terça-feira, 22 de março de 2011
Comentário à Convenção por Jorge Miranda
Comentário à Convenção por Jorge Miranda, Professor de Direito, Constitucionalista
Comentário ao art. 3º (Princípios gerais)
1. Este preceito e a Convenção toda devem ser lidos à luz da Declaração Universal dos Direitos do Homem, cujo art. 1º justamente proclama: "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade".
Dotados de razão e de consciência - eis o denominador comum a todos os homens e a todas as mulheres em que consiste ou se fundamenta essa igualdade. Dotados de razão e de consciência - eis o que, para além de quaisquer diferenças, justifica o reconhecimento, a garantia, a promoção e a efectivação dos direitos fundamentais. Dotados de razão e de consciência - eis por que os direitos de todos os homens e de todas as mulheres não podem desprender‑se da consciência geral da humanidade.
2. Em primeiro lugar, a dignidade da pessoa é da pessoa concreta, na sua vida real e quotidiana, não é a de um ser ideal e abstracto. É o homem ou a mulher, tal como existe, que se considera irredutível, insubstituível e irrepetível. É o homem ou a mulher, independentemente das suas condições físicas, mentais, culturais, sociais, económicas ou outras, que vale por si.
A alínea d) fala no respeito pela diferença e na aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e a alínea h) no respeito pelos direitos das crianças com deficiência a preservar a sua identidade.
Mas este respeito e esta aceitação pressupõem o sentido de uma mesma humanidade, a inserção numa mesma comunidade, a partilha de um destino comum.
3. Não por acaso a Convenção vai explicitar aqui não somente a igualdade entre homens e mulheres como a não discriminação, a participação e a inclusão plenas e efectivas na sociedade e a igualdade de oportunidades.
Não discriminação. As pessoas com deficiência têm de ser tratadas como quaisquer outras, não podem sofrer desvantagens, nem restrições ou privações de direitos por causa disso, nem lhes podem ser impostos encargos que não sejam impostos a quaisquer outras.
Participação e inclusão plenas e efectivas (v. também art. 26º). As pessoas com deficiência não têm de viver em mundos fechados; nenhuma forma ou intenção de os proteger pode conduzir ao isolamento ou à segregação. Pelo contrário, como membros da comunidade devem exercer os direitos gerais de participação quer na área onde habitem, quer nas diversas instâncias culturais, religiosas, profissionais, associativas e partidárias, quer nas eleições e nas outras actividades políticas. E, naturalmente, possuem o direito de constituir organizações próprias.
Igualdade de oportunidades. Agora não tanto iguais direitos à partida quanto disponibilidade real das pessoas com deficiência para os exercer. Agora não tanto igualdade na lei quanto igualdade na prática, através de meios adequados e de prestações por parte da sociedade e do Estado.
4. O princípio da acessibilidade, a que se referem a alínea e) e o art. 9º, decorre imediatamente deste princípio.
Acessibilidade, antes de mais (embora não só), física, sem barreiras arquitectónicas e com construção de vias ergonomicamente ajustadas às pessoas.
5. Não quer isto dizer que certas incapacidades jurídicas não possam atingir as pessoas com deficiência, como se admite, por exemplo, no art. 71º da nossa Constituição. Simplesmente, de acordo com os critérios gerais de interpretação no domínio dos direitos das pessoas, a existirem, estarão sujeitas a quatro requisitos:
a) Têm de decorrer objetivamente da própria deficiência, tem de traduzir incapacidades naturais e não artificialmente criadas pelo ambiente sociocultural ou pelo poder político;
b) Nunca devem ser consideradas irremediáveis ou definitivas, implicam um esforço constante para as superar e, também por isso, a alínea h) fala no desenvolvimento das crianças com deficiência;
c) Enquanto envolvam restrições de direitos, devem ser entendidas restritivamente;
d) Na dúvida, a regra tem de ser de atribuição de direitos.
6. Por detrás do art. 3º da Convenção, como por todos os restantes artigos, acha‑se uma ideia radical de solidariedade. Porque só a solidariedade entre as pessoas, nas diversas circunstâncias em que podem vir a encontrar‑se, as pessoas com deficiência e as pessoas sem deficiência, permite assegurar a dignidade e a qualidade de vida.
Fonte: INR
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