqueles a quem conhecemos. Certo dia, durante espera para corte de cabelo, ele brincava com cubos, tentando colocar um sobre o outro, sem muito sucesso. Eu estava um pouco distante, com outro filho, quando percebi uma senhora sentando ao seu lado, fitando-o fixamente. Ela de boca aberta e com um olhar agudo, meu filho concentrado na sua missão aparentemente impossível. Após alguns minutos, de súbito, Guilherme virou-se, olhou para a mulher e disse: Oi, tudo bem? Te conheço, não?! A senhora desconcertada saiu rápido, sem responder nada, como se ele não devesse ter percebido o óbvio.

Aos olhares indiscretos, lembro que a sensibilidade daqueles que parecem nada perceber permanece conectada, independentemente do grau de comunicação que pensamos poder ou não existir.

Meus filhos têm sete anos e paralisia cerebral. Não correm, nem pulam como a maior parte das crianças. Inicialmente, pode ficar a impressão de que são pequenos ou menos alegres, não é verdade. O que normalmente deixaria a maioria deprimida, os impulsiona. Desde cedo já sabem que ser parte do usual náo é o único meio possível de ser feliz.

Como todas as mães, quero um mundo melhor para meus filhos, por isso escrevo, compartilhando meu aprendizado. Aos olhares que acolhem, mando meu terno abraço, aos que tem piedade, meu desejo de crescimento, e para aqueles que acham fazer parte de um mundo paralelo, solicito, pelo menos, um olhar mais generoso.
Fonte: Deficiente-Fórum

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